Correio da Cidadania

Governo extremista pode desmascarar Israel

0
0
0
s2sdefault

A chegada ao poder do novo governo de Israel, o mais direitista da história, está assustando a opinião pública mundial.

Pelas credenciais dos partidos ultradireitistas que integram a nova coalizão governamental, está pintando a radicalização do apartheid, da violência do governo e do seu desrespeito aos direitos humanos dos palestinos, cada vez mais sujeitos a discriminações, perda de bens, repressão implacável, entre outras posturas fascistas.

Na verdade, tudo isso já existe no Estado de Israel, obra dos grupos políticos que já o governaram, desde os esquerdistas do Mapal até os direitistas do Likud, passando por centristas e coalizões, cuja ideia central era apenas derrubar Netanyahu.

Fascistização

As dúvidas quanto ao apartheid de Israel desfizeram-se em duas leis:

– Em 4/6/2017, o Praesidium (formado pelo presidente e os vices do Parlamento) anulou proposta de lei que definia “Israel como um Estado de todos os seus habitantes”, coisa que nunca foi;

– Em 2018, a Lei do Estado Nacional de Israel reconheceu o país como o Estado do povo judeu, que tem direito exclusivo à autodeterminação nacional.

Para assegurar sua ideologia de supremacia judaica, o regime sionista não tem vacilado em passar por cima dos direitos civis dos palestinos, conforme relatório da respeitada ONG Human Rights Watch. Ele informa que Israel é culpado em pelo menos cinco categorias das principais violações dos direitos humanos internacionais: execuções ilegais, deslocamentos forçados de palestinos, detenções abusivas, o bloqueio de Gaza, o desenvolvimento dos assentamentos e políticas que discriminam os palestinos (The Guardian, 12-6-2017).

O direito dos palestinos de levarem uma vida normal em Israel vem sendo sistematicamente obstaculizado pela demolição de suas casas sob a alegação de que foram construídas sem licença oficial.

Licença que raramente lhes é concedida. Diz a ONU: entre 2010 e 2014, Israel atendeu apenas 1,5% dessas solicitações (Middle East Eye, 14-3-2018).

Entre 1947 e 2017, centenas de milhares de palestinos foram desalojados à força dos seus lares e terras. para a construção de assentamentos judaicos na Cisjordânia ou como “punição” a familiares de terroristas, ainda que nenhum deles tivesse qualquer relação com a atividade criminosa de um dos outros membros. Diz relatório do Escritório da ONU de Coordenação de Assuntos Humanitários que, entre 1967 e 2017, Israel já demoliu 48.743 casas e outras construções de palestinos, delas expulsados a força.

Os 500 mil beduínos do deserto de Negev foram alvo especial da política desumana do regime sionista. Eles têm uma das mais altas taxas de natalidade do mundo, dobrando de população a cada 12/15 anos, o que se choca com a meta sionista de reduzir ao máximo o número dos indesejáveis palestinos.

Para cumpri-la, foi posto em ação um plano de destruição de aldeias de beduínos gerido pela chamada “Autoridade para Solução dos Assentamentos Beduínos no Deserto de Negev (Middle East Eye, 11-12-2018)”.

Dezenas de aldeias já sumiram da superfície da Terra, sendo seus habitantes beduínos expulsos pelo exército, o que abre espaço para acampamentos das tropas militares ou assentamento judaicos. Ilegais pela maioria dos países do mundo (inclusive os EUA) os assentamentos espalham-se pela Cisjordânia. Hoje são 140 – além de mais de 100 postos avançados, fora da lei até por Israel - com população estimada em cerca de 500 mil israelenses.

Pela prática de inúmeros atos ilegais e violadores dos direitos humanos e das leis internacionais, o regime sionista já foi condenado por 28 resoluções do Conselho Internacional da ONU, apoiadas por quase todas as nações.

Nessas resoluções, o governo tem sido intimado a mudar seus comportamentos condenáveis. Israel nunca obedece.

A lei da ONU dá força à entidade para agir energicamente. Israel deveria sofrer sanções econômicas, diplomáticas e até militares. Estranhamente isso nunca aconteceu.

Apesar das violações dos direitos humanos e transgressões das leis internacionais, repetidamente condenadas pela ONU e publicadas pela imprensa, a impunidade israelense se mantém.

Por que a comunidade internacional não faz nada?

Na violação da soberania ucraniana pela Rússia, os EUA e a Europa enviaram e seguem enviando bilhões de dólares em equipamentos militares para o governo Zelensky resistir.

Visando forçar Putin a desistir de sua empreitada criminosa, Biden e aliados lançaram as mais pesadas sanções contra a Rússia, alvejando diretamente sua economia e o bem-estar do seu povo.

Em outra situação semelhante, Israel invadiu a Síria e tomou a força a região de Golã, parte do território do país. A seguir, os camponeses sírios foram expulsos e estão sendo substituídos por colonos israelenses. E o Golã foi anexado a Israel.

Como na invasão da Ucrânia, a reação da comunidade internacional foi condenar e não reconhecer a anexação. Mas, ao contrário da assertividade exibida na punição aos russos, no caso do Golã o invasor israelense não sofreu uma única sanção. Nas três guerras de Gaza, Israel pintou e bordou.

A exemplo do que a Rússia está sendo acusada agora, o regime sionista bombardeou áreas de grande concentração demográfica, matou milhares de civis, destruiu os serviços de água e energia elétrica, reduziu a escombros hospitais, escolas, oficinas e mesquitas.

Os líderes ocidentais ignoraram estas devastações. Pelo contrário: culparam os palestinos, sob a justificação de que “Israel tem o direito de se defender”.

Afinal, tratava-se de uma democracia liberal, a única no Oriente Médio. Na verdade, uma imagem cuidadosamente planejada e desenvolvida internacionalmente desde a criação do Estado de Israel, em 1948.

Para conquistar credibilidade, os governos israelenses costumam racionalizar suas malasartes, com argumentos bem construídos, apoiados por políticos amigos no exterior, além de veículos da grande mídia, que os divulgam em todo o mundo.

De cara, Israel conta com a simpatia do Ocidente, tomado de sentimento de culpa por ter fechado os olhos no início das perseguições antissemitas do nazismo de Hitler.

Em diversas ocasiões, quando ações israelenses - como a expansão dos assentamentos ou o ataque pirata à “flotilha da liberdade” - são tão claramente ilegais e desumanos que os estadistas ocidentais se veem obrigados a criticar Israel e ordenar, através da ONU, que Israel acabe com suas malfeitorias.

Tais recomendações jamais são aceitas pelo regime sionista. E o Ocidente se mantém omisso e segue a por nas alturas a imagem israelense.

Esta concepção fake, na qual Israel finge que é uma democracia liberal e o Ocidente finge que acredita, está sob risco de ser profundamente alterada.

Racistas descarados no poder

Os dois partidos de extrema direita, que integram a coalizão do novo primeiro-ministro Netanyahu, têm posições nitidamente fascistas. Seus chefes defendem a supremacia judaica no território entre o Mediterrâneo e o Rio Jordão, livre do maior número possível dos incômodos palestinos, enquanto os que ficam só serão admitidos como cidadãos de segunda classe.

São ideias que combinam avanços totalitários com radicalização da desumanidade de ações discriminatórias de governos anteriores.

Um dos seus expoentes, Itamar Ben Gvir, líder do partido Poder Judaico, é um entusiasta das ideias do rabino Kahane, que pregava a expulsão de todos os palestinos de Israel. Tinha em parede de sua casa o retrato de Goldstein, assassino à bala de dezenas de palestinos, que oravam numa mesquita.

Em 2007, Gvir foi condenado por incitação ao racismo, destruição de propriedades palestinas, posse de material de propaganda de organização terrorista e apoio a essa organização.

Depois de solto, defendeu a pena de morte a terroristas palestinos, expulsão de árabes considerados desleais ao Estado e a mudança das regras das forças de segurança para poderem atirar e matar palestinos à vontade (Times of Israel, 10/11/2022).

Em outubro de 2022, Gvir participou ativamente dos conflitos árabe-judaicos, nas vizinhanças de Jerusalém Oriental. Foi visto brandindo uma arma e gritando para os policiais abrirem fogo contra atiradores de pedras palestinos.

Seu parceiro, Besalel Smotrich, que chefia o Sionismo Religioso, partilha das mesmas ideias de Ben-Gvir, porém, se dedica com especial interesse à perseguição dos homossexuais. “Sou um homofóbico orgulhoso”, afirma sem constrangimento, “anti-LGBTQ (The New York Times, 14/11/2022)”.

Para Smotrich, o Velho Testamento deveria ser a base do sistema jurídico nacional. Afirmou que as construtoras judaicas não deveriam vender casas para árabes e que o casamento homoafetivo era ainda mais execrável porque os LBGT não passam de seres anormais.

Racista convicto, Goodrich dirigiu-se aos palestinos nos seguintes termos: “Vocês estão aqui por um erro, porque Ben Gurion (primeiro governante de Israel) não terminou seu trabalho em l948 e jogou vocês para fora”.

Bibi (apelido do premier Netanyhau) concedeu aos grupos fascistas importantes posições que lhes permitirão exercer influência direta nas políticas do governo sionista. Smotrich, além de nomeado ministro das Finanças, será também um segundo ministro da Defesa, com a função de supervisionar a Cisjordânia, assumindo a responsabilidade sobre a administração civil e coordenação das operações do governo, definidas por ele e Netanyahu.

Por sua vez, Ben Gvir ganhou o ministério da Segurança Nacional, com superpoderes, tais como a supervisão das diversas polícias do Estado, inclusive a Polícia das Fronteiras, e as forças de segurança que controlam a região da mesquita Al Aqsa, em Jerusalém.

Bem antes do anúncio oficial do novo ministério, os chefões da ultradireita já estavam alinhavando medidas destinadas a aprofundar o abismo que separa os privilegiados cidadãos judeus dos oprimidos palestinos.

No acordo celebrado entre os partidos de Gvir e Smotrich com o Likud, do governo Netanyahu, foi aprovada a “Judaização da Galileia e do Negev,” regiões de Israel com grande população palestina.

Para eliminar esta desconfortável situação demográfica, a facção dos extremistas pretende fortalecer os assentamentos judaico, oferecendo vantagens econômicas aos judeus que se mudarem para as duas regiões.

Isso exigiria uma limpeza racial, livrar-se de um grande número dos habitantes palestinos, através de confiscos de suas terras, demolições de suas casas e criação de obstáculos à fundação de novas aldeias por eles.

Eventuais atos de rebeldia dos habitantes palestinos serão tratados com a devida repressão, violenta, se conveniente. Essa questão é da alçada do ministro Ben Gvir, que tem suas digitais no “Plano de Judaização da Galileia e do Negev”, do qual foi coautor.

Será ele também o responsável pela execução de um projeto dos ultras, que já vai à discussão no Parlamento: a imunidade dos policiais de Israel.

Transformado em lei, garantirá sinal verde para soldados e policiais israelenses ferirem ou matarem palestinos suspeitos de sedição na Cisjordânia ocupada e no Estreito de Gaza (New Arab, 29/12/2022).

Tragédia anunciada

No novo governo, os palestinos internados nas prisões do Estado não estão propriamente de parabéns.

A nomeação de Ben Gvir para Ministro da Segurança Nacional coloca sob suas ordens todas as instalações penitenciárias do Estado de Israel (The New Arab 20/12/2022).

Ele informou que irá tornar muito mais severas as condições das prisões. Estima-se que serão cerca de 10 vezes mais cruéis do que as atuais. Péssima notícia para os 4.700 palestinos hospedados compulsoriamente nesses estabelecimentos.

No dia 28 de dezembro, véspera da sua posse como primeiro-ministro de Israel, Netanyahu já foi anunciando as linhas básicas do seu governo:

1. O povo judeu tem direito exclusivo e indiscutível a todas as áreas no território de Israel.

2. O governo promoverá e desenvolverá assentamentos em todas as partes das Terra de Israel: na Galileia, Negev, Golã, Judeia e Samaria. A Cisjordânia é constituída pelas duas últimas regiões.

Informou-se ainda, que a ampliação dos assentamentos em toda a Cisjordânia ocupada está em primeiro lugar na sua lista de prioridades (al Jazeera, 28/12/2022).

A Cisjordânia, por consenso internacional, deveria ser a terra do futuro Estado independente da Palestina.

A expansão dos assentamentos por toda a região acabará deixando esse sonhado Estado sem espaço para ser fundado.

A decisão de Bibi significa a última pá de terra no enterro da solução dos “2 Estados independentes”, desejada por Biden e a União Europeia.

A decisão de Bibi não surpreende ninguém. Ele sempre rejeitou a independência palestina, embora prometesse o contrário para agradar aos norte-americanos.

Em junho de 2020, pretendeu anexar 1/3 da Cisjordânia, deixando o resto para os palestinos fundarem seu país, enquanto os que habitassem Israel não teriam direito à cidadania.

Mesmo quando estava apenas na esfera das intenções de Netanyahu, houve críticas de muitos chefes de governo, inclusive Boris Johnson, então primeiro-ministro da Inglaterra, tradicional aliado de Telavive.

Bibi só desistiu porque seus parceiros na coalizão que governava Israel na época, o centrista partido Azul e Branco, mais o amigável presidente Trump, acharam difícil de engolir.

Netanyahu volta agora a apresentar a mesma ideia de anexação, só que reforçada como prioritária – o que significa de execução rápida – e estendida a todo o país – o que impede de vez a fundação de um Estado palestino.

Desta vez, as chances serão totais, pois Bibi está muito mais poderoso. Tem maioria no Congresso, graças ao apoio de partidos solidários com suas ideias, baseadas num nacionalismo fascista e numa religião eivada de princípios reacionários.

Consequências

Uma vez aprovado, não daria mais para se sustentar a ficção do Israel democrático e o prestígio do regime sionista iria para o lixo.

Até hoje, a maioria dos países do Ocidente, embora criticando excessos pontuais do regime sionista, tende a acreditar nas virtudes democráticas israelenses.

Com a anexação, o apartheid de Israel será desmascarado. E os estadistas do Ocidente não poderão mais fazer de conta que o país é democrata e liberal.

Diante da folha corrida dos tipos que Bibi colocou em posições chave, é possível esperar por mais leis racistas, ações policiais e militares particularmente desumanas e infrações de leis internacionais, inclusive crimes de guerra.

Choverão condenações de líderes internacionais e o país se tornará um pária, com a degradação de suas relações com os países, especialmente do Ocidente.

Haverá recomendações duras do Conselho de Segurança da ONU. Provavelmente desrespeitadas pela onipotência dos supremacistas israelense, gerarão sanções. Claro, desde que Biden não vete. O que é duvidoso. Ele já declarou que julgará o governo de Israel baseado nas suas políticas, não em personalidades individuais.

J Street, ONG judaico-americana liberal, corrige: “não é exagero afirmar que piromaníacos estão recebendo responsabilidades por uma situação já incendiária e deteriorada na Cisjordânia e Jerusalém Oriental (Al Jazeera, 29/11).

As expectativas do corajoso jornalista israelense Gideon Levy são graves: “ameaças estarão à espreita de todos os lados: destruição do sistema judiciário, prejuízos às minorias, uma vergonhosa intensificação da supremacia judaica, a mão pesada da religião na vida diária e uma ocupação mais cruel para os palestinos. (Middle East Eye, 16/12/2022).

*Gostou do texto? Sim? Então entre na nossa Rede de Apoio e ajude a manter o Correio da Cidadania. Ou faça um PIX em qualquer valor para a Sociedade para o Progresso da Comunicação Democrática; a chave é o CNPJ: 01435529000109. Sua contribuição é fundamental para a existência e independência do Correio.

*Siga o Correio nas redes sociais e inscreva-se nas newsletters dos aplicativos de mensagens: 
Facebook / Twitter / Youtube / Instagram / WhatsApp / Telegram

Luiz Eça

Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.

Luiz Eça
0
0
0
s2sdefault