Oposição de esquerda ao governo Lula

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Paulo Passarinho
10/04/2008

 

Para aqueles que acompanham a conjuntura política através de uma rápida leitura diária dos jornais de maior circulação, ou principalmente através dos noticiários de televisão, a oposição ao atual governo se restringe às posições do PSDB – de FHC - e do PFL, o atual DEM. São os grandes derrotados eleitorais de 2002 e 2006.

 

É uma oposição que em termos substantivos não tem muito do que reclamar.

 

Afinal, são os primeiros a destacar que, "apesar dos pesares", a administração macroeconômica foi preservada de "aventuras", a disciplina fiscal foi mantida e o Banco Central continua diligente na sua obsessão em controlar a inflação.

 

Os pesares, para essa turma, são os chamados escândalos: do mensalão, dos sanguessugas, do "dossiê dos aloprados", ou, o último, o dos cartões corporativos.

 

No fundo, disputam - com o atual PT e com os aliados desse - a preferência dos grandes grupos econômicos para a condução do modelo econômico em curso, de natureza neoliberal, e fruto dos interesses do sistema financeiro, em especial de bancos e grandes corporações com atuação transnacional.

 

O quadro político-partidário brasileiro vive uma espécie de esquizofrenia generalizada. Com a guinada doutrinária do PT e de seus aliados históricos (PCdoB e PSB) e a própria adesão do PDT ao governo Lula nesse seu segundo mandato, o espaço de contestação da direita tradicional – tendo à frente justamente o PSDB e o DEM – fica restrito a essa discussão recorrente das práticas corruptas e anti-republicanas da turma que ora comanda o governo federal, com o deslumbramento típico dos recém-convertidos.

 

O problema é que essa direita tradicional não tem a mínima condição de criticar a ex-esquerda. Em matéria de corrupção e privatização do que é público, essa direita é insuperável. Mais difícil ainda: Lula tem um discurso muito direto e palatável junto ao povo – ao contrário da arrogância e elitismo dos tucanos, tendo à frente o indefectível FHC. Além disso, o atual governo se beneficiou da forte expansão da economia internacional dos últimos anos. Assim, manteve o modelo que veio com Collor e FHC, mas fez a economia crescer um pouco mais do que nesses governos anteriores, garantiu aumentos reais ao salário-mínimo e ao piso do benefício previdenciário, além de ter expandido bastante os programas de transferência de renda aos mais pobres e ampliado os mecanismos de crédito ao consumo.

 

Fazer oposição a um governo que se beneficia de um quadro conjuntural tão favorável, e que comparativamente aos governos anteriores apresenta resultados muito mais satisfatórios, não é difícil apenas para a direita.

 

A esquerda também acaba por se defrontar com grandes dificuldades.

 

Primeiramente, pelo próprio fato de o governo ter no seu comando as forças principais que estiveram à frente da luta contra a direita e o neoliberalismo no país durante muitos anos.

 

A guinada doutrinária do PT, do PC do B e PSB, além de não ser assumida formalmente por esses, para muitos não é perceptível. Há uma grande confusão entre a essência da política que hoje esses agrupamentos passaram a defender e os efeitos que essa política tem gerado. O fato de a economia estar crescendo um pouco mais, com os seus reflexos na geração de empregos; a propaganda incessante do PAC, enquanto um verdadeiro plano de crescimento para o país; e a própria ação da oposição parlamentar de direita reforçam a idéia simbólica de que há um conflito de visões distintas de sociedade nesse embate entre o governo Lula e as direitas tradicionais, que teve as suas bandeiras e projetos subtraídos pelos atuais governantes.

 

Contudo, mais do que nunca, é importante a defesa de um projeto de esquerda, antiliberal e de fortalecimento de um novo modelo de desenvolvimento para o Brasil.

 

Precisamos de uma política macroeconômica que defenda o crescimento econômico, a geração de empregos e a distribuição de rendas em prol do mundo do trabalho. A atual política macroeconômica é voltada para a defesa do mundo das finanças, premiando a especulação financeira e a abertura da economia brasileira ao total domínio do capital estrangeiro.

 

Precisamos de uma nova ordem tributária, que faça com que ricos e detentores de propriedades passem a pagar impostos pra valer, aliviando a carga tributária de pobres e assalariados médios.

 

Precisamos recuperar os serviços estatais públicos de natureza social – educação, saúde, previdência - e também os voltados para a regulação das atividades empresariais, em especial em relação aos setores controlados por oligopólios, quase todos estrangeiros.

 

Precisamos reverter as privatizações feitas de forma criminosa, ao arrepio das próprias leis em vigor, cujo maior exemplo é a da Companhia Vale do Rio Doce, mas que inclui também o descalabro ocorrido na área elétrica, onde os cidadãos brasileiros passaram a pagar tarifas das mais altas do mundo, apesar de a maior parte da energia elétrica gerada ser hídrica e gerada por usinas cujo custo de construção já foi amortizado há anos.

 

Precisamos alterar por completo a atual política do petróleo, refém da pressão dos países mais desenvolvidos e de suas empresas petrolíferas, interessadas na exportação acelerada dessa nossa riqueza.

 

Precisamos resgatar o congelado programa de reforma agrária e a partir disso acelerar a efetivação de uma nova política agrícola. Essa política deve ter como foco a mini-propriedade rural, amparada por mecanismos de financiamento adequados e assistência técnica que garanta alta produtividade e agregação de valor à produção agrícola, a partir de cadeias de produção locais e desvinculadas do predatório agronegócio. Essa seria uma mudança essencial para a transformação do campo brasileiro e das nossas próprias grandes cidades. Hoje, essas se encontram inchadas, inviáveis e sofrendo todo tipo de deformação pela superpopulação – especialmente nas periferias – de uma massa de brasileiros sem nenhuma oportunidade em nosso imenso território continental.

 

É por essas razões, dentre outras, que mais do que nunca é necessário fortalecer a oposição de esquerda ao atual governo.

 

Lula e seus aliados abandonaram por completo o modelo alternativo que durante anos serviu de parâmetro para a luta contra a direita e o neoliberalismo.

 

Mas o Brasil real continua existindo, com suas contradições aguçadas pelas desigualdades, injustiças e um grau de violência que só ilude àqueles que não se colocam à altura dos desafios do nosso tempo.

 

Paulo Passarinho é economista.

 

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