Correio da Cidadania

A Vale do Rio Doce, a CUT e o governo Lula

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A CUT promoveu em 11 de fevereiro último, em várias capitais, um Dia Nacional de Lutas, em defesa do emprego e dos salários. No Rio de Janeiro, em ato que contou com o apoio da Conlutas, e a presença do próprio presidente da Central, Artur Henrique, a manifestação ocorreu em frente à sede da Vale do Rio Doce.

 

Nada mais justo e simbólico para a escolha do local da manifestação. Afinal, a Vale do Rio Doce, a segunda maior mineradora do mundo, está no centro de uma disputa judicial que já se arrasta há mais de onze anos na justiça – por força das gritantes irregularidades observadas por ocasião da transferência do seu controle acionário, em 1997. Além disso, em meio à atual crise econômica, pontificou a sua ação com cerca de 12.000 demissões de trabalhadores diretos e terceirizados, de acordo com denúncias da própria CUT. Roger Agnelli, seu atual presidente – e executivo com acesso direto a Lula – defende abertamente a flexibilização da legislação trabalhista, como forma de facilitar a demissão de trabalhadores.

 

Sem desmerecer a importância das manifestações e protestos que devem tomar as ruas e contribuir para o esclarecimento e mobilização dos trabalhadores na luta contra a crise e o desemprego, todo o processo que se desenvolve no interior do comando da empresa Vale do Rio Doce deveria merecer uma maior atenção da CUT e de seus principais dirigentes.

 

Talvez, a solução ou a pressão para uma mudança substantiva na empresa esteja muito mais próxima da Central sindical do que os menos informados possam imaginar.

 

A Vale do Rio Doce é uma empresa de capital aberto, com a maior parte de suas ações negociadas em bolsas de valores, mesmo antes de sua polêmica e, para muitos, criminosa transferência para as mãos privadas, em meio às privatizações realizadas no governo de FHC.

 

Em 1997, ano da chamada "privatização" da Vale, o que teria ocorrido foi a transferência do bloco controlador da empresa – até então sob controle da União – para um consórcio privado. O bloco controlador da empresa é aquele que detém a maior parte das ações ordinárias da companhia, justamente as ações que dão direito a voto nas assembléias de acionistas e que, portanto, asseguram o controle político da empresa, através da nomeação do seu Conselho de Administração e de sua direção executiva.

 

O bloco controlador – detentor da maior parte das ações ordinárias da empresa – não necessariamente detém a maior parte das ações da sociedade anônima. Tudo depende da forma como a empresa se estrutura acionariamente.

 

No caso da Vale, atualmente a Valepar – que é a controladora da empresa – detém 32,9% do capital total da empresa. Os outros 67,1% estão distribuídos entre investidores brasileiros (25%), investidores estrangeiros (36,7%) e o próprio governo federal (5,4%).

 

Em termos de ações ordinárias, a Valepar detém 53,6% desse capital, enquanto investidores brasileiros (13,7%), estrangeiros (25,9%) e o governo federal (6,8%) ficam com os restantes 46,4%.

 

Mas, quem é, afinal, a Valepar?

 

Trata-se de um consórcio, atualmente – depois de muitas mudanças e escaramuças judiciais – composto por uma figura jurídica que tem o nome de Litel, uma outra de nome Elétron, além da Bradesco Participações, da empresa japonesa Mitsui e do BNDESPar.

 

A Litel é a mais importante integrante da Valepar, com 49% das ações do consórcio, e simplesmente é formada pelos fundos de pensão Previ, do Banco do Brasil; Petros, da Petrobrás; Funcef, da Caixa Econômica Federal; além da Fundação Cesp. E a Previ é o grande comando da Litel, pois possui 78,4% de suas ações ordinárias.

 

A Elétron – que é na verdade o grupo Opportunity – possui apenas 0,03% da Valepar.

 

A Bradespar, com 21,21%; a Mitsui, com 18,24%; e o BNDESPar, com 11,52%, complementam os 100% da Valepar.

 

Fica esclarecido, assim, que sob o ponto de vista acionário a Valepar – controladora da Vale – pode ser controlada pela Litel e pelo BNDESPar, pois juntos detêm 60,52% de suas ações ordinárias. E o controle político da Litel e do BNDESPar é de responsabilidade direta do governo federal, gestor do BNDES, e com total ascendência sobre o comando dos fundos de pensão, ainda mais em pleno governo do PT, hegemônico na representação sindical dos trabalhadores do Banco do Brasil, da Petrobrás e da Caixa Econômica Federal, e nos seus respectivos fundos de pensão.

 

A Vale do Rio Doce, portanto, é simbólica em todos os sentidos. Não somente das absolutas irregularidades do processo de privatizações, mas das nebulosas relações entre o governo Lula e o Bradesco, um dos principais financiadores da campanha eleitoral do atual presidente da República.

 

Afinal, por que a Litel – entenda-se, a Previ – e o BNDESPar não exercem os seus direitos e passam a comandar a Vale? Por que delegar o poder a um executivo do Bradesco?

 

Afirma-se a existência de um acordo entre os integrantes da Valepar. Quais os termos desse acordo? Quais as vantagens que a Litel e o BNDESPar podem gozar com uma renúncia de poder dessa natureza?

 

E as próprias relações do Bradesco com o BNDES? No primeiro semestre do ano passado, o BNDES aprovou uma linha de crédito de US$ 7,3 bilhões para a Vale, e logo após essa operação o então chefe de gabinete do presidente do banco transferiu-se para a alta direção da mineradora, passando a ocupar importante função no Comitê Estratégico da empresa. Simples coincidência?

 

Além de todas essas obscuras indagações, é o Bradesco peça-chave para o entendimento de uma das gritantes irregularidades da "privatização" da Vale do Rio Doce. Tendo participado do processo de avaliação e modelagem da venda da empresa, jamais poderia ter se beneficiado do fato de ter interesses associados à CSN, que vieram a lhe permitir se transformar em um dos controladores da mineradora.

 

Aliás, por que o governo Lula não orienta a Advocacia Geral da União a mudar a sua atuação nos diversos processos que defendem a nulidade do ato de venda da Vale, e passar a defender os interesses nacionais que exigem que a justiça se imponha, conforme o PT e seus dirigentes defendiam à época em que eram oposição?

 

Para a resposta a essas várias questões, para a consequente defesa do emprego de milhares de trabalhadores, e para a própria imagem de credibilidade da CUT, além das manifestações na porta da Vale, talvez seja essencial a pressão à frente da sede da Previ, do BNDES e principalmente do próprio Palácio do Planalto.

 

Paulo Passarinho, economista, é presidente do Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro.

 

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