Correio da Cidadania

200 anos da Revolução Pernambucana – a República do Crato

0
0
0
s2sdefault

Nos dias de hoje, a insatisfação com o modelo republicano pátrio é inegável. Irmanados, ou antes entrelaçados, de maneira bizarra nos maus costumes, haja vista as recentes investigações federais, as principais agremiações partidárias desapontam em prover os elementos mínimos da cidadania contemporânea. Flutuam elas nas ondas das apurações no aguardo de qual chegará primeiro a julgamento.  

Diante da presente crise, não há felizmente nostalgia alargada do passado monárquico oitocentista ou do ditatorial novecentista, quer militar, quer civil, a despeito de aqui ou acolá despontar um ou outro entusiasta, em geral ou falto de conhecimento histórico, ou inebriado por romantismo ou, por último, encantado com a idealização da tecnocracia.

Não voltar-se o povo para o encanto de percorrer caminhos autoritários é louvável, embora o democrático do momento não proporcione entusiasmo à população, descontente com a postura cotidiana de muitos de seus representantes na defesa dos direitos básicos como os trabalhistas ou previdenciários, vilipendiados ambos há vários governos.   

Não há na federação brasileira estado a apontar rumo distinto da forma administrativa atual, ainda que entre os três poderes um, o judiciário, abarque a contrariedade de boa parte da sociedade em função da precoce degradação da democracia nacional.

Esta é fruto do inesperado alinhamento das siglas constituídas no pós-ditadura ao entendimento de alinhar-se sem resistência no plano nacional ao compasso global – no caso contemporâneo, é a opção ao neoliberalismo, até envergonhada em alguns momentos, em decorrência do hiato entre a estrutura econômica norte-atlântica em que o ideário tomou incremento e a em que ele tem sido implementada.
 
Defenestraram-se governos no Brasil desde os anos 90 não por discordância do norte ou até do ritmo de execução do ideário cosmopolita, porém, por não conseguir aplicar a contento e de maneira estável as diretrizes gerais em solo tropical do neoliberalismo anglo-americano.  

Há dois séculos, a expectativa em parte do Nordeste era a de aplicar doutrina originada na mesma faixa geográfica acima mencionada, entretanto, com a esperança de modificar a situação social, apesar de modo gradativo, ao opor-se ao enorme atraso político personificado pela dinastia dos Braganças, encarnada no absolutismo e no mercantilismo.

Sem sombra de dúvida, esses eram desfavoráveis ao desenvolvimento da sociedade sul-atlântica, cujos olhos ora se voltavam preocupados, ora admirados para as transformações significativas, mesmo para as do entorno, como na América Hispânica.

Ecos da movimentação pernambucana chegariam ao Ceará, no Cariri, por conta do padre José Martiniano de Alencar - oriundo do seminário de Olinda - considerado na devassa da administração bragantina a primeira liderança da ‘revolta’ local.

Na ocasião, como forma de desqualificá-lo e, por conseguinte, de desgastá-lo politicamente, apontou-o o governo absolutista como filho do padre Miguel Carlos da Silva Saldanha, outro integrante do movimento, e de Bárbara Pereira de Alencar, viúva, também colaboradora influente da passageira revolução.    

Em decorrência da repressão aguda, a chamada República do Crato mal superou uma semana, mas foi o suficiente para firmar a base na serra do Araripe, divisa de Pernambuco e do Ceará, do posicionamento em prol não só da independência, mas do federalismo.  

Embora distante da capital imperial, a região, por meio de seus líderes, se integraria a ondas progressistas ou antimonárquicas do país, como a da Confederação do Equador (1824) ou a das revoltas da década de 40, por exemplo.

Leia também:

200 anos da Revolução Pernambucana

Virgílio Arraes

Doutor em História das Relações Internacionais pela Universidade de Brasília e professor colaborador do Instituto de Relações Internacionais da mesma instituição.

Virgílio Arraes
0
0
0
s2sdefault