Correio da Cidadania

Brasil-Estados Unidos: a decepção no G-20

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Símbolos de poder fascinam dirigentes, até os de regimes democráticos. A exclusividade ou a restrição de acesso a determinadas esferas caracteriza a uns a imponência necessária do exercício de altas funções, conquanto tal posicionamento represente visão imprópria da política contemporânea, por ser resquício do Antigo Regime, de onde se cria emanar de divindade a graça de governar.

Na cúpula do G-20 em novembro de 2011, a presidente Dilma Rousseff hospedou-se em tradicional hotel - o Carlton, projetado por Charles Dalmas - local onde ocorreu a primeira conferência da Liga das Nações - janeiro de 1922 - e se realizaram as filmagens do clássico Ladrão de Casaca de Alfred Hitchcock (1954) - http://www.carlton-cannes.com/en/our-history/.

No luxuoso estabelecimento, Barack Obama preferiu ocupar a suíte 523, a mesma do representante norte-americano noventa anos antes no histórico encontro de cúpula, o polêmico jornalista e editor George Harvey, embaixador junto à Grã-Bretanha.

Por ser coronel honorário da Guarda Nacional de Nova Jersey, o conservador diplomata teria a oportunidade de assessorar o governador Woodrow Wilson, com quem depois se desentenderia após a eleição presidencial de 1912.

A despeito da nonagenária efeméride da pioneira organização global, a destacada Cannes deveria ter sido evitada como sede da reunião das maiores economias mundiais, haja vista a inadequação do perfil da cidade – turismo de alta renda – para refletir debate sobre a persistência da crise planetária.

Destarte, município mais sóbrio, ainda que em território francês, poderia ter acolhido a cimeira. Por extensão, os governantes - malgrado a riqueza de suas sociedades, mas em consideração, por outro lado, a suas origens partidárias - poderiam ter se hospedado em alojamentos menos suntuosos, em observância à turbulenta fase.   

Naquela cúpula, a Grécia, ao acatar as severas recomendações do Fundo Monetário Internacional (FMI) para recuperar-se, não logrou êxito. Assim, sua situação preocupava a União Europeia (UE) diante do seguinte impasse: reconhecer o equívoco, porque aplicada a mesma prescrição para os demais membros, a possibilidade de obter-se resultado similar seria grande. Brasil e México acompanhavam a desordenada circulação das economias mais desenvolvidas em busca de alívio.

Todavia, diante disso, como proceder de outro modo sem desagradar de forma profunda o mercado. Eis o desafio da Alemanha, França, Itália e Espanha, as duas sob ameaça de perturbação na ocasião – manter a credibilidade perante a entidade metafísica mais poderosa da contemporaneidade. De início, todos reconheciam a necessidade de aumentar o valor do fundo europeu de estabilidade financeira, ao dobrá-lo.

De toda maneira, o encontro não chegaria a resultado agradável. Aos países deficitários do ponto de vista comercial, a recomendação foi a de poupar despesas governamentais; aos superavitários, a de estimular o consumo interno. O objetivo havia sido o de preservar a cotação do euro.

A participação ocasional do Brasil no movimento coletivo de salvação – temporária - da Grécia e, por conseguinte, de eventuais integrantes da União Europeia como Itália ou Espanha seria através dos BRICS.

Seus cinco representantes poderiam aumentar o valor das reservas do FMI, com o propósito de conceder empréstimos maiores no curto prazo. Sem essa medida, o recurso dos gregos, por exemplo, seria o de mais austeridade em troca da diminuição das dívidas. A presença brasileira foi coadjuvante, malgrado a retórica incisiva de cobrança, como a norte-americana, de ajustes aos europeus.  

No fim, a hesitação, de maneira que os problemas financeiros, apesar da iminência, seriam tratados em nova reunião, já não de mandatários, mas de ministros da fazenda e quejandos. Em continuidade da agonia, as descrentes populações da faixa europeia, outrora convictas do sonho neoliberal de prosperidade inexorável. 

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Virgílio Arraes

Doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.

Virgílio Arraes
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