Correio da Cidadania

Estados Unidos: a oportunidade de renovação econômica

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Ao chegar à Casa Branca em janeiro de 2009, os democratas depararam-se de imediato com a política econômica desordenada e com a externa desajustada. Sua prioridade foi a imediata retomada do crescimento da economia, o que temporariamente até justificaria a manutenção das diretrizes republicanas na área internacional. Após dezoito meses, o país parece deixar a recessão, a maior desde o período de 1929 a 1933, a despeito de uma taxa de desemprego próxima dos dez por cento.

 

Durante o período de transição de Bush para Obama, ao analisarem-se nomes para compor o Ministério da Fazenda (Secretaria do Tesouro), um dos mais cotados, aos olhos do presidente, foi o de Lawrence Summers, professor de economia de Harvard, considerado, sem sombra de dúvida, um dos principais expoentes do Partido Democrata.

 

Membro de uma distinta família do mundo acadêmico norte-americano, com os pais tendo sido professores da prestigiosa Universidade da Pensilvânia, ele é ainda sobrinho de dois galardoados com o Prêmio Nobel da Economia: Robert Samuelson, em 1970, e Kenneth Arrow, em 1972.

 

Na passagem da administração de Bush para a de Obama, Summers lecionava em Harvard, após ter se exonerado da reitoria no início de 2006. Um ano antes, ele havia se envolvido em uma controvérsia, quando, a partir de uma declaração provocadora em uma conferência, inferiorizou a participação das mulheres nas ciências naturais por conta da genética, entre outras hipóteses - http://www.president.harvard.edu/speeches/summers_2005/nber.php .

 

Sua carreira pública iniciou-se em outubro de 1982 no Conselho de Assessores Econômicos, vinculado de modo direto à Casa Branca, ao participar por quase um ano da equipe de Martin Feldstein, na época titular daquele órgão e seu orientador na pós-graduação em Harvard - http://www.whitehouse.gov/administration/eop/cea/about/Former-Members. No primeiro mandato de Ronald Reagan, republicano, houve o primeiro desmantelamento de medidas reguladoras do sistema financeiro e bancário, oriundas ainda do tempo do New Deal.

 

Quase paralelamente, ele ingressou no quadro do departamento de economia da própria Harvard. Com trajetória ascendente, ele se tornaria o principal assessor econômico do candidato democrata à presidência em 1988, Michael Dukakis. Dois anos depois, prestaria consultoria à Lituânia - recém-independente (março de 1990) da combalida União Soviética -, esperançosa de que a pronta conversão à democracia neoliberal lhe granjeasse os melhores frutos deste sistema.

 

A nova elite local, portanto, aderiu de maneira irrefletida ao neoliberalismo, embalada pela esperança desmedida de ascender em pouco tempo a padrões materiais da Europa Ocidental. Dois anos depois, os comunistas, sob o nome de Partido Democrático Trabalhista da Lituânia, voltariam ao poder pelo voto, a despeito do finamento da União Soviética, em dezembro de 1991. Acresça-se que o país foi o primeiro a resgatar pelo voto a proximidade com o comunismo, no pós-Guerra Fria.

 

Com razoável experiência governamental, ele credenciou-se para assumir o cargo de economista-chefe do Banco Mundial em 1991. Lá, em dezembro daquele ano, ele escreveu um memorando reservado sobre um possível destino econômico para o Terceiro Mundo, em especial para alguns países do continente africano. Em sua visão, o Banco Mundial deveria estimular mais a migração de indústrias poluentes para o mundo "em desenvolvimento", por causa dos custos.

 

Com o retorno dos democratas à Casa Branca, ele seria o titular da Secretaria do Tesouro a datar do segundo mandato de Bill Clinton. Durante aquela gestão, ele havia sido o responsável pela área internacional e depois o número dois da própria Secretaria.

 

Lá, ele incentivou de forma desmesurada o governo russo a privatizar de maneira célere suas empresas. O resultado seria calamitoso, tanto econômica – avaliação dos ativos abaixo de seu real valor – como politicamente – base da formação do grupo conhecido como os oligarcas, isto é, um pequeno número de beneficiários do processo de desestatização, cuja riqueza advinda influenciaria o destino do país nos anos 90.

 

Além do mais, foi um dos responsáveis pela acolhida da Lei de Modernização dos Serviços Financeiros, que encerraria a divisão instituída em 1933 no tocante à possibilidade de uma corporação operar simultaneamente no setor de bancos comerciais, de fundos de investimento e de companhias de seguro. As futuras fusões terminariam por viabilizar muito mais operações de risco de grande monta no cotidiano. Eis um dos motivos da crise econômica de 2008.

 

Anos depois, ao assumir a Casa Branca, Obama o convidaria para assumir a direção do Conselho Econômico Nacional, responsável por parcialmente formular e supervisionar as linhas-mestras da economia americana.

 

Desde o início da chegada dos democratas, a Casa Branca porta-se de maneira acanhada no tocante à responsabilidade das corporações financeiras no desenrolar da mais longa crise econômica do país desde a de 1929.

 

Apesar de seu papel na geração da crise, o governo ajudou-as com bilhões de dólares por meio de um plano de resgate do final de 2008, com gastos iniciais autorizados pelo Congresso de setecentos bilhões de dólares. Não houve até o momento a mesma sensibilidade com os desempregados.

 

Desta forma, a exoneração a pedido de Summers, símbolo de um capitalismo desregulado e superficialmente próspero, poderia significar a oportunidade ao governo democrata de renovar-se na sua segunda metade na área econômica, o que significaria um pouco menos de conservadorismo.

 

Afinal, o próprio Obama afirmava na transição de poder que não se podia ter uma Wall Street (grandes finanças) próspera sem que também houvesse uma Main Street (pequeno comércio tradicional).

 

Virgílio Arraes é doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de História da mesma instituição.

 

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