Correio da Cidadania

Violência sem limites contra os anseios palestinos

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“A morte de palestinos é aceita em Israel mais facilmente do que a morte de mosquitos”.

São palavras de Gideon Levy, para muitos o mais odiado e mais heroico cidadão de Israel. Escritor e jornalista, ganhador de quatro prêmios internacionais de jornalismo, Levy ficou indignado com a repressão de Israel à manifestação pacífica de habitantes de Gaza, junto à fronteira com Israel.

Sua afirmação parece exagerada, mas ele se explica: “A maioria dos israelenses, que nunca falou com um único morador de Gaza, só sabe que Gaza é um ninho de terroristas. Eis porque é certo atirar neles. Chocante? Sim, mas verdadeiro”.

É o resultado da campanha maciça dos políticos e da imprensa israelense para vender essa ideia.

Colaboraram bastante os atentados e os lançamentos de mísseis pelos rebeldes, e, mais recentemente, a onda de esfaqueamentos de israelenses por árabes radicais.

Nesse clima de medo e ódio vigente em Israel, Netanyahu deu mais um passo na sua escalada para aniquilar de vez todas as esperanças do povo palestino.

Decidiu reprimir de forma inusitadamente brutal a manifestação de protesto, junto à fronteira entre Gaza e Israel, para a qual se esperava a presença e dezenas de milhares de palestinos.

Contava em que seria, mais do que nunca, celebrado como defensor da segurança do seu povo. E apoiado fielmente pelos EUA, seja qual a violência contra os direitos humanos e as leis internacionais que praticasse.

Numa avant-pemiére do que Israel faria contra os palestinos que aderissem ao movimento, o porta-voz do primeiro ministro postou um vídeo que mostrava um homem sendo alvejado nas pernas. Com o comentário: “isto é o mínimo que alguém que tentar cruzar a cerca de segurança Gaza/Israel irá enfrentar”.

Obedecendo a ordens superiores, os oficiais do exército de Israel prepararam os soldados para a repressão da manifestação.

Eles foram instruídos a usar munição real e dispararem contra quem se aproximasse da cerca, que divide as duas regiões, e contra os “provocadores”, possivelmente membros do Hamas (Middle East Eye, 3 de abril).

Além disso, o general Gadi Eisenkor escalou 100 atiradores de elite (snipers) para, de acordo com suas palavras, bloquear “infiltrações em massa” e danos à cerca na fronteira, informando: “as ordens eram para se usar de muita força”.

A chamada “Marcha do Retorno” tinha sido programada para ser um movimento não violento, pacífico.

E assim, no dia 30 de março, 30 mil palestinos reuniram-se em frente à cerca que divide Gaza de Israel para protestar contra a expulsão por Israel, em 1948, de centenas de milhares de famílias palestinas de seus lares e terras.

O exército de Israel os recebeu à bala, matando 20 palestinos e ferindo cerca de 900.

Isso por enquanto (até 6 de abril), pois os manifestantes devem continuar acampados até 15 de maio, dia da Nakba (catástrofe, em árabe) – que lembra o êxodo forçado dos palestinos.

Israel diz que agira para impedir que os dito “provocadores” derrubassem a cerca que separa Gaza de Israel e penetrassem no país, ameaçando a segurança da população israelense.

Na verdade, os palestinos se limitaram a agitar bandeiras, entoar hinos e “lançar” protestos, nada muito perigoso, portanto.

Nada que justificasse que os soldados atirassem na população desarmada.
O exército israelense afirmou que partiram dos palestinos alguns tiros, além de pedradas.

Mas o reconhecidamente independente Human Rights Watch informou que Israel não apresentou nenhuma evidência de muitas pedradas e de outras violências contra os militares.

Eventualmente, alguns palestinos podem ter chegado a menos de 150 metros da cerca, entrando na área considerada “terra de ninguém” pelas autoridades de Israel.

Como num caso noticiado pela BBC: “o primeiro a morrer foi Omar Samour, um fazendeiro palestino assassinado quando trabalhava em suas terras perto de Khan Younis, sexta-feira cedo, antes dos protestos começarem”.

Diante das ordens e incentivos que os soldados receberam, ficou claro que os tiros foram intencionais.

O objetivo das autoridades de Israel era mesmo dar uma lição duríssima aos rebeldes palestinos de Gaza, matando e ferindo indiscriminadamente.

“Os soldados de Israel não estavam apenas usando força excessiva, mas sim agindo em obediência a ordens que tudo deveria ser feito para garantir uma reação sanguinária dos militares à demonstração dos palestinos”, afirmou Eric Goldstein, judeu, vice-diretor do Human Rights Watch para o Oriente Médio. E ele completou: “o resultado previsível foi mortes e ferimentos entre os manifestantes, que não representavam nenhuma ameaça iminente à vida no outro lado da fronteira”.

E o espantoso é que tanto o governo de Telavive quanto o exército de Israel não negaram a premeditação.

Num tuíte, oficiais assumiram total responsabilidade pelos assassinatos, afirmando que “tudo foi preciso e avaliado e nós sabemos onde exatamente cada bala acertou”.

Quase a totalidade da imprensa somou com eles. Veja o que disse editorial do News National Israel: “A liderança palestina queria fotos de corpos mortos sujando o campo e, pela primeira vez, no interesse do nosso povo, nós devemos lhes dar isso. Eles não achavam que nós teríamos colhões para alvejá-los em números maciços, nossa hesitação os animou a nos atacar”. E o redator terminou o texto com o seguinte apelo aos soldados: “atirem para matar. Nada menos do que isso”.

Parece que foi atendido. Houve vozes discordantes.

Kobi Meidan, conhecido jornalista da Rádio do exército de Israel, postou no Facebook que se sentia “envergonhado de ser israelense”, depois de saber que 15 moradores de Gaza tinham sido alvejados até a morte durante os protestos em massa. Por ordem do comando do exército, seus programas foram tirados do ar.

A maioria dos partidos políticos também aplaudiu a matança. Mas, nem todos, além dos partidos de esquerda e dos árabes israelenses, o Labour também condenou. Num tuíte, o líder do partido, Avi Gabbay disse: “tenho muito orgulho de ser israelense, mas me oponho fortemente à repressão à liberdade de expressão (Haaretz, 3 de abril)”.

O B´Tselem, tradicional movimento de direitos humanos judaico, que havia, previamente, alertado quanto aos preparativos e ameaças israelenses “de atirar para matar palestinos desarmados”, protestou: “desconsiderando completamente o desastre humanitário em Gaza, Israel é responsável por ele, (os oficiais israelenses) consideraram os protestos planejados como risco de segurança, taxando os manifestantes de terroristas e tratando Gaza como ‘zona de combate’”.

A ação militar de Israel não passou batida pela opinião pública internacional.

Entre outras personalidades, o senador Bernie Sanders, líder dos progressistas no partido Democrata dos EUA, também se mostrou chocado: “é trágico forças de Israel matando manifestantes palestinos. É direito de todas as pessoas protestarem por um futuro melhor, sem sofrerem uma repressão violenta”.

Antonio Guterres, secretário-geral da ONU, e a União Europeia pediram uma investigação independente.

Avigdor Lieberman, ministro da Defesa de Israel, respondeu imediatamente: Israel não cooperaria com qualquer investigação. Ele aplaudiu o massacre, afirmando que o exército fez o que deveria ser feito. “Penso que todos os nossos soldados merecem uma condecoração”.

Uma investigação solicitada no Conselho de Segurança da ONU foi de pronto vetada pelos EUA, apesar de todos os outros países do conselho serem a favor.

Mas ninguém condenou Israel. Tanto a ONU, quanto a União Europeia e os principais países do Ocidente limitaram-se a lamentar o ocorrido.

Para conter multidões furiosas, as forças de segurança dos países civilizados usam jatos de mangueiras, balas de borracha, cassetetes, gás lacrimogêneo.

Às vezes há feridos, os raros casos de morte provocam sempre os mais ardentes e generalizados protestos, até mesmo de outras nações.

Pelas leis internacionais, os agentes de segurança só podem usar armas de fogo em casos de legítima defesa própria ou de terceiros quando há perigo iminente de morte ou lesão grave.

Pessoas gritando slogans, brandindo bandeiras e mesmo xingando os soldados não se enquadram nessa exceção.

Mais uma vez Israel violou as leis internacionais, desta vez de forma especialmente grave, pois houve premeditação no assassínio de pessoas para dissolver uma manifestação pacífica.

Mais uma vez Israel sairá impune. O governo Netanyahu sente-se autorizado a praticar as violências que bem entender. Tem por si o veto dos EUA a qualquer iniciativa punitiva da ONU e a hipocrisia dos países europeus, que lamentam, mas não agem de forma concreta contra desvios malignos dos israelenses.

No atentado da fronteira, o governo visava matar pela raiz um possível brotar da resistência não-violenta e da desobediência civil na Palestina.

Agora, com o fracasso da solução dos dois Estados, só resta esse caminho ao povo.

A mortal repressão do exército israelense à “Marcha do Retorno” demonstrou que Telavive não aceita qualquer manifestação de massa, ainda que pacífica. E, para dissolvê-la, não recua diante de qualquer tipo de violência, mesmo causando a morte de inocentes.

O massacre da fronteira de Gaza foi concebido para aterrorizar o povo da região. Usando o medo para destruir de vez suas esperanças. Se ele vai desistir, é o que se verá nos próximos dias pelo volume das adesões aos novos protestos  da “Marcha do Retorno”.

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Luiz Eça

Começou sua vida profissional como jornalista e redator de propaganda. Escreve sobre política internacional.

Luiz Eça
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