EUA perdendo seus feudos

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Luiz Eça
14/05/2014

 

 

Até o fim da Guerra Fria, a América Latina foi absolutamente dócil à liderança norte-americana. Com seu apoio econômico e militar, que chegou até a intervenções armadas, os EUA garantiram ditaduras militares e, eventualmente, governos civis amigos. Sempre conservadores, representando os mais poderosos interesses das oligarquias locais.

 

Eles abriram de par em par suas portas ao capital estrangeiro, seguindo uma política neoliberal.

 

As reivindicações dos trabalhadores e pequenos produtores agrícolas eram reprimidas, em geral com violência.

 

Depois da queda do comunismo, o governo norte-americano voltou suas atenções para o Oriente Médio, onde surgiram novos desafios à sua hegemonia universal.

 

Sem a proteção do braço forte de Tio Sam, os governos conservadores da América Latina foram se enfraquecendo.

 

Com a miséria, a opressão dos camponeses, as más condições de trabalho, a fome, a falta de serviços de saúde, o desemprego e as desigualdades, estava se germinando uma revolta cada vez maior dos desfavorecidos.

 

Por sua vez, as esquerdas, antes radicais, tornaram-se pragmáticas. Foram abandonando as guerrilhas sem esperança e, em vez de acenar com bandeiras socialistas inatingíveis, fixaram-se na solução dos problemas concretos do povo.

 

Inicialmente, a onda esquerdista espalhou-se pela América do Sul. Seu marco inicial foi a eleição do general Hugo Chávez para presidente da Venezuela.

 

Logo, a maior parte dos países do continente foi ganha por candidatos de esquerda ou centro-esquerda.

 

Em todos eles, o neoliberalismo dos conservadores derrotados foi substituído por uma maior intervenção do Estado na economia e grandes investimentos na qualidade de vida dos pobres.

 

O capital estrangeiro não encontrou as vantagens de outrora, nem os grandes latifundiários puderam continuar pintando e bordando no campo, às custas dos trabalhadores agrícolas. E as relações com os EUA mudaram.

 

Com exceção da Venezuela, de Chávez,  da Argentina, dos Kirchner, e da Bolívia, de Evo Morales, nenhum país tornou-se inimigo da Casa Branca.

 

Mas todos eles pararam de dizer “sim” a tudo que vinha de Washington, para responder “não” quando lhes conviesse e até, por vezes, criticar a política externa ianque.

 

Buscaram unir-se para decidirem em conjunto, de acordo com seus interesses, mesmo quando opostos aos dos EUA.

 

Até a Colômbia, e agora o Paraguai, que mantêm acordos com Washington, não destoam.

 

Agora, a onda esquerdista avança para a América Central, o mais antigo e sólido feudo dos EUA.

 

A Nicarágua foi o primeiro país local a sair da linha. Está no poder a Frente Sandinista, que combateu intervenções militares estadunidenses no passado e o governo do ditador Somoza, protegé de Washington, durante muitos anos.

 

O presidente Ortega não tem problemas com as multinacionais que operam no país, nem com o governo norte-americano.

 

Mas está muito mais próximo dos chavistas, de quem, aliás, compra petróleo a preços subsidiados.

 

Recentemente tomou duas atitudes impensáveis num governo nicaraguense de outrora: ofereceu asilo a Edward Snowden, que os EUA perseguem, e votou contra uma investigação da OEA dos conflitos na Venezuela – proposta pelo Panamá, sob auspícios de Washington.

 

Em El Salvador, depois de 20 anos de guerra civil, a FMNL abandonou as guerrilhas e optou pela legalidade.

 

Na sua segunda tentativa eleitoral, elegeu o ex-guerrilheiro Sanchez Ceren, com uma plataforma nada radical: programas sociais para criar empregos e reduzir as desigualdades e combate à corrupção.

 

Foi uma grande mudança, depois de três anos desastrosos da ARENA – o partido da elite local.

 

O governo, ativistas comunitários e até a Igreja Católica estão em luta contra a Pacific Rim, uma multinacional canadense-australiana que exige 300 milhões de dólares por ter sido impedida de explorar minas de ouro, conforme contrato anterior permitiria.

 

Há uma consciência em todo o país de que essa operação traria catastróficas consequências para o abastecimento de água e para o Rio Limpa, do qual grande parte dos agricultores salvadorenhos depende. Como outros países, El Salvador votou contra a proposta do Panamá-EUA na OEA.

 

A mais recente derrota da velha classe foi na Costa Rica, onde o candidato de centro-esquerda, Luiz Solis, derrotou os dois partidos conservadores que se alternavam no poder há dezenas de anos.

 

Eleito, Solis declarou: “precisamos mudar de uma violência... expressa pela desigualdade, pela pobreza, e pela mais perversa forma de corrupção”.

 

Por fim, no Panamá, cujo último governo mantivera-se fiel aos EUA, as coisas mudaram.

 

Fora ele que propusera à OEA a discussão do conflito na Venezuela, deixando o presidente Maduro furioso e levando-o ao rompimento de relações diplomáticas com o país.

 

Somente os EUA e o Canadá apoiaram o governo panamenho. Todos os outros países latino-americanos, inclusive da América Central e do Caribe, foram contra.

 

O governo de oposição, que derrotou os conservadores do poder, é de centro-direita. Parece independente dos EUA, pois apressou-se em reatar as relações com a Venezuela, logo depois de eleito.

 

Somente em Honduras venceu um candidato que está com a Casa Branca e não abre. Embora as eleições tenham sido consideradas livres por observadores europeus, eles também afirmaram que 30% dos votos vieram de mortos ou residentes no exterior...

 

Ainda existem alguns países centro–americanos com quem os EUA podem contar para o que der e vier. No entanto, seus feudos nãos param de encolher.

 

Luiz Eça é jornalista e colunista do Correio da Cidadania.

Website: Olhar o Mundo.

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