Condições desumanas da prisão podem livrar Manning

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Luiz Eça
04/08/2012

 

 

Em maio do ano passado, o soldado Bradley Manning foi preso por ter revelado ao WikiLeaks centenas de milhares de telegramas diplomáticos, informes de guerra e o vídeo de um helicóptero militar em Bagdá matando civis.

 

Ele enfrenta 22 acusações de traição, das quais a mais grave é de “ajudar o inimigo”, cuja pena máxima é a morte. Os danos que, segundo as autoridades, ele teria causado aos EUA foram claramente exagerados, senão falsos.

 

Oficiais acusaram Manning de ter “sangue nas mãos” por seus vazamentos sobre as Forças Especiais permitirem aos talibãs descobrirem quem auxiliava o exército americano. Semanas depois, não conseguiram indicar um único caso de alguém assim ter sido morto por talibãs.

 

Mesmo o Secretário da Defesa, Robert Gates, que havia se declarado alarmado com a divulgação dos telegramas diplomáticos, acabou por admitir que tiveram “impacto modesto.”

 

Na verdade, nenhum dos documentos divulgados ao público era classificado como “altamente secreto”, apresentando apenas baixo nível de confidencialidade. Longe de prejudicar os EUA, a ação de Manning foi benéfica.

 

Revelou a incompetência, as violências, as ilegalidades, a hipocrisia de oficiais e diplomatas estadunidenses. E, o que é mais importante, revelou a verdade.

 

O presidente Obama, que muitas vezes alardeou que seu governo seria o mais transparente da história dos EUA, não tem o direito de punir quem o levou a sério. Pelo contrário: a ação de Manning mostrou coisas que, além do povo, o próprio governo precisava saber.

 

Pois o conhecimento do que havia de errado nas ações militares e diplomáticas dos EUA permitiria que fosse feita a correção necessária. E tornariam as ações americanas no exterior mais eficientes, éticas e aprovadas pelos outros povos.

 

Bem que os EUA precisam disso. Em recente pesquisa da Pew Research em seis nações muçulmanas do Oriente Médio, apenas 20%, em média, acham que os americanos favorecem a democracia na região. Para o governo Obama e seu exército, isso não parece relevante

 

Eles não querem que suas pisadas na bola cheguem a conhecimento público. Por isso mesmo, pretendem fazer de Bradley Manning um exemplo, para que ninguém mais tenha a audácia de repetir seu ato.

 

Desde sua prisão em maio de 2010, numa base de Bagdá, Manning está sendo tratado como o pior traidor da América em todos os tempos.

 

Durante um período de oito meses na base militar de Quantico, foi submetido às mais duras condições de prisão: confinamento em prisão solitária, privação de sono, nudez, prisão em cela totalmente vazia, exatamente o que a CIA chama de “tortura sem contato”.

 

Em abril de 2011, 295 acadêmicos (em sua maioria professores de direito), assinaram uma carta alegando que o tratamento recebido por Manning era uma violação da Constituição dos Estados Unidos, especificamente da 8ª emenda, que proíbe punição cruel e extraordinária, e das garantias da 5ª emenda contra punição sem julgamento.

 

Iniciado o processo contra o soldado Manning, a juíza militar, coronel Denise Lind, logo demonstrou sua má vontade em relação ao réu. Recusou petição dos advogados de defesa para apresentarem provas de que as revelações do acusado não haviam prejudicado em nada os EUA.

 

E, num segundo momento, recusou-se a permitir que o relator sobre torturas da ONU, Juan Mendes, prestasse depoimento sobre as condições de prisão de Manning. Ele havia estudado o caso e concluído que essas condições tinham sido desumanas.

 

A alegação da juíza militar nas suas duas decisões foi igual: irrelevância. No entanto, a defesa não desistiu de utilizar esse ponto.

 

Ela quer chamar testemunha, inclusive um psiquiatra que recomendou constantemente às autoridades militares de Qantico que o prisioneiro deveria ser liberado para condições normais de encarceramento.

 

Mas não foi ouvido. Manning continuou sendo tratado com rigor absolutamente inusitado. Uma outra testemunha informará que quando os psiquiatras criticavam as condições de prisão de Manning o chefe dos militares respondia “nós faremos o que quisermos”.

 

Será provando que Manning foi submetido a condições desumanas de prisão que a defesa tentará encerrar o processo. Mas não vai lembrar a Constituição, como fizeram os acadêmicos citados acima.

Trata-se de um documento que, ultimamente, não vem sendo muito respeitado nos EUA.

 

Inteligentemente, ela apela para leis militares. A defesa apresentará petição pedindo a retirada do processo contra o soldado baseando-se no artigo 13 do “Código Uniforme de Justiça Militar”.

 

Sob esta disposição legal, se um juiz decide que um membro das forças armadas foi punido ilegalmente antes do julgamento, o juiz pode assegurar ao prisioneiro redução da pena correspondente ao tempo em que ele esteve em custódia ou pode mesmo liberá-lo imediatamente.

 

Quando Bradley Manning estava ainda em Qantico, houve grandes manifestações públicas contra as condições desumanas com que ele vinha sendo tratado. A voz do povo acabou chegando a Obama.

 

Depois de várias vezes intimado a fazer alguma coisa por jornalistas, intelectuais e políticos, Obama respondeu que o Pentágono lhe informara que Bradley Manning estava sendo tratado “adequadamente.” O que o faz dormir tranqüilo.

 

Mesmo assim, Mitt Romney continua parecendo bem pior.

 

Luiz Eça é jornalista.

Website: Olhar o Mundo.

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