Irã: revolução e reforma

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Luiz Eça
03/07/2009

 

Em 1953, os serviços secretos americano e inglês organizaram um golpe que derrubou o governo democrático do primeiro-ministro Mossadegh. O motivo foi ele ter estatizado o petróleo, a principal riqueza iraniana, passo fundamental para seus planos de desenvolvimento.

 

Quem o substituiu com apoio de Washington foi o xá Reza Pahlevi que, governando ditatorialmente, pretendeu ocidentalizar o Irã à força, usando sua polícia secreta, a Savak, para prender e torturar seus adversários.

 

Mas pela força do islamismo, o xá não ousava impedir reuniões políticas nas mesquitas. Com isso, os clérigos tornaram-se os líderes da oposição que em 1979 promoveu uma revolução vitoriosa, com total apoio da população.

 

A chamada "República Islâmica" colocou no poder os clérigos mais proeminentes, os aiatolás. Tratou de extirpar todos os resquícios da cultura ocidental imposta pelo xá, estabelecendo a Sharia (conjunto de leis do Alcorão) como lei fundamental do país.

 

Para manter sua hegemonia, os aiatolás criaram o cargo de Líder Supremo, conferido a Khomeini, a quem estavam submetidos a Presidência, o Judiciário, o Legislativo e o Exército, e os Conselhos dos Guardiães e dos Especialistas, ambos com ampla gama de poderes. Caberia, ainda, à Polícia da Moral zelar para que os cidadãos cumprissem os preceitos do Alcorão, tais como o uso do hijab (véu) pelas mulheres. O grande respeito popular pelos aiatolás deu respaldo à assim chamada "República Islâmica".

 

Ela foi muito importante para manter a unidade do país, dividido em várias etnias, e motivar o povo durante a guerra contra o Iraque, de Saddam Hussein, apoiado pelos Estados Unidos, a União Soviética e a Arábia Saudita. Essa guerra durou oito anos (1980-1988) e custou cerca de 1 milhão de vítimas ao Irã e perdas de 150 bilhões de dólares, atrasando o desenvolvimento dos dois países em décadas.

 

Moussavi era primeiro-ministro durante esse período. Sua eficiente administração foi responsável por manter a economia funcionando e por uma justa distribuição de alimentos e demais bens entre a população durante a guerra. Logo após a paz, Khomeini morreu e Ali Kamenei foi eleito em seu lugar, em 1989. Enquanto ele pertencia à ala direita dos aiatolás, Moussavi era da esquerda e foi obrigado a demitir-se, afastando-se da política.

 

De 1989 para cá, o Irã vem sendo governado pelos aiatolás conservadores, que mantiveram rigorosamente a Sharia, com Kamenei sempre como Líder Supremo. Mesmo quando o moderado Khatami elegeu-se presidente durante dois períodos, pouco pôde fazer para reformar o país, devido à sua posição de subordinação a Kamenei e ao Conselho dos Guardiães.

 

Como seus antecessores na presidência, Ahmadinejad tem realizado um esforço consciente para completar a revolução industrial e tornar o país uma potência econômica. Assim, nestes 30 anos de República Islâmica, o Irã cresceu, a economia baseada no petróleo e no gás gerou muitas empresas, formando-se uma burguesia industrial forte, surgiu uma grande classe média de profissionais liberais e técnicos e expandiram-se as universidades, com grande participação feminina.

 

Esses grupos acham que a Revolução Islâmica já cumpriu seu papel. É hora de avançar a passos mais largos no caminho do desenvolvimento e das liberdades. Este o sentido da candidatura Moussavi. Seu programa deixava isto muito claro.

 

Os principais objetivos eram: promover a justiça social, a igualdade e a liberdade de expressão, eliminar a corrupção, acelerar o processo de privatização (60% das empresas são estatais) e acabar com a "economia baseada na caridade", referência aos subsídios e controles de preço do governo Ahmadinejad.

 

Pretendia também mudar a constituição para permitir a propriedade privada das redes de televisão, passar o controle do Judiciário do Supremo Líder para o Presidente e fechar a Polícia da Moral.

 

Quanto ao programa nuclear, com Moussavi seria mantido, porém, com garantias de que seria sempre usado para fins pacíficos.

 

Alem disso, ele propunha leis para acabar com a discriminação das mulheres e lhes garantir igualdade com os homens.

 

No plano internacional a idéia era atuar para reduzir as tensões e realizar negociações com Obama caso "seus atos estivessem de acordo com suas palavras". Por fim, condenava as posturas de Ahmadinejad diante do Holocausto.

 

Por sua vez, Ahmadinejad faz um governo claramente populista. Ele forçou os bancos públicos e privados a baixarem juros, reduzindo seus lucros, subsidiou empresas, controlou preços e aumentou os rendimentos e pensões dos trabalhadores. Seus adversários dizem que esta "economia de caridade" é responsável pelo medíocre crescimento do país, mesmo nos anos em que o preço do petróleo estava nas alturas, responsável pelo desemprego que foi de 10,5% no começo do governo Ahmadinejad, agora em 17%, além da elevada inflação de 24%.

 

Ahmadinejad defende que os lucros do petróleo sejam divididos entre os pobres, enquanto que para Moussavi deveriam destinar-se a melhorar a infra-estrutura do Irã e adquirir equipamentos e maquinaria que gerassem os novos empregos de que os pobres carecem.

 

Por aí se vê que quando Obama declarou que os dois candidatos eram a mesma coisa estava falando besteira. Na verdade, enquanto Ahmadinejad quer conservar a República Islâmica tal como está, Moussavi queria secularizá-la, trazer um sopro de modernização para acelerar o processo da revolução nacional iraniana.

 

O resultado verdadeiro das eleições permanece uma incógnita. É verdade que Ahmadinejad, por pesquisa da insuspeita ONG "Terror Free Tomorrow", em maio, teve 34% das intenções de voto contra 14% de Moussavi. No entanto, na mesma pesquisa, 60% dos 49% de indecisos declaram-se a favor das idéias do oposicionista. A tendência da maioria desse grupo seria votar nele. Com isso, pode-se supor que Moussavi poderia obter uma votação suficiente para forçar um 2º turno.

 

Luiz Eça é jornalista.

 

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