O que será da Venezuela?

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Luiz Eça
07/04/2014

 

 

Diariamente, a nossa grande mídia apresenta notícias aterradoras sobre a Venezuela.

 

O presidente Maduro é pintado como um semi-ditador que reprime com tiros e torturas multidões de manifestantes pacíficos, enquanto seu país se debate numa crise irreversível.

 

Os comentaristas não têm dúvidas: o caos é total, o socialismo bolivariano fracassou definitivamente nos campos econômico, político e social.

 

É de se pensar que há, digamos, um certo facciosismo, um tanto afastado da realidade.

 

Como pode ser considerado fracassado o regime que, em todo o mundo, mais distribuiu riqueza e combateu a pobreza?

 

Os beneficiados, ou seja, a maioria da população venezuelana, não devem concordar.

 

Redução da extrema pobreza a 2,3%; 150% do aumento do poder de compra das classes D e E; a menor taxa de desigualdade social de toda América Latina; a erradicação do analfabetismo (elogiada pela ONU); um sistema de saúde pública exemplar; redução do desemprego de 25% para menos de 10%. Não são conquistas de regimes fracassados.

 

No entanto, inflação altíssima, escassez de produtos básicos e elevados índices de criminalidade não deixam de configurar uma situação perigosa.

 

Não se pode negar que o maior produtor de petróleo da América Latina, com rendimentos anuais de 90 bilhões de dólares, não deveria se encontrar na difícil situação atual.

 

Houve falhas na gestão da economia. Que estão sendo bem exploradas pela oposição.

 

Derrotada nas urnas, ela não quer esperar pelas novas eleições.

Quer o poder já.

 

A deputada Maria Corina Machado, ora em visita ao Brasil, foi clara. E Leopoldo Lopez, o líder da direita radical venezuelana, pregou abertamente a derrubada do governo através das manifestações de rua com barricadas e coquetéis molotov.

 

Sua estratégia visa dois objetivos intermediários:

 

1- Provocar o caos e a ingovernabilidade, aproveitando o momento em que o chavismo vive uma situação extremamente delicada, diante dos duros desafios da economia;

 

2 - Reproduzir o caso da Ucrânia, de olho na “espiral de violência”, na qual, com a radicalização dos conflitos, o governo acabe partindo para ações brutais contra os rebeldes, que choquem a opinião pública internacional.

 

Apesar das conclusões apressadas da mídia, a Venezuela está longe da falência.

 

Sua balança comercial continua superavitária e a dívida externa está bem esquematizada, afastando os riscos de default.

 

As reservas em fins de 2013 eram de 36,7 bilhões de dólares, mais do que suficientes para um país de menos de 30 milhões de habitantes.

 

A grande mídia colabora com a oposição, com matérias diárias sobre as violências do regime.

 

Como destaca sempre os ataques da polícia, induz a opinião pública a pensar que foi ela quem matou todas as vítimas dos conflitos. Não é assim.

 

Conforme o Counter Punch online, de 12 de março, 10 pessoas foram mortas ao tentarem varar pelas barricadas rebeldes.

 

Parte delas eram motociclistas, que se chocaram contra fios de arame farpado erguidos pelos manifestantes para fecharem a passagem pelas ruas.

 

Vítimas do lado do governo foram oito agentes de segurança e um número não determinado de civis chavistas.

 

Não há dúvida que a repressão, em muitas ocasiões, passou dos limites, agentes usaram armas de fogo e praticaram ações lesivas dos direitos humanos. O governo tem agido contra eles.

 

Segundo a Reuters online, de 17 de março, prendeu “21 policiais, acusados de crimes que vão de brutalidades a homicídios”.

 

O procurador geral, general Luiz Ortega, anunciou pela TV que 81 casos de possíveis maus tratos praticados pelas forças policiais estão sendo investigados.

 

Tanto os bispos quanto as organizações de direitos humanos criticaram os dois lados por violência excessiva.

 

No entanto, as maiores culpas foram atribuídas ao governo. Maduro respondeu, ordenando a criação de um painel de direitos humanos para investigar a situação, chamando a oposição e dirigentes das ONGS para participarem.

 

Não é de se crer que isso contribua muito para suavizar o clima tormentoso que existe no país.

 

Afinal, a oposição não está interessada em buscar soluções, mas sim em radicalizar crises.

 

Porém, o affair Ucrânia não parece possível de se repetir. Enquanto as massas de Kiev representavam a grande maioria da população, em Caracas e outras cidades elas são em número muito inferior aos chavistas e indiferentes.

 

Além disso, a Venezuela não está isolada internacionalmente como a Ucrânia de Yanukovich estava.

 

Recentemente, numa reunião da Organização dos Estados Americanos, os EUA tentaram aprovar uma investigação sobre os conflitos no país. E perderam de goleada.

 

Vinte e nove países votaram a favor do apoio ao governo de Caracas, contra apenas três: EUA, Canadá e Panamá.

 

Até mesmo aliados tradicionais da Casa Branca, como México, Colômbia, Honduras e Guatemala, rejeitaram o diktat yankee.

 

“A primeira coisa que os venezuelanos e toda a América Latina precisam é ser respeitados. Quando o mundo inteiro apela para que os EUA acabem com sua política de embargo contra Cuba, vozes em Washington ameaçam a Venezuela com sanções. Será que eles não aprendem nada com a história?”, disse José Mujica, o respeitado presidente do Uruguai.

 

O regime de Caracas conta com a solidariedade da América do Sul e da maioria dos demais países latino-americanos.

 

Se o painel dos direitos humanos de Maduro funcionar pra valer, vai deixar a oposição radical muito mal.

 

Resta dar um jeito na super-inflação e no desabastecimento, o que não é nada fácil.

 

Mais do que isso, é preciso enfrentar a crise econômica com coragem e eficiência.

 

Não parece hora de o FMI entrar em ação, mas algumas economias impopulares são necessárias.

 

Há um excesso de subsídios, particularmente para a gasolina e a eletricidade, que exaurem o tesouro público.

 

Buscar um acordo com a oposição moderada é também importante, pois fica difícil governar um país com o ódio de quase metade da população.

 

Não se espera que a maioria dessas pessoas passe a apoiar o governo; que continuem oposicionistas, mas não inimigos.

 

Necessário ainda é conseguir um melhor entendimento com as empresas particulares.

 

Parece estar provado que o Estado venezuelano não tem condições para sozinho bancar o necessário desenvolvimento do país.

 

Precisa de maior participação do setor privado, hoje reticente, temeroso de intervenções estatais e desapropriações inesperadas.

 

Manter as grandes conquistas sociais do chavismo custa muito caro.

 

Isso fica seriamente ameaçado se não se conseguir recuperar a economia e as finanças venezuelanas, hoje abaladas.

 

Não é de se pensar que o socialismo bolivariano esteja na hora do julgamento final.

 

Os recursos do petróleo podem segurar a barra ainda por um bom tempo. Mas não para sempre.

 

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Luiz Eça é jornalista.

Website: www.olharomundo.com.br

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