Correio da Cidadania

Iraque: americanos não querem sair

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Pelo “Status of Forces Agreement”, acordo firmado por EUA e Iraque, as tropas americanas deveriam retirar-se do Iraque até agosto de 2010, ficando apenas soldados para treinar os militares iraquianos, completando-se a retirada em fins de 2011.

 

Na campanha e depois, já no exercício da presidência, Obama garantiu que faria exatamente o que fora acertado. A primeira parte da promessa foi cumprida, digamos, mais ou menos.

 

Para justificar os 50 mil soldados que permaneceram em solo iraquiano, o presidente esclareceu que não se tratava de combatentes, seu objetivo seria não só o treinamento das forças iraquianas como também intervir em defesa do governo caso a democracia do país fosse ameaçada.

 

O que, aliás, até agora não aconteceu, embora aviões dos EUA tenham atacado alvos no Iraque e seus soldados tenham participado de missões de combate sem autorização do governo local, o que causou protestos no Parlamento.

 

Quanto à retirada total, a Casa Branca garante que é pra valer, enquanto generais e autoridades civis pressionam o governo do primeiro-ministro Maliki no sentido contrário. Antes de se despedir da Secretaria da Defesa, Robert Gates afirmou que, na verdade, o Iraque ainda não tinha plenas condições para cuidar da sua segurança. Portanto, o novo secretário, Leon Panetta (ex-diretor geral da CIA) viajou para Bagdá onde, conforme declarações suas, manteve conversações com autoridades locais para “...pressioná-las a tomar uma rápida decisão se querem ou não que tropas americanas fiquem no país”.

 

E o Almirante Mullen, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, advertiu o premier Maliki de que o Iraque não dispõe nem de uma força aérea “adequada”, nem de recursos de inteligência e logística, o que significaria “vulnerabilidades potenciais”.

 

Mas o que resultaria dessas “vulnerabilidades potenciais”? Incapacidade de enfrentar uma invasão? Do Irã jamais partiria, pois há firmes laços de amizade entre os xiitas que governam os dois países. Nem da Síria, cujo governo acaba de receber apoio de Bagdá na crise que enfrenta. Analisando as possibilidades dos outros países da região, fácil se chega à conclusão de que nenhum, nem remotamente, pode ou pretende invadir o Iraque.

 

O almirante Mullen foi insistente. Garantiu que a retirada total envolveria uma operação complexa que precisava ser planejada com larga antecedência. E, como um bom vendedor, informou que o governo de Bagdá teria poucas semanas para dizer se quer que tropas americanas não se retirem.

 

Isso foi em meados de julho. Já se passou bem mais de um mês, o prazo de Mullen venceu, o Iraque não se pronunciou e, mesmo assim, Jay Carney, porta-voz da Casa Branca, esqueceu a “urgência, urgentíssima”, ao proclamar que basta o Iraque dar o “sim” que Tio Sam fica.

 

Maliki bem que gostaria de atender logo a seus bons amigos de Washington. Mas é problemático. O povo iraquiano não vê a hora de os americanos saírem. Recentemente, uma demonstração nesse sentido reuniu 70 mil pessoas em Bagdá. E em várias outras cidades, massas de iraquianos saíram às ruas exigindo aos berros a partida total das forças yankees.

 

Motaqa Al-Sadr, líder de uma grande facção xiita, cujas milícias combateram as tropas dos EUA nas ruas, nos primeiros anos da ocupação, fez um alerta. Caso soldados americanos continuem no Iraque, mesmo como “treinadores”, serão alvo de ataques liderados por ele.

 

No outro extremo, o sunita Tarik Al-Hashemi, vice-presidente, também se manifestou pela retirada total e irrestrita. Para ele, somente a soberania completa tornaria o Iraque seguro, pois grande parte dos insurgentes não teria mais motivos para continuar agindo. Hashemi não ficou nisso: ”Espero que num futuro próximo, o Iraque esteja aberto à Rússia, Sudeste da Ásia e União Européia. Há muitas nações que têm tecnologia comparável à americana, com um preço menor.”

 

Tais coisas perturbam Maliki. Ele sabe que uma extensão do prazo dos soldados americanos fará o Iraque mergulhar na violência, o que o obrigará a tomar medidas repressivas também violentas e impopulares. Isso para não falar na inevitável e talvez pesadíssima perda de prestígio por contrariar a vontade expressa do seu povo.

 

De outro lado, ele teme que uma eventual partida dos americanos o deixe indefeso diante de forças políticas hostis, capazes de levantar a opinião pública contra ele por suas ligações com os EUA.

Aparentemente, Maliki já se decidiu. É sabido que vem mantendo negociações com autoridades americanas. Negociações que se arrastam...

 

Alguns temas não foram resolvidos: o tamanho das forças estrangeiras, as responsabilidades que assumiriam, a duração da sua permanência e se os soldados serão ou não submetidos às leis iraquianas. Mesmo chegando a um acordo, haverá novos obstáculos. É preciso conseguir a aprovação do Parlamento. O que parece difícil.

 

Aparentemente, Maliki procura adiar ao máximo a decisão. Argumenta-se que a recente escalada de atentados seria uma prova de que as forças iraquianas não estariam aptas a garantir a segurança do país. Daí, a necessidade de contarem com o apoio americano.

 

O problema é que esse apoio já existe e mesmo assim os atentados aumentaram numa escala que não se via há anos. A pergunta a ser feita é: por que justamente agora? Parece que eles foram planejados para criar a convicção de que o Iraque não pode passar sem a proteção das forças americanas.

 

A quem interessa que os americanos fiquem? Além da Casa Branca, que certamente não está atrás dos ataques, a Al Qaeda é um forte candidato. Matar os infiéis invasores americanos é a grande motivação usada pela Al Qaeda para recrutar jovens e conseguir a boa vontade de parte da população. Se Obama ordena a retirada, desaparece essa motivação. E a Al Qaeda tende a murchar.

 

Seja como for, uma coisa é certa: a sucessão de atentados num só dia foi obra dos terroristas do falecido Bin Laden e de outras organizações similares. Eles se realizaram pouco depois do anúncio de Abu Mohamad Adnani como chefe da Al Qaeda no Iraque. Previamente, durante semanas, os terroristas vinham informando em seu website que breve uma grande operação seria deflagrada.

 

E cumpriram sua promessa. Forneceram um bom argumento para Maliki pedir aos americanos que fiquem. Bem que Maliki gostaria de dar seu “sim”. Mas não depende só dele. Caso haja novas manifestações populares de grande impacto, os parlamentares terão dificuldades para aprovar o “fico” americano.

 

Afinal, a maioria deles pretende se reeleger.

 

Luiz Eça é jornalista.

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