Efeitos colaterais do atentado de Boston

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Luiz Eça
25/04/2013

 

 

As bombas de Boston ainda podem fazer muitas outras vítimas: os islamitas e os imigrantes nos EUA.

 

Os políticos e a grande mídia dos EUA não perderam tempo em associar o atentado à Al-Qaeda ou outro movimento similar.

 

No entanto, não há um único indício que aponte nessa direção. Pelo contrário: sobram os fatos que a contradizem.

 

A própria natureza rudimentar da bomba, que poderia ser feita com base em instruções de websites jihadistas, não é típica da sofisticação técnica dos adeptos de Bin Laden.

 

Os terroristas comportaram-se como os mais inexperientes amadores. Em vez de fugirem do local do crime, ficaram por lá, bem à vista das inúmeras câmeras de segurança e das TVs, focando a linha de chegada da maratona.

 

Nos dias seguintes, em vez de permanecerem escondidos, eles foram roubar uma loja de conveniências, chamando a atenção da polícia.

 

Finalizando essa comédia de erros, os dois atores não tinham um carro preparado para a fuga; preferiram assaltar um motorista, contar a ele seus tenebrosos planos futuros e deixá-lo ir embora em busca do policial mais próximo.

 

Nenhuma organização terrorista seria tão incompetente ao ponto de planejar e realizar um atentado de uma forma, digamos, própria de adolescentes não muito espertos.

 

Outro dado que vale lembrar é a ausência do tradicional manifesto, através do qual as organizações terroristas costumam assumir o ato, apresentando suas razões.

 

Philip Mudd, antigo vice-diretor da CIA, também acha que dificilmente a Al-Qaeda estaria atrás do atentado de Boston. Ele declarou com a autoridade de sua experiência no trato de atentados: “eu processaria esses garotos como assassinos, não terroristas”.

 

Políticos e mídia não concordam com ele.

 

É estranho, uma vez que a palavra “terrorista” nunca foi aplicada por eles nos autores de quatro assassinatos em massa realizados nos EUA nesta década, sendo três nos últimos dois anos.

 

No atentado de Tucson, 19 pessoas foram feridas a tiros, seis morreram; num cinema de Aurore, 70 pessoas alvejadas, com a morte de 12; na escola primária de Sandy Hook, 26 pessoas foram mortas a tiros (20 eram crianças); no colégio de Columbine, os criminosos usaram armas de fogo e bombas para matar 12 estudantes e um professor.

 

Em nenhum desses casos, quase ninguém, na mídia e na política, chamou os assassinos de “terroristas”. Particularidade: nenhum dos assassinos era muçulmano.

 

Por enquanto, não há nada que possa dizer que o crime de Boston seja terrorismo.

 

Um informante anônimo teria dito que o irmão sobrevivente disse que o motivo do ataque seria ódio às guerras dos EUA.

 

Pode até ser verdade, mas é pouco para existir certeza. Além do anonimato não significar muita coisa, é difícil acreditar que, somente movendo a cabeça (o assassino não tem condições de falar), alguém possa prestar informações confiáveis.

 

De qualquer maneira, mesmo antes de a mídia comunicar essa notícia, ela já estava falando em terrorismo.

 

Ora, nos EUA, essa palavra evoca as mais sinistras e assustadoras associações: crimes violentos de árabes e outros muçulmanos contra cidadãos incautos.

 

Evidentemente, quando se coloca na jogada a Al-Qaeda ou alguma organização do gênero, o fantasma torna-se ainda mais perigoso.

 

A campanha do medo, instaurada pela mídia, políticos e pastores eletrônicos, desde o 11 de setembro, funcionou com grande eficiência.

 

Hoje, talvez o maior pesadelo do norte-americano médio é ser vítima de ações de algum movimento terrorista islâmico.

 

A acusação de serem os criminosos de Boston ligados a Al-Qaeda detonou o início de uma caça às bruxas no território do país.

 

O fato de os irmãos assassinos serem chechenos ampliou o foco dessa caça. Além dos árabes e muçulmanos, em geral, todos os imigrantes viraram alvos.

 

Está sendo difundida a ideia de que o atentado de Boston mostrou que a segurança nacional é falha, precisa ser aumentada para proteger os cidadãos da ameaça do terrorismo.

 

O senador republicano Peter King pediu que todos os imigrantes, especialmente muçulmanos, sejam espionados pela polícia.

 

Michael Bloomberg, prefeito republicano de Nova Iorque, declarou que a Constituição precisa mudar para garantir maior segurança ao povo.

 

O senador republicano Chuck Hassler quer tornar mais severa a reforma da imigração.

 

O senador Lindsey Graham propõe que Obama ignore a Constituição e processe Tsarnaev como “combatente inimigo”, ou seja, através de cortes militares, em julgamento secreto, sem advogado, podendo ser condenado à morte.

 

Em seu twitter, a líder conservadora Amy Coulter afirmou que imigrantes ilegais podem ser terroristas.

 

A ideia de aumentar ainda mais a segurança é muito grave nos EUA, pois implica numa redução das liberdades civis, já largamente ignoradas.

 

Por iniciativa do governo Obama, hoje o presidente dos EUA tem direito de mandar prender quem entender. E, sem julgamento, manter o cidadão preso indefinidamente.

 

Tanto Bush quanto Obama são responsáveis pelos ataques dos drones (aviões sem piloto), que matam tanto suspeitos de terrorismo quanto civis inocentes no Paquistão, Iêmen, Afeganistão e Somália. As vítimas integram uma “lista da morte”, elaborada por Obama e assessores.

 

As ligações telefônicas e comunicações por emails e internet das pessoas estão sujeitas a serem grampeadas pelas autoridades, sem necessidade de mandado judicial.

 

Os denunciantes de crimes, ineficiências e irregularidades do governo estão sendo processados como criminosos pelo Departamento de Justiça.

 

Todas essas medidas caracterizam um Estado totalitário, não uma democracia, regida por leis.

 

No entanto, o governo – e por esta palavra se entende Executivo, Legislativo e Forças Armadas – não perde uma oportunidade de cercear o direito dos cidadãos de se oporem a seus atos, usando a segurança como pretexto.

 

O objetivo é aumentar o controle sobre a população.

 

A apresentação do atentado como crime terrorista, provavelmente ligado a organizações secretas, potencializa a preocupação dos cidadãos com sua segurança, embora as chances de serem atingidos por uma bomba sejam mínimas.

 

E torna mais fácil a introdução de leis contrárias aos direitos civis.

 

“Aqueles que cederiam liberdades essenciais para comprar uma pequena segurança temporária (a mais) não merecem nem liberdade, nem segurança”, disse Benjamin Franklin, um dos pais da pátria.

 

Nos dias de hoje, esse tipo de ideias saiu de moda na Casa Branca e nas duas casas do Congresso.

 

 

Luiz Eça é jornalista.

Website: Olhar o Mundo.

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