Obama: words, words, words

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Luiz Eça
16/04/2010

 

Aproxima-se a reunião do Conselho de Segurança da ONU, que aprovará ou não sanções contra o Irã, e Obama repete incansavelmente: "quis negociar, fui paciente, mas Teerã se recusou. Agora, chegou a hora das sanções, embora eu esteja ainda de braços abertos para a diplomacia".

 

Estas afirmações foram multiplicadas pela grande mídia internacional, na melhor tática publicitária, adquirindo status de verdades indiscutíveis.

 

O presidente iraniano contestou tanta boa vontade na TV local: "Que mão vocês nos estenderam? O que mudou? Suas sanções foram levantadas? A propaganda adversa foi interrompida? A pressão foi aliviada?".

 

A verdade é que, apesar da hábil retórica do presidente dos EUA, a resposta para todas estas perguntas só pode ser um "não".

 

Alegam os EUA e aliados que ficaram praticamente provadas as más intenções do governo de Teerã com seu veto à solução proposta pela AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica), a troca do urânio iraniano de baixo enriquecimento por urânio enriquecido na França e na Rússia, nos teores exigidos para uso em medicina nuclear. Com essa medida, seria possível controlar os materiais nucleares iranianos, garantindo que não se destinariam ao fabrico de bombas.

 

Mas o Irã teve seus motivos para desconfiar de que França e Rússia cumprissem esse acordo.

Quando da revolução islâmica que derrubou o governo do xá, a França recusou-se a entregar ao Irã materiais nucleares já pagos e mesmo a devolver o dinheiro recebido. Sem contar que Sarkozy vem sendo um dos mais duros inimigos do governo dos aiatolás.

 

Por sua vez, a Rússia tem adiado sistematicamente, de modo suspeito, a entrega contratada ao Irã do seu avançado sistema de defesa anti-míssil S-300. A desculpa apresentada, "razões técnicas", é bizarra, pois Moscou acaba de fornecer sistema idêntico à China. O S-300 é extremamente eficiente, um poderoso escudo contra ataques aéreos, as tais ‘opções’ que, segundo Obama, "continuam sobre a mesa". Sabe-se que os EUA têm exercido pressão para que a Rússia falte a seu compromisso.

 

Embora sem lançar mão de criativas frases de paz como as do presidente americano, o Irã tem mostrado verdadeiro desejo de negociar. Aceitou a troca sugerida, desde que fosse em seu território e simultânea. Os EUA e seus parceiros europeus sequer responderam. Os iranianos melhoraram sua proposta. A troca continuaria sendo no Irã, porém, o urânio local (uma tonelada) ficaria armazenado e selado sob a guarda da AIEA. Nem assim o Ocidente se tocou.

 

Mais recentemente, a Turquia, com apoio do Brasil, sugeriu que a troca se realizasse em seu país (sempre sob guarda da AIEA). Convém notar que a Turquia é neutra, aliada tanto dos EUA quanto do Irã. O silêncio continuou vindo do Ocidente.

 

Por sua vez, o governo brasileiro insistiu. Aproveitou a visita ao país do novo presidente da AIEA para trazer à baila a idéia turca. Mais uma resposta bizarra: "não estou preparado ou não tenho suficiente apoio para apresentá-la aos EUA e seu grupo".

Novas evidências surgiram de que, ao contrário do que afirma, Obama não quer saber de negociações, tomado que está por uma obsessão, por sanções desta vez paralisantes ("crippling").

 

Na recente Cúpula de Segurança Nuclear, Obama convidou chefes de estado de 47 países possuidores de arsenais nucleares. Além da Coréia do Norte, deixou o Irã de fora. Ora, o principal objetivo da reunião era tomar decisões para impedir terroristas de se apossarem de bombas atômicas. Havia motivos de sobra para o Irã estar presente: seu arsenal nuclear, sua proximidade física às zonas de atuação da Al Qaeda e conexas, a necessidade de o país integrar-se nas ações preventivas que seriam tomadas, além de ser uma oportunidade única de discutir pessoalmente com Ahmadinejad soluções para o dilema nuclear iraniano.

 

O que interessava a Obama era fazer pressão em favor das sanções, nas conversas bilaterais com os presidentes convidados, e conseguir o apoio das nações "responsáveis" para proteger o mundo contra as ambições nucleares dos grupos terroristas.

 

Foi mal sucedido no primeiro objetivo. A China, anunciada euforicamente por autoridades americanas e pela grande mídia internacional como aderente às sanções, no dia seguinte desmentiu. A Rússia permanece indecisa entre as vantagens de agradar os americanos ou os iranianos (com quem tem feito grandes negócios). O Brasil e a Turquia continuaram firmes contra as sanções e, imagine a audácia, insistiram em defender seu plano de troca na Turquia, ao qual Obama não concedeu sequer uma resposta.

 

O segundo objetivo foi conseguido apenas em parte. Israel não só se recusou a assinar o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares, como também não aderiu ao pacto, perfilhado por todas as outras nações, para permitir o controle internacional do seu arsenal nuclear a cada quatro anos.

 

Como se sabe, Israel tem de 100 a 200 engenhos nucleares, mas quando inquirido sobre esse assunto adota uma atitude ambígua: não diz nem "sim" nem "não".

 

Esperava-se que, depois de todo o empenho do presidente americano em garantir a segurança nuclear mundial, ele pressionasse o governo de Telaviv. Mas isso não aconteceu. De acordo com o vice-primeiro-ministro israelense, Danny Ayalon, Obama nunca solicitou que o país mudasse sua política de ambigüidade nuclear.

 

Pode parecer estranho que os EUA sejam duros com o Irã, defendam sanções capazes de desestabilizar sua economia, somente porque suspeitam que ele pretenda produzir bombas atômicas, enquanto defendem que Israel, que já possui na certa um poderoso arsenal nuclear, possa mantê-lo secreto.

 

A desculpa apresentada é que Israel seria um país democrático, confiável, não irá usar suas bombas atômicas em vão. Já o Irã seria governado por uma ditadura sanguinária, que jura diariamente aniquilar os judeus - o que poderia fazer logo que tivesse suas bombas atômicas.

 

Os fatos divergem destas proposições. O governo islâmico do Irã jamais atacou um país estrangeiro, enquanto que Israel já atacou o Líbano duas vezes, e a faixa de Gaza, onde cometeu crimes de guerra, segundo inquérito da ONU.

 

Enquanto Ahmadinejad já afirmou inúmeras vezes que não pretende atacar Israel - não é louco, o adversário é mais forte e tem ainda o apoio dos EUA –, o governo israelense fartou-se de ameaçar o Irã com bombardeios.

 

Enquanto não chega a fatal reunião do Conselho de Segurança, os iranianos preparam-se para a próxima rodada do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares. Sabem que os americanos e aliados deverão acusá-los de desrespeitar compromissos assumidos com o tratado. Pretendem contra-atacar, apresentando evidências de que os EUA e a Inglaterra também fizeram o mesmo.

 

Esperam, assim, ficarem em boa posição para rediscutir sua proposta de troca do urânio em seu território, sob guarda e responsabilidade da AIEA.

Há uma certa ingenuidade nisso. A História recente tem mostrado que, para as grandes potências, as normas internacionais não têm validade quando contrariam seus interesses.

 

Luiz Eça é jornalista.

 

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