Eleição na FAO: primeira vitória da diplomacia de Dilma

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Virgilio Arraes
15/07/2011

 

A presidente Dilma Rousseff encerra seu primeiro semestre à testa do governo com um feito importante, extraído da política externa: a obtenção da direção-geral da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (ONU-FAO), com 191 filiados e com 130 escritórios de representação, através da eleição do ex-ministro José Graziano da Silva, após acirrada disputa com a Espanha, representada por um ex-dirigente do primeiro-escalão também: Miguel Angel Moratinos, da pasta de relações exteriores.

 

O êxito auxilia a amenizar diversas dificuldades por que tem passado sua administração diante da inflação acima da meta estabelecida; do aumento constante da taxa de juros da dívida pública, atualmente a mais alta do planeta; do escândalo político em torno da atuação como consultor privado de Antonio Pallocci, ex-chefe da casa civil, quando deputado federal (2007-2010);

da alteração da forma contratual das licitações públicas por conta do atraso na execução das obras da Copa do Mundo de 2014; do questionamento financeiro de obras no Ministério dos Transportes; e, por fim, da manutenção do sigilo eterno para documentos governamentais, por pressão de militares, diplomatas e parlamentares mais conservadores de sua própria base de apoio – em geral, os egressos da própria ditadura militar (1964-1985).  

 

Além disso, a presidente enfrenta mais um problema: o de fixar uma identidade política própria perante a opinião pública, especialmente entre a mais escolarizada, e, desta forma, superar a imagem de ser tão-somente uma tecnocrata, escolhida pelo Partido dos Trabalhadores (PT) para meramente servir de intermediária entre um e outro processo eleitoral de Lula.

 

Embora a candidatura de José Graziano tenha sido articulada durante o último ano da gestão de Lula, não fosse o empenho da atual administração, com o próprio ministro das Relações Exteriores à frente, o vencedor teria sido o candidato espanhol, mesmo apesar de a Europa ter-se dividido ao lançar o austríaco Franz Fischler, ex-Comissário da Agricultura da União Européia. A vitória fornece ao Brasil maior visibilidade internacional – desde 2004, quando da composição da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti (Minustah), o país não tinha tanto destaque no noticiário externo.

 

Por extensão, a gestão na FAO poderá propiciar maior credibilidade ao país, desde que a futura gestão de Graziano aproveite a oportunidade e proponha-se a reformar a instituição, observada há muito tempo como burocrática e ineficiente.

 

O brasileiro sucede o senegalês Jacques Diouf, após quase 20 anos de comando, com uma importante modificação implementada, com o fito de opor-se ao personalismo burocrático: em vez de seis anos de mandato, qautro; em vez de reeleição indefinida, uma recondução apenas.

 

A candidatura brasileira exprimiu também um momento de realismo da política externa, dado que a direção da FAO destina-se a países em desenvolvimento, eufemismo para designar os membros do antigo 3º Mundo durante a Guerra Fria.

 

Assim, ao ter-se proposto para o cargo, o Brasil reconheceu seu distanciamento em termos de poderio tradicional junto às grandes potências, temperado nos últimos por uma ilusória aspiração de preencher de maneira definitiva um assento no Conselho de Segurança das Nações Unidas.

 

Outrossim, há a oportunidade para o Brasil de redimir-se do fiasco diplomático ao tempo em que um nacional, embaixador José Maria Bustani, estava na cabeça da Organização para a Proibição das Armas Químicas (OPAQ). Desabonada sua gestão pelos Estados Unidos, exatamente pelo bom trabalho no tocante a inspeções e filiações de países problemáticos, Brasília abandonou-o politicamente, a fim de não ter desgaste diante de Washington.

 

A despeito da oferta de apoio diplomático da Índia e da China, por exemplo, o país omitiu-se, o que propiciou aos Estados Unidos a oportunidade de aplicar ao dirigente a punição máxima: a destituição, a primeira em um organismo internacional.

 

O desafio na FAO é imenso, visto que nem durante a dicotomia capitalista-comunista nem na recente primazia neoliberal, parece vislumbrar-se a possibilidade de redução significativa do número de famélicos ou de crianças mortas por desnutrição – seis por minuto, calcula-se. A última alta de preços, ocorrida entre 2007-2008, dificulta sobremodo a consecução dos objetivos primordiais do organismo.

 

Ademais, os países periféricos continuam a insistir na viabilidade duradoura da agroexportação em larga escala como forma de inserção na política internacional – o G-20 é a melhor expressão de tal posicionamento.

 

Acreditam suas elites que é possível manter o latifúndio voltado à exportação e, ao mesmo tempo, solucionar suas questões alimentares mais prementes. O candidato espanhol propunha valer-se da expertise das corporações multinacionais para obter menos desperdício no processo de produção alimentar.  

 

A convicção nisso pode ter ajudado o êxito do Brasil, uma vez que o governo nos últimos anos apregoa ser factível a conciliação das duas atividades, tendo por resultado a possível supressão de mais de 20 milhões de famintos de tal status.

 

Virgílio Arraes é doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.

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