Compensar a perda da CPMF ou...

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Paulo Passarinho
10/01/2008

 

 

A derrota parcial sofrida pelo governo federal, ao não conseguir a prorrogação da cobrança da CPMF no Senado, mas garantir a manutenção do mecanismo da DRU, a Desvinculação de Receitas da União, abriu um novo capítulo na luta travada entre as forças governistas e a oposição parlamentar de direita, capitaneada pelo DEM – o ex-PFL – e pelo PSDB, diferentes blocos que na prática controlam o jogo parlamentar.

 

Logo após a derrota, o governo colocou alguns dos seus quadros “de esquerda” para duramente criticarem a vitória da oposição. Patrus Ananias, ministro do Desenvolvimento Social, e José Gomes Temporão, da Saúde, manifestaram toda a sua contrariedade e descontentamento com o prejuízo que a medida acabaria acarretando para as suas respectivas áreas, ao não aprovarem a prorrogação da Contribuição, mas sintomaticamente silenciando-se quanto à manutenção da DRU, o dispositivo que de fato permite ao poder executivo desviar recursos das áreas sociais para a garantia do pagamento de juros.

 

O ministro da Fazenda, por sua vez, procurou reforçar a idéia de que o maior prejuízo provocado pela derrota governamental teria sido a perda de recursos a serem utilizados na área da saúde, ao afirmar que “a CPMF já está desgastada. Acho melhor pensarmos em algum outro tributo que seja totalmente dirigido para a Saúde”. Enquanto isso, o chefe-maior, o presidente da República, procurava minimizar o prejuízo declarando, no dia 16 de dezembro, que “não existe razão para ninguém ficar nervoso, nenhuma razão para que ninguém faça uma loucura de aumentar a carga tributária”, ou, no dia 17, quando afirmou que “não há nenhum motivo para qualquer precipitação, não há nenhum motivo para anunciar medidas de forma extemporânea”.

 

Podemos concluir, assim, que enquanto ministros considerados progressistas procuravam fustigar a oposição parlamentar, acusando-a de prejudicar os recursos que seriam aplicados em áreas sociais e que beneficiariam aos mais pobres, o presidente voltava-se para sinalizar ao mercado financeiro e aos seus agentes que não teríamos nenhuma surpresa fiscal.

 

O jogo de cena, contudo, estava com os seus dias contados. Logo no dia dois de janeiro, no primeiro dia útil do ano, foram apresentadas as tais medidas compensatórias. De forma a passar a idéia à opinião pública de penalizar apenas o setor financeiro, o governo baixou um decreto elevando o IOF – Imposto sobre Operações Financeiras – em 0,38 ponto percentual, além de elevar a alíquota para os empréstimos de pessoas físicas de 1,5 para 3% ao ano e passar a cobrá-la também sobre os empréstimos bancários para as empresas. O IOF incide em todas as operações de financiamento envolvendo cartões de crédito, seguros, crédito imobiliário, cheque especial, financiamento de veículos, empréstimos financeiros, incluindo o crédito consignado. Inicialmente, foi divulgado também que as operações interbancárias de câmbio seriam atingidas pela medida. Já no dia quatro, o próprio governo tratou de esclarecer que o decreto contendo essas medidas seria reeditado no Diário Oficial, excluindo-se essas operações da cobrança do imposto, por uma clara exigência dos próprios bancos. A explicação oficial foi de que teria havido um erro na redação original do decreto, pois a alíquota adicional de 0,38% só deveria incidir sobre àquelas operações que anteriormente pagavam a CPMF, o que não era o caso das operações de câmbio.

 

Caía por terra, desse modo, a única medida que efetivamente poderia representar um custo adicional para o setor financeiro. O próprio presidente da Febraban – Federação Brasileira de Bancos -, Fábio Barbosa, fez questão de esclarecer que não seria o caso sequer de acusar os bancos de quererem “repassar” o imposto para os clientes: “não se trata de nenhum repasse feito pelas instituições financeiras. O IOF é pago por quem pega empréstimo”.

 

Com a elevação do IOF, o governo declarou que espera arrecadar R$ 8 bilhões. Além dessa medida, o governo tentará aprovar no Congresso a elevação na alíquota da CSLL – Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – das empresas do setor financeiro de 9% para 15%, estimando uma elevação da receita dessa contribuição, neste ano de 2008, em R$ 2 bilhões. Para a plena compensação da receita estimada para esse ano com a CPMF – de R$ 40 bilhões – o governo terá também a meta de cortar R$ 20 bilhões do Orçamento, ainda em discussão no Congresso, estimando também que R$ 10 bilhões extras poderiam vir da própria expectativa de um aumento da arrecadação, impulsionada pelo crescimento econômico esperado para esse ano.

 

Com relação a esses anunciados cortes orçamentários, ainda há muito mais indefinições sobre quais áreas serão as mais sacrificadas, quais os ministérios que terão de apertar mais o cinto, do que certezas. O jogo de barganha será disputado, envolvendo inclusive de forma intensa os próprios parlamentares – boa parte deles diretamente interessados nas verbas orçamentárias em questão, especialmente neste ano de eleições municipais. Quem, entretanto, já saiu prejudicado foram as várias categorias dos servidores federais que, em complexas negociações ao longo do ano passado, aguardavam reajustes em seus vencimentos para esse ano. O governo já anunciou que todas as medidas dessa natureza estão suspensas.

 

O fato é que todas essas decisões têm um só objetivo: manter intacta a política econômica que preserva e fortalece o “modelo” de funcionamento da economia, defendido pelos bancos e grandes corporações nacionais e estrangeiras – o tal do “mercado” que, segundo José de Alencar, o vice-presidente, produz fortes temores em seu superior, o presidente da República.

 

Alternativas existem. A estimativa para a média da taxa básica real de juros no ano poderia ser reduzida; o chamado superávit primário poderia ser fortemente diminuído; e as próprias taxas de juros cobradas da clientela do mercado financeiro poderiam ser fortemente influenciadas por uma redução das taxas de mercado cobradas pelo Banco do Brasil e pela Caixa Econômica Federal, forçando a concorrência privada – e cada vez mais estrangeira – a fazer o mesmo.

 

Mas, para tanto, mais do que superar temores – e a ambição de ser poder, para meramente exercer poder – o presidente da República e seus aliados precisariam, além de coragem e compromisso público, ter clareza sobre as imensas possibilidades do Brasil e a viabilidade e necessidade de um projeto soberano de país. Projeto esse que viesse a superar a visão medíocre que nos empurra para um papel coadjuvante e subalterno no contexto global – nos reservando a um lugar de fornecedores de insumos e matérias-primas para os países mais desenvolvidos continuarem a exercer domínios e lideranças, em prol dos seus próprios interesses.

 

 

Paulo Passarinho é economista.

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