Correio da Cidadania

Postura do EUA favorece militarização da política nuclear do Irã

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Não obstante a retórica de diferenciação, a política externa do governo Obama ainda bebe de um olho d’água republicano; um dos compostos de tal mina é o Irã, em torno do qual dois membros temporários do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas, Brasil e Turquia, tentaram recentemente enquadrar sua política nuclear nos termos estipulados pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).

 

Assim, a política nuclear de Teerã é um pretexto para manifestações de desapreço norte-americanas, tendo em vista o relacionamento próximo de Washington na região e adjacências com Nova Déli, Telavive e Islamabad, governos detentores de arsenais de destruição em massa. De mais a mais, estima-se que o orçamento militar iraniano esteja por volta de dez bilhões de dólares anualmente, portanto, dezenas de vezes menor que o norte-americano.

 

A desinteligência entre os dois governos remonta a 1979, ano em que o Irã deixou de ser uma monarquia autoritária para tornar-se uma república teocrática, liberta da órbita de Washington e, por conseguinte, um modelo a não ser seguido na visão dos países do Ocidente.

 

Em pouco mais de um quarto de século, duas derrubadas de dirigentes marcaram o estreitamento do relacionamento amero-iraniano e seu fim: a de 1953, na qual se havia defenestrado um primeiro-ministro, e a de 1979, quando se assinalou o fim da dinastia Pahlavi.

 

Recorde-se que o então jovem xá Reza Pahlavi havia retornado ao poder, após breve exílio na Itália, na esteira da deposição do septuagenário primeiro-ministro Mohammed Mossadegh em agosto de 1953, que, embora fosse influenciado culturalmente pelo Ocidente, implementara o processo de nacionalização do setor petrolífero em 1951.

 

A medida extrema decorreu da intransigência da Companhia de Petróleo Anglo-Iraniana – desde 1954, Brittish Petroleum (BP) - de negociar novos valores relativos à divisão dos robustos lucros do produto, a partir de propostas anteriores do parlamento iraniano.

 

Tendo por um dos principais acionistas o governo britânico, a reação do Ocidente, capitaneada pelos Estados Unidos, foi a de repudiar a medida iraniana por meio de um boicote – por isso, o apoio do xá aos governos ocidentais, receoso do impacto econômico negativo no curto prazo.

 

Todavia, baldada a aplicação prática de medidas restritivas, logo depois articular-se-ia entre o serviço secreto anglo-americano – MI6 e CIA - a preparação de um golpe de Estado, conclusão da Operação Ajax, a ser executado em dois momentos, em virtude da inesperada resistência de setores políticos do Irã.

 

Curiosamente, no início dos anos 70, Washington havia avaliado que Teerã teria obstáculos econômicos de monta em poucos anos devido à dificuldade de manter estável a sua produção petrolífera, ao redor de quatro milhões de barris por dia, metade dos quais consumidos internamente.

 

Diante de tamanha estimativa pessimista, a monarquia iraniana passou a considerar a hipótese de desenvolver energia nuclear no curto prazo. Assim, os Estados Unidos prontamente se dispuseram a auxiliar a construção de oito reatores e compartilhar, portanto, tecnologia, em vista da importância política do país na área médio-oriental.

 

Com o fim da monarquia, porém, a colaboração cessou, por causa da ascensão política do clero xiita. Assombrado o Ocidente, receou-se que o exemplo iraniano pudesse inspirar outras mudanças na região, ao afetar países com regimes similares, como a Arábia Saudita, por exemplo.

 

Parte do apoio granjeado pelos revolucionários ao longo do tempo no Irã derivou da brutalidade do governo monárquico, assinalada pelo emprego constante de violências físicas contra seus opositores, ao valer-se sempre dos serviços da famosa e temida polícia secreta, a SAVAK.

 

Meses depois, em setembro de 1980, o Iraque iniciou um confronto com o Irã, sob justificativa de impossibilidade de acerto fronteiriço. Na realidade, o motivo originou-se do temor de os seus habitantes xiitas, maioria na população iraquiana, se revoltassem também e pudessem buscar apoio junto ao vizinho na época vanguardista.

 

Contudo, Bagdá não contava com a longa duração do conflito, o que extenuaria ambos. O resultado final seria o debilitamento prolongado dos dois países, com a renúncia tácita do governo de Saddam Hussein a transformar-se na maior liderança daquela região.

 

Com o passar do tempo, à proporção que o Iraque enfraquecia-se, ainda mais após a desastrada invasão do Kuwait no final da década de 80, o Irã, embora se recuperasse de maneira modesta, assegurava a sobrevivência de seu governo teocrático.

 

Depois das primeiras semanas da Segunda Guerra do Golfo, a datar de março de 2003, impulsionou-se involuntariamente a economia do país por causa dos reajustes expressivos do preço do petróleo.

 

Com mais recursos, recuperou-se a capacidade do país de implementar seu programa nuclear de maneira mais consistente. Tradicionalmente, a supervisão da atividade ficaria a cargo da Agência Internacional de Energia Atômica.

 

Entrementes, o recente desprestígio da entidade, ainda que ocasionado de modo paradoxal pelo governo norte-americano no período de George Bush, dificulta a colaboração de países desconfiosos da Casa Branca. Eis a razão do presente conflito de interesses e do impasse em solucioná-lo de forma multilateral.

 

Sem a zelosa colaboração de outras potências de porte, como os membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas, e até de médias, como no caso da Turquia e do Brasil, o desentendimento bilateral se estenderá, tendo por efeito mais saliente o prolongamento desnecessário do posicionamento favorável à militarização da política nuclear do Irã.

 

Virgílio Arraes é doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.

 

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