Correio da Cidadania

Estados Unidos no Iraque: além do escalamento

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Em janeiro de 2007, o Senado norte-americano aprovou o nome do novo titular da Força Multinacional do Iraque: David Petraeus, general de quatro estrelas e doutor por Princeton em Relações Internacionais, área em que chegou a lecionar na bicentenária West Point – Academia Militar dos Estados Unidos. Ao assumir o comando, embora não tenha sido ele o formulador, caberia ele a implementação de uma nova tática: o escalamento, ou seja, a ampliação do número de efetivos naquele país, com o fito de estabilizar a ocupação.

 

De um ano para cá, o número de ataques às tropas anglo-americanas declinou: de quase 200 por dia para cerca de 50. Celeremente, os meios de comunicação mais conservadores nos Estados Unidos passaram a elogiar a ‘Doutrina Petraeus’, sem enfatizar que, além do acréscimo de combatentes, a Casa Branca intensificou as negociações com grupos locais. Assim, houve um cessar-fogo celebrado com o clérigo xiita Muqtada al-Sadr, líder da milícia de Al-Mahdi, e o estabelecimento de alianças temporárias com líderes sunitas.

 

A melhora da área de segurança, contudo, é insuficiente para assegurar a estabilização permanente do Iraque. A participação de unidades locais – principalmente policiais - no combate à insurgência aumentou, mas elas entram em ação, na maioria das vezes, com a presença de suas congêneres anglo-americanos. Raramente elas efetivam operações de porte por si mesmas. As forças armadas estadunidenses estimam que apenas na metade dos estados iraquianos haja condições plenas para que as suas forças de segurança conduzam-se adequadamente.

 

Sem investimentos em infra-estrutura e sem incentivos à ampla participação da população nos processos eleitorais, a situação no país voltará lamentavelmente a piorar. A forma por que se dividem as concessões para a exploração do petróleo dificilmente trará benefícios para a sociedade iraquiana. No entanto, há uma expectativa de que os estados recebam parte da receita da tributação – o projeto de lei ainda não foi aprovado. De todo modo, a produção ainda é baixa, ao girar em torno de dois milhões e meio de barris por dia, e, por conseguinte, insuficiente para a geração de recursos para a recuperação, por exemplo, da devastada rede elétrica.

 

Depois de quase quatro décadas afastadas, as antigas acionistas – representadas atualmente pela Exxon Mobil, de origem norte-americana; Shell, de capital anglo-batavo; Total, de nacionalidade francesa; e British Petroleum, naturalmente de ascendência britânica - da Companhia de Petróleo do Iraque retornam ao país de maneira especial, ao desfrutarem do apoio político da coligação britânico-estadunidense.

 

Integra o destacado quinteto energético a também norte-americana Chevron – faltou das seis maiores empresas do ramo a ConocoPhilips. Mesmo com contratos de concessão de curta duração, inferiores em geral a cinco anos, elas não participaram de licitações, o que certamente agastará a Rússia e principalmente a China, mais sôfrega de fontes energéticas não renováveis.

 

Do ponto de vista político, até o momento, os antigos membros do Partido Baath, muitos também de vertente religiosa sunita, têm o seu (re)ingresso no serviço público dificultado. Ademais, não se desarmam, de forma eficiente, as milícias e não estão ainda confirmadas as datas das eleições estaduais, ainda que previstas para o final do presente ano.

 

Em que pese a estabilidade progressiva, ocasionada pelo escalamento, resta um tópico inquietante: a insurgência desaparecerá apenas quando as tropas estrangeiras desocuparem o solo iraquiano. Boa parte delas formou-se nos bairros residenciais para se defender das rivalidades étnicas afloradas após a desestruturação com a atual guerra.

 

Assim, moradores das vizinhanças manifestam simpatia com as milícias, até pela proximidade de amizade ou mesmo de parentesco. Com a desorganização administrativa do país, várias delas adquirem aos poucos status militar, com seus membros sendo definidos por patentes, similares às de quaisquer forças armadas ou policiais.

 

À medida que elas se estruturam melhor ou crescem, há maior necessidade de recrutamento, em face das baixas nos constantes combates com os adversários estrangeiros. Efetiva-se, na prática, a conscrição, em vista da necessidade da defesa da família, de parentes, de amigos, enfim, do território.

 

Contudo, cinco anos e meio de guerra modificaram o perfil das guerrilhas: em vez de combates abertos, o que explica parcialmente o êxito do escalamento, ações precisas contra alvos militares estrangeiros e contra civis nacionais, pertencentes, de preferência, ao alto escalão do governo nacional. Portanto, os civis não seriam mais atingidos indiscriminadamente como outrora, de modo que se granjearia gradativamente o apoio da população.

 

Virgílio Arraes é professor de Relações Internacionais da UNB.

 

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