Correio da Cidadania

A necessidade de reconhecer a derrota sem nos sentirmos derrotados

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O processo de impeachment foi aceito de forma acachapante pela Câmara dos Deputados ontem. Isso é um fato. Seguirá o rito: deverá ser acatado pelo Senado em breve. Dilma será afastada por 180 dias e assumirá Michel Temer. É inevitável. Dilma não renunciará. No máximo fará uma manobra conjunta com o PT no sentido de tentar convocar novas eleições, o que talvez seja tardio. O fato é que ficaremos até 12 de maio com uma presidente que está prestes a ser afastada. Muito provavelmente, Michel Temer vai articular de forma mais explícita o seu governo provisório, que durará até que Dilma seja julgada pelo Senado, o que pode durar até outubro.

 

A agonia do impasse político assim como as crises que vivenciamos não têm hora para acabar. A forma de sair não é pela vaga evocação do vermelho esquerdista que foi derrotado pelo que há de pior no fisiologismo e conservadorismo. A saída é para além da esquerda, é pela sociedade na busca por constituir uma democracia real com base em pautas. O governo Dilma que tanto combato não foi superado por méritos de uma esquerda organizada em torno de um projeto alternativo (que não existe) e isso aumenta a agonia, nos leva às raias do desespero. O caminho será longo.

 

Da mesma forma que as lutas foram derrotadas em 2014 por Dilma ao bradar “Não vai ter Copa”, o governo Dilma foi derrotado na sua paródia ao gritar “Não vai ter golpe”. Evidente que o principal responsável por esta derrota é quem introduziu o grito mistificado: o próprio PT. Não há motivo para fugir desta avaliação, como querem alguns, introduzindo as pessoas em uma luta por Dilma nos próximos meses que não terá fim nem efeito no terreno da institucionalidade. É preciso reconhecer a derrota sem nos sentirmos derrotados para seguir adiante. O governo Dilma acabou, não tem mais volta. É hora de encarar o governo Temer, quiçá novas eleições.

 

Neste cenário, quero chamar atenção para alguns pontos:

 

1 - Se o PT foi derrotado, quem ganhou foi o PMDB. Uma disputa na coalizão governista que pode ser vista como uma espécie de golpe. Sim, a narrativa do golpe é múltipla e precisa ser qualificada senão é inadequada. Lula mostrou que sua força tem limites claros ainda que mobilize segmentos à esquerda mais pela memória do que por suas práticas atuais, tais como negociar cargos em um luxuoso hotel de Brasília de forma nada eficaz, como mostra a votação na Câmara.

 

2 - A mobilização mais emergencial na escala nacional é o #ForaCunha. É inadmissível que essa figura continue comandando o Congresso e foi um erro dos maiores tê-lo deixado em paz desde que aceitou o pedido de impeachment. É sempre bom lembrar que o fez depois de quatro meses negociando com o PT a posição deste partido que o sustentava no Conselho de Ética.

 

3 - O cenário das novas eleições é o menos provável neste momento. Pode ser que ganhe corpo, mas o efeito colateral é certo: vai engolir e achatar as eleições municipais.

 

4 - Não há muito o que esperar em termos argumentativos dos deputados que votaram ontem. Fariam melhor se simplesmente votassem. A zoeira das redes agradeceu e encobriu o desespero pela miséria em que estamos. Por outro lado, precisamos, pessoas bem informadas e "formadores de opinião", qualificar o debate público e agir mais concretamente para que as escolhas dos eleitores não se repitam, capitaneadas pelos interesses econômicos. Somos responsáveis. Podemos usar até mesmo os exemplos desta votação em um trabalho de longo prazo. Estamos no pântano que se multiplica nas Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores. Preocupamo-nos demais com o Executivo e nos esquecemos por completo do Legislativo.

 

5- No cenário mais provável, Michel Temer deve assumir: sem cacife, com alta impopularidade e podendo ser cassado pelo TSE. Será interessante se a saída do PT gerar uma mobilização permanente por direitos e contra o ajuste fiscal com um corpo que não teríamos sem sua estrutura. O revés do PT não pode ser encarado como vitimização, mas como oportunidade para que o governo Temer não avance em sua agenda ultra-neoliberal da “Ponte para o Futuro”. Mas existem duas questões importantes: I) veremos se o PT foi capaz de destruir suas pontes com a esquerda institucional e com a sociedade para se manter no poder; II) essas mobilizações não podem constituir a plataforma para a volta de Lula em 2018.

 

6 - Ainda que esquecida, a Lava Jato continua pelo menos até dezembro. Cabeças devem rolar.

 

Definitivamente, precisamos fazer um novo momento.

 

 

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Marcelo Castañeda é sociólogo e pesquisador.

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