Reforma tributária

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Paulo Passarinho
30/11/2007

 

Em meio às negociações para a aprovação da prorrogação da CPMF/DRU, no Senado Federal, o governo havia se comprometido em apresentar até o final deste mês de novembro uma nova proposta de reforma tributária. Dada a complexidade da matéria e seu potencial de divergências - em termos de interesses que sempre podem ser afetados em uma discussão desse tipo –, o governo agora adia naturalmente o cumprimento de sua recente promessa. Contudo, desde o anúncio da “promessa”, quem tem um mínimo de noção sobre o assunto e especialmente a consciência sobre a natureza do governo Lula sabia que a jogada era mera encenação. Pela forma com que Lula governa, pelas suas atuais crenças e compromissos com o sistema financeiro, é lógico que o que poderemos ter, mais à frente, será no máximo mais um remendo – nos moldes do que vem sendo feito nos últimos anos, tanto por FHC, quanto pelo próprio Lula.

 

Não que essa não seja uma importantíssima discussão e uma premente necessidade, mas o que precisamos, na área tributária, é de uma nova estrutura que garanta que quem venha a pagar impostos com mais rigor sejam os ricos e detentores de propriedades, especialmente na área rural, ao mesmo tempo em que pobres e assalariados venham a ter a sua respectiva carga tributária reduzida.

 

No nosso país, a estrutura de tributos se assenta fortemente nos chamados impostos indiretos – incidentes sobre a produção e o consumo. Trata-se de uma grave distorção, que acaba por gerar uma forte regressividade na arrecadação de tributos, fazendo com que os pobres e assalariados acabem por arcar, proporcionalmente ao que ganham, com uma carga muito mais elevada de impostos do que as camadas mais ricas da população. Isso ocorre pelo fato de esses impostos serem pagos de forma embutida nos preços de produtos e serviços, onerando de fato os consumidores finais. Como pobres e assalariados tendem a gastar tudo o que recebem, ao contrário dos ricos – que poupam parte do que ganham -, proporcionalmente, uma pessoa de menor renda acaba por pagar uma maior carga de impostos do que os mais aquinhoados.

 

Nos países mais desenvolvidos, ao contrário, o grosso dos impostos é oriundo dos chamados tributos diretos, sobre a renda e a propriedade.

 

A linha geral da reforma tributária que precisamos deve fazer com que no Brasil possamos ter uma estrutura tributária capaz de contribuir no processo de distribuição de renda e riquezas.

 

A progressividade contributiva deve, assim, ser a principal característica de uma verdadeira reforma tributária proposta, bem como a prevalência do peso dos chamados impostos diretos – sobre a renda e a propriedade – na formação da carga de tributos, alterando a ordem tributária regressiva atual e o maior peso que hoje os impostos indiretos possuem em relação ao conjunto de tributos recolhidos pelo Estado.

 

No tocante aos impostos sobre a produção e o consumo, defendemos a desoneração e a seletividade de sua incidência, de acordo com a capacidade contributiva dos segmentos de consumidores aos quais se dirige o tipo de bem ou serviço produzido. Os impostos sobre os bens ou serviços de maior peso na cesta de consumo dos pobres e assalariados deveriam ser reduzidos ou mesmo abolidos, enquanto aqueles direcionados às faixas de consumidores mais ricos deveriam ser elevados.

 

Com relação ao imposto sobre a renda das pessoas físicas, propomos uma faixa de isenção maior do que a atual e, a partir das faixas de renda passíveis de taxação, escalonar as alíquotas de forma paulatina e crescente, de acordo com o seu respectivo valor, em uma faixa de variância que poderá ser definida entre 5% - para as menores rendas a serem taxadas – e 50%, para a maior faixa de renda. No imposto de renda sobre as pessoas jurídicas, o mesmo princípio de progressividade deveria ser adotado. Em relação à estrutura atual, propomos limites claros à possibilidade de abatimentos de despesas administrativas e operacionais em relação ao lucro apurado, ao mesmo tempo em que a incidência desse tipo de imposto sobre as pequenas e micro-empresas deveria ser reduzida.

 

Como linha geral, podemos afirmar que a tendência seria a de redução do imposto de renda sobre as empresas produtivas e a elevação do recolhimento sobre as pessoas físicas.

 

Em relação aos impostos sobre as propriedades – mantendo-se o princípio da progressividade –, propomos uma forte taxação sobre a propriedade da terra, como forma inclusive de desincentivar a utilização desse bem social de grande relevância como reserva de valor.

 

Em linhas gerais e resumidamente, uma verdadeira reforma tributária deveria basear-se em três princípios: progressividade, descentralização federativa e revisão de isenções e dos mecanismos de elisão fiscal. Isso implica:

 

(a) aumento de impostos sobre patrimônio (ITR e impostos sobre transferência e herança).

 

(b) redução de impostos indiretos.

 

(c) fim da isenção de imposto de renda sobre a distribuição de lucros e sobre remessas ao exterior.

 

(d) fim da isenção da CPMF para recursos aplicados em bolsas de valores.

 

(e) fim dos incentivos fiscais a investidores estrangeiros para a aquisição de papéis brasileiros.

 

(f) redefinição das faixas de incidência do imposto de renda sobre pessoas físicas.

 

(g) redistribuição da receita fiscal entre União, estados e municípios.

 

Também seria preciso modificar a Lei da Responsabilidade Fiscal, para que ela imponha limites aos gastos financeiros do Estado, garantindo-se, também, que pelo lado do gasto o setor público atue de forma distributiva.

 

Mas aqui voltamos ao grande ponto que nesse momento afasta qualquer possibilidade de viabilizar uma proposta dessa natureza: o governo Lula tem a mínima condição política de levar à frente uma idéia de mudança desse tipo na estrutura tributária brasileira?

 

Deixo a resposta para os ainda auto-rotulados “de esquerda”, que insistem em apoiar ou participar do atual governo.

 

Originalmente publicado em http://www.chicoalencar.com.br

 

 

Paulo Passarinho é economista. 

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