Estados Unidos: a hesitação no Afeganistão

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Virgílio Arraes
19/11/2010

 

Passado o efeito atordoante da derrota na chamada eleição do meio do mandato, o governo Obama concentra-se novamente nas atividades cotidianas. Na política externa, uma das possíveis conseqüências seria a alteração do cronograma de movimentação de tropas no Iraque e no Afeganistão em 2011. Em um, haveria o prolongamento da presença; no noutro, o adiamento da saída.

 

No Afeganistão, avalia-se diminuto o prazo para a instrução de efetivos locais por militares otanianos. A passagem final do bastão está prevista para 2014, mas mesmo isso tem sido considerado improvável aos olhos do alto oficialato norte-americano. Na pior das hipóteses, os contingentes permaneceriam, ainda que fosse para auxiliar os efetivos locais.

 

Na reunião de cúpula da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) em Lisboa, realizada entre 19 e 20 de novembro, a proposta de uma nova data foi uma maneira de postergar a decisão definitiva, ainda que os europeus fossem favoráveis ao final das operações o mais breve possível, por motivos financeiros e operacionais.

 

Quanto ao aspecto operativo, o fracasso da OTAN como força-tarefa além-Europa leva seus dirigentes a formular outra política, a de parcerias específicas com potências emergentes: em ordem decrescente, China, Índia, Brasil e Austrália.

 

Além do aspecto temporal, há outro importante, de difícil aferição atualmente: a lealdade política dos treinados afegãos, porque podem pender tanto para o Ocidente como para o Talibã, independentemente da capacitação policial ou militar.

 

Paradoxalmente, uma parcela dos vultosos recursos financeiros e técnicos destinados à instrução das forças policiais ou castrenses poderá vir a beneficiar a insurgência, devido à preparação esmerada de futuros cooptados. Atualmente, somente Candaar, localizada ao sul do país, estaria de acordo com os padrões de eficiência e de fidelidade na oposição aos talibãs.

 

O processo de coonestação de lideranças clânicas - por meio de diferentes formas de participação efetiva no governo - ou de eliminação dos cabeças das numerosas células talibãs - por conta da contra-insurgência, executada diuturnamente no período noturno - parece esgotar-se quanto à obtenção de resultados pró-ocidentais.

 

Além do mais, sem perspectiva de vitória, os dois lados dedicam-se a um tormentoso exercício de resignação, uma vez que a fadiga é ampla – aos afegãos, a paciência compensaria, haja vista o exemplo da retirada dos soviéticos após pouco mais de nove anos.

 

De quando em quando, um ou outro anuncia seu crescimento diante do oponente ou a realização de uma investida de êxito quanto a algum alvo de muito valor – o controle de uma determinada vila, por exemplo. No fim, a maioria dos comunicados reflete peças de oratória.

 

Sob patrocínio inicial dos Estados Unidos, a aliança tácita entre o governo e a oposição menos extremada aponta para a reiteração política dos laços com os países da coligação otaniana, mas também para a rejeição da presença estrangeira em solo afegão.

 

No entanto, o Departamento de Estado planeja modificar sua estada lá, o que reforça o caráter especial do território afegão: Washington prevê a construção de uma sede, capaz de acolher mais de mil funcionários, sob abrigo de diferentes órgãos – de auxílio técnico à consultoria militar.

 

O número de servidores é um dos mais altos da diplomacia estadunidense, superior, por exemplo, ao das representações nos países latino-americanos, mesmo Brasil, México ou Argentina – o Departamento de Estado possui quase 65 mil funcionários. A estimativa de custo aproxima-se de um bilhão de dólares, uma vez que se contempla também a edificação de consulados em várias cidades.

 

Deste modo, a despeito dos contínuos reveses, os Estados Unidos investem no Afeganistão. De certa forma, o espectro do Vietnã assombra definitivamente o Partido Democrata. Tendo perdido a oportunidade de programar e executar a retirada das tropas, o governo Obama avocou para si, mesmo involuntariamente, as duas infrutuosas guerras – reconhecidas do ponto de vista político já como suas, de acordo com o jornalista Bob Woodward.

 

Virgílio Arraes é doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de História da mesma instituição

 

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