Correio da Cidadania

Os anos Lula

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Foi lançado no dia 22 de setembro, no Rio de Janeiro, na Livraria Argumento, o livro Os Anos Lula – Contribuições para um balanço crítico 2003/2010. O livro é uma iniciativa do Conselho Regional dos Economistas, do Sindicato dos Economistas do Rio de Janeiro e do Centro de Estudos para o Desenvolvimento, com edição pela Editora Garamond.

 

As entidades dos economistas do Rio de Janeiro têm uma longa tradição em acompanhar, debater e apresentar posições críticas com relação aos temas pertinentes à problemática do modelo de desenvolvimento brasileiro.

 

Desde o final dos anos setenta até os dias de hoje, essas entidades sempre se pautaram pela luta por um novo modelo econômico para o Brasil, coerente com as posições voltadas para uma real democratização do país, a defesa da soberania nacional e de uma concepção de desenvolvimento econômico e social capaz de reduzir as imensas desigualdades que nos marcam.

 

Na apresentação do livro, é lembrado que essa iniciativa editorial se vincula também à própria natureza do movimento político que fez com que Lula, o Partido dos Trabalhadores e os seus aliados chegassem ao governo federal, através da eleição presidencial de 2002.

 

Conforme é de amplo conhecimento, as correntes políticas majoritárias que venceram a eleição presidencial daquele ano sempre sustentaram uma forte crítica às reformas implantadas no país, a partir dos governos Collor de Melo, Itamar Franco e FHC.

 

Essas reformas procuraram conferir ao país um novo quadro jurídico-institucional, particularmente como suporte para um novo modelo econômico, baseado nas aberturas financeira, comercial, produtiva e tecnológica.

 

Esse conjunto de reformas – verdadeiras contra-reformas, pelos seus aspectos anti-nacionais e anti-populares – tiveram o papel de introduzir em nosso país, de forma tardia, o receituário propugnado pelo chamado Consenso de Washington, anteriormente já aplicado em vários países da América Latina.

 

Paulatina e contínua remoção dos mecanismos de controle sobre os fluxos externos de capital; abertura comercial; privatizações de empresas estatais, especialmente de serviços públicos essenciais, como a distribuição de energia elétrica e de gás e o setor de telecomunicações; fim, na prática, do monopólio estatal do petróleo; ou as mudanças na legislação trabalhista, com o objetivo de facilitar a flexibilização e terceirização das relações de trabalho, foram algumas medidas que ficaram como marcos, a rigor, de uma nova fase que se abriu no Brasil, a partir dos anos 90.

 

Essa fase pode ser caracterizada como a resposta encontrada pelo novo pacto político hegemônico forjado no país, buscando superar os impasses em que a economia e a própria sociedade brasileira se debatiam, desde o início da década de 1980, com a crise da dívida externa e o esgotamento da chamada fase de substituição de importações.

 

Contudo, assim como as correntes políticas lideradas por Lula, as sucessivas e diferentes direções das entidades representativas dos economistas no Rio de Janeiro sempre se colocaram como frentes de resistência e críticas ao ajuste promovido por esse pacto político, dominante a partir dos anos 1990.

 

Dessa forma, e independentemente das vinculações partidárias dos membros dessas entidades, a vitória eleitoral de Lula em 2002 e a chegada do PT e de seus aliados históricos ao governo federal, a partir de 2003, abriram, naturalmente, uma enorme expectativa em relação às possibilidades que então se descortinavam.

 

Em que medida essas expectativas foram respondidas?

 

Através de artigos encomendados a diversos autores de reconhecida competência técnica, notória especialidade, independência crítica e inserção social e política nas áreas analisadas, o livro procura avaliar alguns aspectos e políticas desenvolvidas nos dois mandatos de Lula.

 

Os temas mais contemplados nesse conjunto de trabalhos abordam a problemática macroeconômica, como uma decorrência da própria centralidade dessa questão, condicionante em larga medida do conjunto das políticas públicas. Textos de João Paulo de Almeida Magalhães – Estratégias e Modelo de Crescimento; Luis Filgueiras, Bruno Pinheiro, Celeste Philigret e Paulo Balanco – Modelo Liberal-Periférico e Bloco de Poder: Política e Dinâmica Macroeconômica nos Governos Lula; Miguel Bruno – Endividamento do Estado e Setor Financeiro no Brasil: Interdependências macroeconômicas e limites estruturais ao desenvolvimento; Marcelo Carcanholo - Inserção Externa e Vulnerabilidade da Economia Brasileira no Governo Lula; Adhemar Mineiro – Desenvolvimento e Inserção Externa – Algumas Considerações sobre o período 2003 – 2009 no Brasil; e de Reinaldo Gonçalves – Desempenho Macroeconômico em perspectiva histórica: Governo Lula (2003-2010), procuram interpretar e traduzir as principais características e especificidades da dinâmica macroeconômica desses anos dos governos Lula.

 

A estratégia industrial, o problema da infra-estrutura ao desenvolvimento e a avaliação do mais importante instrumento de financiamento à atividade produtiva no país, que é o BNDES, são contemplados, respectivamente, pelas contribuições de Wilson Cano e Ana Lucia Gonçalves da Silva – Política Industrial do Governo Lula; Carlos Lessa, Gustavo Santos e Raphael Padula – Considerações sobre Energia e Logística no Brasil; Fernando Mac Dowell – Política de Transportes; e de Carlos Tautz, Felipe Siston, João Roberto Lopes Pinto e Luciana Badin – O BNDES e a Reorganização do Capitalismo Brasileiro: Um Debate Necessário.

 

A realidade agrária é apreciada por Ariovaldo Umbelino – A Questão Agrária no Brasil - e algumas das questões relacionadas à complexa problemática social do país são abordadas nos trabalhos de Flávio Tonelli Vaz e Antônio Augusto Queiroz – Trabalho e Sindicalismo no Governo Lula; Ligia Bahia – A Saúde em Banho Maria; Roberto Leher – Educação no Governo Lula: A Ruptura Que Não Aconteceu; e de Guilherme Delgado – Desigualdade Social no Brasil.

 

Esse projeto editorial expressa também a posição das entidades dos economistas do Rio de Janeiro em não compactuar e não concordar com qualquer tipo de silêncio, ou perplexidade, frente aos aparentes paradoxos que o mundo da política nos reserva. Ao contrário, essas entidades assumem as suas posições com transparência. Declaram querer explicitamente resistir às tentações de compatibilizar o necessário e permanente exercício da crítica às conveniências e interesses políticos de ocasião. E afastam a possibilidade de condicionar a crítica a uma estreita – e, em geral, oportunista – concepção de pragmatismo.

 

O correto entendimento do período analisado pelo livro, que se confunde com a chegada ao governo federal de um conjunto de partidos de esquerda, poderá ser útil para repensar os inúmeros desafios que continuam a se colocar em nosso horizonte, sem que haja, infelizmente, um mínimo de garantia de uma mudança estrutural dos rumos que o país assumiu desde o início dos anos de 1990.

 

Desde então, no plano objetivo do desenvolvimento econômico e social, aprofundamos a inserção subalterna da economia brasileira a um mundo sob hegemonia da globalização financeira e fortemente marcado por pressões das potências econômicas, soberanas nas definições de suas prioridades.

 

Na apresentação do livro é recordado que, mesmo nos momentos de maior força do neoliberalismo, particularmente aqui na América Latina, em meados dos anos 1990, o Brasil e o PT eram vistos pelo mundo afora – especialmente pela esquerda mundial - como uma espécie de retaguarda de resistência e esperança de uma virada política que viria a acontecer, a partir dos fracassos econômicos e sociais que o projeto liberal acumulava.

 

Afinal, que outro país dispunha de um partido de esquerda enraizado, como o Partido dos Trabalhadores? Qual outro país possuía a força de um movimento de massas organizado como o MST, ou o apoio importante de segmentos médios, críticos das conseqüências do ajuste liberal realizado, como servidores públicos, estudantes, advogados progressistas ou expressivos setores ligados às igrejas? Que outro país podia contar com uma central sindical, como a CUT, com sua força e representatividade? Particularmente, que outro país tinha o privilégio de ter construído uma liderança popular como o ex-retirante, ex-metalúrgico e líder político Luiz Inácio Lula da Silva, com todo o seu carisma e a sua simbologia?

 

Desse modo, a eleição presidencial de 2002, ao se aproximar - em meio a mais uma forte crise de governabilidade, provocada pelo fracasso do modelo dos bancos e transnacionais -, apontava claramente para a objetiva possibilidade de o Brasil se reencontrar com o seu próprio futuro, como uma nação capaz de se reconstruir, com soberania e justiça. Seria a oportunidade de se deixar para trás os programas de ajuste e as políticas macroeconômicas, sob inspiração do FMI; de se reverem as criminosas privatizações, levadas a cabo ao longo dos anos 1990; de se repensar o tipo de inserção externa que o país havia experimentado, aprofundando uma medíocre subalternidade às economias mais desenvolvidas.

 

Passados quase oito anos das eleições de 2002, e tendo o governo Lula sido reeleito na eleição presidencial de 2006, o livro oferece, portanto, a oportunidade de um balanço deste período.

 

As próximas décadas – em um mundo dominado pela globalização financeira, marcado por uma crise econômica de dimensões inéditas nos centros mais desenvolvidos do capitalismo e convivendo com o início do declínio do poder imperial, e até hoje inconteste, dos Estados Unidos – nos colocam graves interrogações.

 

Em que medida estamos nos preparando para o futuro, de tensão e riscos, que sempre caracterizam esses momentos históricos de transição da hegemonia do poder global, ou ao menos do padrão de dominação que se construiu a partir do final da 2ª Grande Guerra e, especialmente, após o fim da União Soviética?

 

Somos um país extremamente rico em diversos recursos minerais estratégicos, incluindo agora o disputadíssimo petróleo, em decorrência da descoberta dos campos do pré-sal; possuímos a Amazônia brasileira, a maior área dessa cobiçada e rica região sul-americana, santuário do maior patrimônio de biodiversidade da Terra; temos, em abundância, água e terras férteis, em meio a um mundo carente de alimentos e do líquido vital aos seres humanos. Além disso, temos um território continental e uma população que se aproxima dos 200 milhões de pessoas. Somos, enfim, um país com plena potencialidade de construir uma sociedade harmônica, com todas as condições de assegurar bem estar material e acesso à educação, saúde e serviços básicos de ótima qualidade ao conjunto da nossa população.

 

Contudo, por força do modelo em curso, nos encontramos em acelerado processo de desnacionalização do nosso parque produtivo, em franca trajetória de reprimarização de nossa pauta de exportações, aprofundando o processo de liberalização financeira e sem nenhuma autonomia na estratégica área de geração de conhecimentos científicos e tecnológicos, que possam atenuar nossa dependência externa. Que país, portanto, estamos construindo?

 

Essa é a principal pergunta que o livro procura estimular que seja respondida.

 

Lula encerra os seus dois períodos presidenciais com grande popularidade, relativo crescimento econômico e geração de empregos de baixa remuneração e precária qualificação – mas, significativos em relação aos seus mais recentes antecessores. Conta com acentuada projeção internacional junto aos círculos do poder dominante do mundo mais desenvolvido, junto às vozes do mercado, mas também com prestígio em relação aos dirigentes dos países em desenvolvimento, incluindo os países da América do Sul que neste momento empreendem revoluções democráticas e nacionalistas.

 

Porém, muito além de conclusões que se limitem a observar ou constatar os efeitos imediatos e aparentes do governo, torna-se necessário estabelecer a exata medida das ações realizadas, dentro de uma visão de longo prazo e do futuro que estamos projetando para o Brasil.

 

Junto com a aparência de avanços das políticas governamentais – em particular, na área macroeconômica, e com o apoio explícito da mídia dominante –, observamos um forte e contínuo endividamento do Estado, o comprometimento de nossas finanças com uma gigantesca carga de pagamentos de juros, e o sacrifício permanente de áreas vitais ao dia-a-dia da população, como são os casos notórios da saúde, da educação, dos transportes de massa ou da segurança pública.

 

Ao mesmo tempo, temos também um perigoso processo de descrédito da população em relação aos poderes formalmente constituídos. Banalizou-se a realidade que impõe o péssimo padrão de atendimento de serviços essenciais à população, e generalizou-se a crença na inoperância dos políticos, dos legisladores e do próprio poder judiciário.

 

A política com P maiúsculo – aquela que discute e procura definir as grandes linhas mestras que constroem uma nação - se apequenou, e apenas as iniciativas relacionadas ao próprio mercado parecem ser as válidas e dotadas de credibilidade.

 

E aqui, volta a pergunta: que país, enfim, estamos construindo?

 

Paulo Passarinho é economista e membro do Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro.

 

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Comentários   

0 #2 Alexandre Schwarz 07-10-2010 14:30
Parisotto, uma revolução só pode ser democrática, pois levada pelo povo. senão, não é revolução, é golpe. Ou você chama "revolução" o que aconteceu em 1964?
Não confunda, ainda, "democracia" com "regime democrático-liberal". A instauração do Estado moderno e as conquistas da revolução francesa não encerram a democracia em absoluto.
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0 #1 João Baptista Parisotto 01-10-2010 13:15
O termo "revolução democrática" me parece um paradoxo ,pois a palavra revolução já pressupõe uma guinada brusca que conforme comprovam as expêriências históricas internacionais,nunca conduziram a um regime democrático.Acredito em evolução dentro de um regime democrático e respeitando sempre as instituições.
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