Guerra civil no Mali fortalece a Al-Qaeda

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Luiz Eça
11/06/2012


 

Tida como uma democracia modelo, o Mali está agora dividido em três partes, cada uma dominada por grupos rivais que ameaçam incendiar o país. Em março deste ano, pouco antes da data marcada para as eleições, o regime do presidente Touré foi derrubado por um golpe militar. O motivo alegado foi a fraqueza com que o governo vinha enfrentando a secessão das províncias do norte.

 

Os golpistas formaram uma junta para dirigir o país, comandada pelo capitão Sanogo. Diante da reação da ECOWAS (Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental), que ameaçaram com sanções, o capitão Sanogo concordou em entregar o poder a Dioncounda Traoré, o presidente do Congresso, que deveria exercê-lo por prazo curto, marcando-se então novas eleições.

 

Mas por acordo dos políticos locais, a interinidade de Traoré foi estendida para um ano, o que provocou uma passeata de protesto, com os manifestantes invadindo o palácio presidencial e espancando o presidente.

 

Assustado, Traoré viajou para a França, onde foi se tratar dos ferimentos recebidos. A Junta reassumiu o governo, acusada pela ECOWAS de ter organizado o protesto.

 

Enquanto o caos se instaurava na capital Bamako, no norte a situação era ainda mais perturbadora. Milicianos tuaregues que participaram das lutas na Líbia, em defesa do coronel Kadafi, voltaram poderosamente equipados com as armas que o ditador deposto lhes fornecera.

 

Eles fundaram um movimento, o MNLA (Movimento Nacional de Libertação de Azawad), e trataram de tentar realizar um objetivo perseguido há muito tempo: proclamar o norte do Mali como estado independente. Com o mesmo objetivo, um grupo radical islâmico, ligado a Al-Qaeda, o Ansar Dine, também invadiu a região.

 

Cada um por seu lado, os dois grupos derrotaram as tropas do governo, ainda no tempo do governo Touré, e rapidamente conquistaram todo o norte do Mali, uma região cuja área é maior do que a da França.

 

Como na capital se estabelecera um vácuo de poder, o exército do governo central retirou-se do norte. E os rebeldes aproveitaram para consolidarem suas posições.

 

Foi tentado um acordo entre os dois grupos. Mas não deu certo. Os tuaregues, embora de religião islâmica, rejeitam a imposição das leis da Sharia, já que, segundo seu porta-voz, Mossa Attaher, “aceitamos a idéia de um Estado islâmico, mas deve ficar escrito que praticaremos um islamismo moderado e tolerante”.

 

Outro fator de discórdia foi a disposição dos tuaregues de combaterem o terrorismo. Tais posições não poderiam ser aceitas pelos radicais do Ansar Dine. Na região dominada por eles, Timbuktu é a principal cidade. Lá, onde antes havia um ambiente liberal, que a fazia procurada por muitos turistas europeus, foram impostas as leis da Sharia.

 

As mulheres são obrigadas a usar véus que cobrem o rosto, o rádio não toca músicas, cigarros são proibidos, bares foram demolidos.

 

A nova ordem está provocando a fuga de grande número de habitantes da cidade. Timbuktu hoje tem o aspecto de uma cidade fantasma, com a maioria das lojas fechadas e as ruas desertas.

 

“Quando você aceita o Islã,” diz Sanda Ould Boumana, porta voz do Ansar Dine, “você tem de aceitar a Sharia. Se a Sharia nos obriga a cobrir as mulheres, nós somos obrigados a aplicar esta regra”.

 

O movimento não faz parte da rede Al Qaeda, mas mantém com ela estreitos laços de amizade. “A Al-Qaeda são nossos irmãos islâmicos”, explica Boumana.

 

Por enquanto, os dois grupos instalados no norte não entraram em conflito, mas isso não deve tardar já que não quiseram se aliar. O inimigo comum, o exército do governo legal, ainda está dividido entre a Junta Militar e as forças que apóiam o presidente Traoré.

 

É possível que, antes de disputar o norte com os tuaregues do MNLA, os radicais do Ansar Dine aproveitem a fragmentação do exército do governo central para invadir o sul que está sob o controle dele. Ao que tudo indica, seu objetivo é tomar todo o Mali, não se conformam com as áreas do norte que ocupam.

 

Já os tuaregues do MNLA não têm as mesmas ambições. Historicamente, seu alvo tem sido sempre a fundação de um Estado independente no Saara, a região onde vivem há centenas de anos.

 

Com os três grupos empenhados em defender interesses opostos, as perspectivas de paz no Mali não são das melhores.

 

Acredita-se que, com a volta de Traoré da França e a pressão conjunta da ECOWAS e da ONU, se chegue a uma certa estabilidade. O governo central poderá efetuar uma concentração de tropas capaz de enfrentar as ameaças que vêm do norte.

 

Mas não será nada fácil. As últimas notícias que chegam revelam que os tuaregues estão perdendo grande número de militantes para o Ansar Dine.

 

Por enquanto, o território dos radicais islâmicos ainda não é um santuário para a Al-Qaeda, de onde ela possa partir para realizar atentados no Magreb, na Somália e outras regiões da África. Impedir que isso aconteça deve estar nos planos do comando militar dos EUA no continente.

 

Luiz Eça é jornalista.

Website: Olhar o Mundo.

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