O lobby está perdendo

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Luiz Eça
29/11/2013

 

 

Alguns congressistas norte-americanos saíram contrariados de reunião de briefing sobre o acordo nuclear com o Irã, convocada por Ron Dermer, embaixador de Israel nos EUA.

 

E olhe que eram políticos que normalmente somam com as posições de Tel-aviv.

 

Para eles, Israel fora longe demais na sua ação contra a aprovação do acordo. Revelaram preocupação com o modo público com que o lobby pretendeu influenciar negativamente à opinião pública e o Congresso (Reuters online, 24/11).

 

Informante anônimo da mesma Reuters declarou que, numa reunião na Casa Branca, altas autoridades estavam furiosas com os grupos pró-Israel: “Tentar levar o Senado a fazer algo que derrubaria uma iniciativa fundamental do governo – isso é cruzar uma linha (vermelha)”.

 

Parece que, realmente, desta vez Netanyahu e seus subordinados das associações judaico-americanas conservadoras exageraram.

 

Sua pregação arrogante e ameaçadora não pegou bem nos congressistas e também no povo estadunidense, cansado de guerras injustas, inúteis e caras.

 

Antes da reunião de Genebra entre os P5+1 (EUA, Alemanha, Rússia, China, França e Reino Unido) e o Irã, 64% da população, de acordo com pesquisa, afirmaram desejar um acordo de paz.

 

Apoiado pela vox populi, o presidente Obama desta vez não arreglou.

 

Não deixou de oferecer todo o tipo de garantias a Israel, inclusive o já tradicional “todas as opções continuam sobre a mesa”.

 

Várias vezes, o secretário de Estado, John Kerry, viajou a Tel-aviv para ouvir de Netanyahu torrentes de queixas, lamentações e ameaças. E responder que os EUA jamais abandonariam Israel.

 

Foi até humilhante: a mais poderosa potência mundial esbaldando-se em explicações para acalmar a fúria do pequeno país.

 

Mas, tudo bem: o importante é que o governo Obama manteve firmemente sua posição.

 

Na prática, desafiou Israel e, ao fazer isso, também assumiu que teria de se haver com forças de poder de fogo devastador: a quase totalidade da Casa dos Representantes; a maioria do

Senado; dezenas de âncoras de talk-shows de rádio e TV; boa parte da grande mídia impressa.

 

Pela primeira vez em seu mandato, Obama enfrentou e venceu esse formidável conjunto de oponentes.

 

Liderado pela AIPAC (“Comitês das Questões Públicas Israelo- Americanas), o lobby já tinha mostrado seu poder, fazendo aprovar na Casa dos Representantes projeto que criava novas e destruidoras sanções.

 

Passando pelo Senado, o projeto vira lei, o que fortaleceria a linha dura iraniana contra as ideias pacifistas do presidente Rouhani.

 

Ficariam provadas as más intenções do Ocidente em relação ao Irã.

 

A ideia era, desse modo, bloquear as negociações de paz antes mesmo que começassem.

 

Obama evitou essa jogada, convencendo os senadores a esperar pelo fim da reunião, pois poderia resultar num acordo preliminar satisfatório.

 

Eles acabaram aceitando e os países reunidos em Genebra chegaram a um acordo.

 

A reação foi de estourar os tímpanos.

 

No dia seguinte, as emissoras de TV transmitiram dezenas de entrevistas de congressistas e líderes republicanos e do Tea Party, condenando a decisão ou, na melhor hipótese, duvidando de que Teerã cumprisse as condições acertadas.

 

Nenhum político democrata próximo à Casa Branca apareceu na telinha para manifestar seu apoio.

 

O projeto da Casa dos Representantes, criando novas sanções, surgiu novamente como uma bomba prestes a ser detonada.

 

Ele fora adiado, mas não cancelado.

 

O próprio Harry Reid, líder da bancada democrata, anunciou que o apresentaria para votação já no início de dezembro.

 

Mas outros fatos começaram a mudar o clima.

 

No mesmo dia, o mundo inteiro saudou o acordo de paz. Até mesmo os Emirados Árabes, o Qatar, o Bahrein e o Kuwait, países sunitas, hostis à política externa iraniana.

 

A Arábia Saudita, inimiga do regime dos aiatolás, embora nada satisfeita, não teve condições políticas para se opor e acabou publicamente dando o seu Ok.

 

Além de Israel, somente o governo conservador do Canadá, que recentemente rompeu relações com o Irã, declarou-se contrário.

 

Mais importante: era visível o otimismo do povo norte-americano, espelhado nas conclusões de pesquisa sobre os termos do acordo.

 

A opinião favorável venceu por um placar de 2 x 1. Todos estes fatores mais os argumentos de Obama acabaram virando o jogo.

 

Dois dias depois da assinatura do acordo preliminar, parecia que uma onda de paz havia sepultado a beligerância dos senadores.

 

Os principais líderes democratas informaram que votariam as novas sanções, sim, mas elas seriam adiadas até o fim dos seis meses prazo de duração do acordo preliminar.

 

Com isso, seria dado tempo suficiente para que os negociadores das seis potências pudessem chegar a um acerto definitivo com o Irã.

 

Até mesmo um notório falcão, sempre contrário ao Irã, o senador democrata Robert Menendez, concorda. Para ele, a lei deve “prever uma janela de seis meses para se alcançar um acordo final antes de impor novas sanções ao Irã”.

 

“Trata-se de uma escolha entre uma pausa e uma guerra iminente. Eu escolho uma pausa verificável”, disse outro democrata, signatário costumeiro dos manifestos da AIPAC, o senador Bill Nelson.

 

Aliás, a própria AIPAC acabou entregando os pontos, admitindo que as novas sanções só poderão ser impostas se “o Irã violar o acordo ou recusar-se a assinar um acordo final aceitável”.

 

Claro, houve grupos que continuam brigando. A “Coalizão Judaica Republicana”, da qual o mega-bilionário dos cassinos Sheldon Leonard é diretor, apelou para que os republicanos do Senado insistissem nas sanções já.

 

O mais provável é que tudo sairá nos conformes. Até mesmo o falcão Harry Reid pensa mesmo na possibilidade de acabar nem apresentando o projeto das novas sanções...

 

Mas, não se engane, os congressistas do Israel, first são muitos e bem organizados. Eles vão estar de olho na forma com que o Irã atende às exigências do acordo preliminar.

 

E é certo que Netanyahu vai fazer muitas denúncias de supostas descobertas de infrações e burlas dos iranianos.

 

O Senado e a Casa dos Representantes serão estimulados a considerar o acordo rasgado e bombardear com novas sanções o Irã e a paz.

 

No entanto, a aprovação do acordo preliminar já foi um acontecimento altamente significativo.

 

A imprensa tem falado em “acordo histórico”. “Duplamente histórico” pois, pela primeira vez, o governo Obama enfrentou de frente o governo de Israel e seu poderoso lobby nos EUA. E parece que está ganhando.

 

Antes de se encerrar o prazo de seis meses para uma solução completa da questão nuclear, outra dura luta terá de ser travada no Oriente Médio.

 

Em fevereiro/março encerra-se o prazo para a conclusão das negociações dos dois Estados na Palestina. Pode ser que mesmo antes disso os palestinos saiam fora já que, ao promover assentamento atrás de assentamento, Netanyahu está fazendo de tudo para virar a mesa.

 

Até agora, pelo constante apoio do governo Obama a Israel, mesmo em causas injustas, muito pouco os palestinos poderiam esperar dele.

 

Depois da postura dos EUA em Genebra, há quem afirme que Obama está começando a cumprir sua agenda de candidato à presidência pela primeira vez, em 2008.

 

Mudar a política da Casa Branca, buscando a paz e a justiça nas relações internacionais, estaria em seus planos.

 

Em consequência, os EUA ficariam ao lado dos palestinos. Claro, são apenas especulações. A aposta mais provável está longe de ser esta.

 

Em todo o caso, se acontecer, vai ser uma parada ainda mais complicada.

 

O povo norte-americano continua in love com Israel.

 

Os lobbies saberão se aproveitar disso.

 

Leia também:

Os EUA na iminência de desobedecerem Israel

Obama e Rouhani: as ligações perigosas entre EUA e Irã


Luiz Eça é jornalista.

Website: Olhar o Mundo.

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