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Paulo Passarinho
22/12/2010

 

Levando-se em conta o cenário econômico nacional, um exame superficial de nossa realidade poderia fazer com que tivéssemos uma avaliação positiva do que vem ocorrendo com a economia brasileira.

 

Afinal, em um mundo marcado por fortes instabilidades, onde a maior parte dos países – tendo à frente os mais desenvolvidos – se debate com significativas quedas ou estagnações nas suas respectivas economias, recuos no nível de renda de suas populações e taxas de desemprego preocupantes, por aqui os indicadores apontam que nosso PIB acumulará um crescimento em torno de 7%, com expansão do emprego e elevação do nível de rendimento médio dos trabalhadores.

 

A recuperação em relação ao ano de 2009 – quando tivemos um pequeno recuo do PIB – teria se dado de forma muito rápida. Mais do que isso, foi reforçada a idéia de um vitorioso desenvolvimentismo no interior da equipe do governo Lula, em contraposição às posições monetaristas, presentes especialmente no comando do Banco Central.

 

A ativação de linhas de crédito por parte dos bancos oficiais; a criação de novas alíquotas na tabela do imposto de renda, atenuando o ônus fiscal de algumas faixas de renda; a redução de impostos para linhas específicas de produtos – de automóveis a materiais de construção, passando por toda a chamada linha branca; além da manutenção dos programas de transferência de renda aos mais pobres e da política de valorização do salário mínimo, fizeram com que muitos acreditassem que um novo modelo econômico estivesse em gestação.

 

Não compartilhamos desse tipo de análise. Muito ao contrário, o que temos assistido é a uma fase de expansão da economia brasileira, a partir da afirmação dos princípios e postulados de um modelo – em curso desde os anos noventa – de subordinação ao sistema financeiro e aos interesses de transnacionais. Qualquer dúvida nesse sentido pode ser esclarecida a partir dos compromissos já declarados por Guido Mantega – um dos supostos desenvolvimentistas –, em ser rigoroso no corte de gastos que for necessário, para esse ano de 2011, além da manutenção férrea do tripé metas de inflação, superávit fiscal e câmbio flutuante.

 

Compreender o que ocorre com a economia brasileira nesse momento nos obriga a um breve recuo no tempo.

 

A partir do ano de 2001, voltamos a ter saldos positivos em nossa balança comercial, ainda que de uma forma bastante tímida (US$ 2,65 bilhões, naquele ano). Já em 2002, e influenciado pela forte desvalorização do Real na conjuntura eleitoral, o saldo positivo da balança de comércio multiplica-se por quase cinco vezes, saltando para US$ 13,1 bilhões. O dinamismo da economia chinesa, assim como o de outras economias asiáticas, "puxa" esse saldo comercial do Brasil de forma espetacular, fazendo com que, em 2006, chegássemos a um saldo recorde de US$ 46,5 bilhões.

 

Esse processo virtuoso do nosso saldo comercial foi importante para o entendimento do que ocorreu ao longo dos anos do governo Lula, inclusive sob o ponto de vista interno. A expressividade desses saldos comerciais nos permitiu, entre os anos de 2003 e 2007, que tivéssemos saldos nas nossas transações correntes. A pesada e crescente conta de serviços (juros, remessas de lucros e dividendos, viagens, fretes) pôde ser financiada com esses resultados positivos da balança de comércio, algo inédito na marcha pós-real da economia brasileira. Esse fato reduziu bastante o custo de captação de recursos externos, por parte de empresas brasileiras ou de filiais estrangeiras, com atuação no mercado brasileiro. Permitiu, dessa forma, uma expressiva expansão dos mecanismos de crédito à produção e ao consumo, conforme observado nos últimos anos.

 

Portanto, ao lado do dinamismo de nossas exportações, o vetor do crédito em expansão ajudou também a um maior dinamismo interno da economia, elevando o produto e a arrecadação do governo. Permitiu, assim, também a expansão dos programas focalizados de transferência de renda aos mais pobres, e a ampliação de uma importante política de valorização do salário mínimo, com fortes impactos multiplicadores sobre o conjunto da economia.

 

Porém, nada se mantém estático

 

A abertura financeira que caracteriza o modelo atual, a manutenção da política de juros reais elevados, em combinação com incentivos fiscais à aplicação de fundos estrangeiros em títulos públicos, atrai recursos externos de uma forma significativa e viabiliza a formação de reservas internacionais a um custo elevadíssimo. A própria evolução espantosa da dívida pública em títulos (atualmente, em mais de R$ 2,2 trilhões) é um exemplo cruel do que ocorre.

 

Mas, acima de tudo, esse caminho provoca um processo perverso de valorização do Real. Esse processo de valorização da moeda nacional em relação ao dólar incentiva o aumento das importações, e a própria substituição de produção doméstica por produtos e componentes adquiridos no exterior. Com isso, os saldos positivos da balança comercial passam a se reduzir a partir de 2007. E, já em 2008, a balança comercial positiva não cobre as despesas da conta de serviços.

 

Voltamos, desse modo, a partir daquele ano, a ter de administrar o retorno dos déficits em transações correntes. A estimativa desse rombo externo, para esse ano de 2010, é superior a US$ 50 bilhões.

 

Há dois fatores, portanto, que explicam os resultados positivos do modelo da abertura financeira: o dinamismo das exportações para a China e demais economias asiáticas e os programas de elevação de renda para as camadas mais pobres da população.

 

E quais são as contra-indicações desse modelo?

 

Primeiramente, a subalternidade da nossa economia à dinâmica de outros países. Uma reversão do dinamismo chinês e asiático poderá nos jogar em uma perigosa situação. Além disso, é importante frisar, nosso dinamismo exportador está cada vez mais assentado na venda de commodities e produtos semi-elaborados, de baixo valor agregado. A tendência histórica declinante dos preços de produtos dessa natureza não nos permite muito otimismo, caso a gente olhe para o longo prazo.

 

Ao mesmo tempo, experimentamos a importação – cada vez mais significativa – de produtos industrializados, finais ou componentes da produção industrial. Os coeficientes de importação nas cadeias produtivas industriais vêm se elevando de forma significativa e, para muitos analistas, temos hoje no Brasil um franco processo de desindustrialização.

 

Estamos, assim, combinando reprimarização das exportações com substituição de produção interna por importados ou a mera aquisição de novos produtos estrangeiros.

 

Levando-se em conta que desenvolvimentismo sempre se associou com industrialização, vemos que o que ocorre hoje em nosso ambiente econômico é muito distante do que supõe a vã credulidade ou a propaganda vulgar.

 

E, por fim, o próprio combate à pobreza - a partir de programas focalizados junto aos mais pobres e miseráveis, de acordo com o receituário liberal – poderá perder o seu dinamismo, a partir das dificuldades que se encontram em nosso caminho.

 

E, sempre é bom lembrar, o compromisso com a universalização de serviços públicos de alta qualidade fica inteiramente comprometido ou, melhor, esquecido. Ou alguém ousaria afirmar alguma melhoria, nesses anos de "sucesso" do modelo, nos serviços voltados para a nossa sofrida população?

 

A profissão de fé da equipe econômica de Dilma, em torno dos seus compromissos com um duro ajuste fiscal, deve apenas nos colocar bastante atentos e fortes. Afinal, "não temos tempo de temer a morte".

 

Paulo Passarinho é economista e membro do Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro.

 

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