Novo sinal vermelho nas contas externas

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Paulo Passarinho
05/05/2008

 

O Banco Central divulgou na última segunda-feira, 28/04, os resultados das contas externas brasileiras do mês de março. Com isso, tivemos o resultado consolidado desses indicadores para o primeiro trimestre do ano. Os números são mais que preocupantes.

 

As autoridades econômicas do governo já esperavam uma piora nas contas externas ao longo de 2008. Contudo, a dinâmica da deterioração dos saldos comerciais do país os tem surpreendido, a partir inclusive das projeções que são feitas e que a realidade insiste em contrariar.

 

A piora nas contas externas já era esperada, por uma combinação de fatores. A aceleração das importações, de uma forma mais acentuada do que as receitas das exportações, é um desses fatores e muitos o atribuem à dinâmica do crescimento econômico em curso. Para esses analistas, a compra no exterior de máquinas e equipamentos, principalmente, indicaria que a economia estaria passando por uma fase de modernização, de ganhos de produtividade que acabariam fazendo com que o aumento da competitividade de diversos setores da economia logo viesse a apresentar melhores resultados, especialmente em termos de receitas de exportações, e, com isso, voltaríamos a ter uma ampliação do saldo de comércio do país.

 

Porém, a realidade é outra.

 

A ampliação desses saldos talvez tenha sido o maior trunfo do atual governo. No segundo mandato de FHC, entre 1999 e 2002, por exemplo, o Brasil acumulou um saldo comercial de apenas 13,9 bilhões de dólares. Já entre os anos de 2003 e 2007, esse saldo deu um salto, acumulando um resultado de US$ 189,3 bilhões. Esses saldos são importantes para a cobertura das despesas de serviços, que são estruturalmente um problema para o Brasil. Essas despesas se referem ao pagamento de juros aos banqueiros internacionais; de lucros e dividendos aos estrangeiros, com negócios no país; de despesas com fretes, que temos de contratar junto a empresas de outros países, para o transporte de mercadorias, na medida em que nossa marinha mercante foi praticamente extinta.

 

Voltando aos períodos mencionados, do segundo mandato de FHC e de 2003 para cá, temos com clareza a dimensão dessas despesas. De 99 a 2002, gastamos mais de US$ 101 bilhões com esses serviços; e de 2003 a 2007, foram mais de US$ 160 bilhões!

 

Daí a importância dos saldos comerciais, para a manutenção de um modelo econômico perverso, antinacional e antipopular. Entretanto, desde 2006, quando alcançamos um saldo recorde de 46,5 bilhões de dólares, esse resultado vem se apresentando em queda. No ano passado, houve um recuo no resultado acumulado da balança comercial, com um saldo de US$ 40 bilhões. E, para esse ano, a partir de uma estimativa inicial de um resultado positivo de US$ 30 bilhões, já há projeções que apontam que dificilmente chegaremos a um saldo de 20 bilhões. Até o mês de março desse ano, por exemplo, o saldo comercial alcançou a cifra de US$ 2,8 bilhões – no mesmo período do ano passado, esse resultado foi de US$ 8,7 bilhões.

 

Esses resultados da balança comercial, e os números dessa conta de serviços e rendas, incluindo o resultado das transferências de recursos de empresas e indivíduos brasileiros do exterior para cá, nos fornece o resultado das transações correntes do país com a economia mundial. O resultado acumulado dessa chamada conta corrente, no ano, já está negativo em US$ 10,8 bilhões, até o mês de março.

 

O Banco Central, para vocês verem como a turma erra, estimava, até meados de março, um resultado negativo nessas contas correntes – para todo o ano de 2008 – de US$ 3,5 bilhões. Posteriormente, projetaram um déficit da ordem de US$ 12,5 bilhões. E, agora, já se defrontam com uma realidade muito mais grave. É nesse ponto que cabe uma importante consideração.

 

Toda essa mudança visível a que estamos assistindo nos números relativos às nossas transações correntes com o resto do mundo vem se dando em um quadro onde as conseqüências da crise financeira internacional ainda não nos atingiram. A principal razão, por exemplo, da rápida diminuição do saldo comercial do país é a forte valorização do real em relação ao dólar, estimulada e agravada pela elevada taxa de juros real que se mantém como a mais alta do mundo.

 

Porém, a forma como as autoridades econômicas esperam contornar os problemas decorrentes do agravamento das contas correntes do país é justamente através desse dinheiro externo, que procura o Brasil na expectativa de negócios de alta rentabilidade financeira, no curto prazo.

 

Esperam, também, contar com o ingresso de investimentos diretos, na área produtiva, através da aquisição de empresas ainda brasileiras, ou em novos investimentos, principalmente na área do agronegócio, onde Lula tem se apresentado como uma espécie de garoto-propaganda pelo mundo afora.

 

Ou seja: o caminho que temos à frente para a superação do grave quadro que se apresenta – a depender de Lula e de seus aliados "de esquerda", ou mesmo de sua "oposição", representada pelo PSDB e pelo DEM – é o do aprofundamento do processo de dependência aos capitais especulativos, combinado com a aceleração do processo de desnacionalização do parque produtivo brasileiro.

 

Está claro que, mais do que nunca, a alternativa deve ser outra.

 

E essa alternativa é a mudança do modelo econômico. Não é simplesmente a mudança no enfoque da política monetária do Banco Central, e no samba de uma nota só dos juros altos.

 

A mudança deve se dar no conjunto da obra. Na forma como o Brasil se relaciona economicamente com os outros países, e na própria maneira como concebemos o que vem a ser a economia produtiva do país.

 

São mudanças que implicam alterar, por completo, a atual ordem macroeconômica, para que possamos voltar a pensar em um Brasil com reforma agrária para valer, e uma nova política agrícola; com a recuperação e a universalização de serviços públicos de alta qualidade; e com uma política de industrialização, sob controle dos brasileiros, e com respeito ao meio-ambiente. É o mínimo que devemos exigir, em um momento em que o mundo do capital reedita suas terríveis crises, e, ao mesmo tempo, a nossa América clama por mudanças substantivas.

 

Paulo Passarinho é economista.

 

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