Venezuela: o sonho está acabando

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Luiz Eça
07/07/2015

 

 

O que você diria de um país onde a extrema pobreza foi reduzida de 14% para 5% em poucos anos?

 

Onde, nesse período, os trabalhadores que recebiam salário mínimo passaram de 65% a apenas 21% e a jornada de trabalho foi reduzida a seis horas diárias e 36 semanais, sem redução do salário?

 

Onde o analfabetismo foi totalmente erradicado e o número de universitários cresceu de 27% da população para 72%, o quinto país do mundo em matrículas no ensino superior?

 

Onde pessoas que sequer tinham visto um médico tem hoje saúde gratuita e exemplar, a desnutrição infantil foi de 21% para apenas 2% e a mortalidade infantil é de 16 por mil, a mais baixa da América Latina?

 

O que você diria de um país que aplica 61% de sua receita orçamentária em investimentos sociais, onde a desigualdade baixou de 47 para 38 (índice GINI que mede as desigualdades), o melhor índice na América Latina?

 

Esse país é a Venezuela e os responsáveis por essa revolução que deu condição humana aos excluídos é o chavismo.

 

O chamado socialismo bolivariano começou a dar bons frutos a partir de 2004. Tendo tomado posse em 1999, Chávez teve de enfrentar um golpe militar apoiado pelo governo Bush (The Observer, 21 de abril de 2002) e uma greve nacional, em 2003, que durou mais de dois meses, custou 13,3 bilhões de dólares à indústria petrolífera e reduziu o PIB nacional em 27%.

 

Vencidos esses obstáculos, Chávez mostrou que viera para mudar tudo. Começou a inclusão das massas excluídas nos regimes anteriores, aplicando os grandes lucros do petróleo em programas sociais.

 

Conseguiu-se assim uma elevação sem precedentes dos rendimentos e da qualidade de vida dos pobres.

 

Esta bonança foi interrompida quando a grande crise de 2008 fez cair o preço do petróleo de 97 dólares o barril para 50, um ano depois.

 

Desde os últimos tempos do governo Chávez, a Venezuela já vinha sofrendo com inflação extremamente alta e falta de produtos domésticos, especialmente alimentos, além do crescimento da criminalidade.

 

Com Maduro no poder, esses problemas vêm aumentando continuamente. Mesmo para as comunidades pobres, a quem o chavismo oferece supermercados especiais, de pouco valem os preços mais baratos de produtos que não existem. Ou existem em quantidades racionadas, formando-se filas que duram horas para comprar leite, pão, carne de frango, batatas, açúcar e outros produtos da alimentação básica.

 

O governo se defende, culpando os preços do petróleo e uma conspiração dos grupos econômicos internos, da oposição e do governo norte-americano contra ele. Há alguma verdade nisso.

 

De fato, o açambarcamento e o contrabando atingem proporções fora do comum. A polícia vem apreendendo grandes estoques de importantes firmas, escondidos para provocar aumentos de preço e de lucros. E o contrabando continua bombando, sem que as autoridades consigam por um ponto final.

 

É bem possível que Tio Sam age para deixar o governo Maduro na pior. Depois de atuarem no preparo do golpe militar e reconhecimento do governo golpista, os EUA fizeram mais algumas diabruras menores como passar anonimamente ao Wall Street Journal que Diosdado Cabello, presidente do Congresso da Venezuela, estaria sendo investigado por tráfico de drogas.

 

Porém, as principais causas do mau momento da Venezuela parecem outras.

 

O governo Chávez calculou mal suas possibilidades de manter o gigantesco programa social do país, além de pagar as demais despesas do país e a dívida externa.

 

Enquanto o petróleo estava a 100 dólares o barril, ele tinha bala para isso. O petróleo representava 80% das exportações do país (hoje chega a 96%) e 1/3 do PIB.

 

Mas a agricultura e as fábricas existentes estavam longe de atender às necessidades do país. Havia (e há) uma grande dependência das importações.

 

Sabendo que não há bem que sempre dure, Chávez procurou diversificar a economia, industrializar o país e expandir a produção de alimentos.

 

Dentro dos ideais do socialismo bolivariano, estatizou uma série de indústrias, especialmente de base.

 

Mas precisava muito dos investimentos de empresas privadas. E eles não vieram. Os motivos são vários: as empresas sentiam-se inseguras diante das muitas desapropriações e estatizações, tinham seus lucros minimizados pelos preços artificialmente rebaixados e engessados pelos controles de preços, sem contar que temiam o futuro num país governado por um regime dito socialista.

 

Enquanto isso, as receitas do governo encolhem com a venda de gasolina subsidiada entre 40% e 60% a 18 países da América, e, principalmente, com o público venezuelano pagando o preço mais baixo do mundo, 2 centavos de dólar o litro (menos de 7 centavos de real).

 

Com a redução drástica dos rendimentos do petróleo, os problemas ficaram muitas vezes mais graves, ainda no governo Chávez.

 

Chegando ao poder em 2013, seu sucessor, Maduro, encontrou uma inflação que chegou a 68% em 2014, devendo ficar próxima de 100% neste ano.

 

Ainda em 2014, o PIB foi a 4% negativos. E as apostas são de que em 2015 caia para menos 7%.

 

O país está em plena recessão. As reservas que, em 2014, eram de 30 bilhões de dólares, já estão em 21 bilhões. Por enquanto, ainda aceitável para um país com 30 milhões de habitantes. Mas está no limite.

 

Para enfrentar a dura realidade do país, foi aconselhado a Maduro que promovesse um ajuste fiscal, com redução de benefícios sociais e elevação de impostos. Mas ele recusou.

 

Como recusou também aumentar o preço da gasolina, que poderia trazer uma renda extra de 12,4 bilhões de dólares, amenizando o déficit do governo e estabilizando as finanças da empresa petrolífera PDVSA.

 

Se na primeira atitude falou o socialista, na segunda falou o político, que não quer desagradar mais uma população já sofrida.

 

Haverá eleições em 6 de dezembro e as pesquisas mostram o partido do governo muito mal. As eleições serão legislativas, como está pintando uma vitória da oposição, Maduro está numa situação extremamente difícil.

 

Um parlamento dominado por seus adversários poderá convocar um referendo revocatório, onde as chances de Maduro devem ser escassas.

 

Assumindo o poder, a oposição neoliberal tende a promover o remédio clássico para por ordem nas finanças de um país: política de austeridade, somada à redução de salários e benefícios, e aumento de impostos.

 

Dado o tamanho do buraco venezuelano, esse ajuste tende a ser profundo, ameaçando o programa social do chavismo. O sonho tem tudo para acabar.

 

Luiz Eça é jornalista.

Website: Olhar o Mundo.

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