O que esperar do novo governo de Israel?

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Luiz Eça
18/05/2015

 

 

Os partidos que formam a coalizão governamental não representam esperança na questão da Palestina.

 

O último a aderir, O “Lar Judeu”, o mais direitista de todos, garantiu importantes ministérios. Eles têm muito poder sobre Netanyahu: se retirarem o apoio dos seus deputados, o governo cai e serão marcadas novas eleições – o que o primeiro-ministro não admite de jeito nenhum.

 

Seu espaço de manobras é muito precário, pois dispõe de uma maioria insignificante: 61 entre 120 parlamentares. Se um único passar para a oposição, adeus governo.

 

Foi razão bastante para Netanyahu colocar no governo pessoas de posições muito controvertidas (para dizer o mínimo) em ministérios-chaves.

 

A pasta da Justiça deverá caber à deputada Ayelet Shaker, que lutou para reduzir as atribuições e poderes da Suprema Corte, considerada por ela extremamente liberal.

 

De fato, os juízes dessa corte são talvez a única barreira nas altas esferas que se opõe ao autoritarismo e às medidas violentas contra árabes israelenses e palestinos.

 

Ayelet chamou mais atenção quando publicou no Facebook, em julho, um texto que dizia o seguinte:  “Todas as pessoas palestinas representam o inimigo”. Clamou pela destruição dessas pessoas “incluindo seus velhos, suas mulheres, suas cidades e aldeias, suas propriedades e sua infraestrutura”.

 

Ideias que têm muito a ver com o procedimento dos exércitos da SS nazista em países ocupados...

 

O presidente da Turquia, Recep Erdogan comentou assim os apelos de Ayelet: “Se estas palavras fossem ditas por palestinos, o mundo inteiro as denunciaria”.

 

Para o jornalista israelense Mira Bar-Hillel seriam “a razão de eu estar perto de queimar meu passaporte israelense”.

 

E o deputado da União Sionista, Nachman Shal, fez uma comparação curiosa, mas adequada: “dar a Ayelt Shaked a pasta da Justiça é o mesmo que nomear um piromaníaco para os serviços de Prevenção de Incêndio e de Resgate”.

 

Só a nomeação de um ministro da Justiça assim já demonstra a verdadeira posição de Netanyahu diante da paz na Palestina.

 

Mas há outros novos ministros com características semelhantes, igualmente perturbadoras. Neptali Bennet, o próprio chefão do “Lar Judeu”, é o provável novo ministro da Educação.

 

Como comandante de companhia, ele teve participação destacada no “Massacre de Qana”, em 1996, onde o exército de Israel matou 106 civis libaneses e feriu 163 civis libaneses e trabalhadores da ONU.

 

Muitos dos envolvidos vieram com desculpas ou contestaram as cifras. Bennet, não: defendeu seu papel como amplamente justificável.

 

Líder de um partido favorável à expansão dos assentamentos, sem ceder um único aos palestinos, ele terá no seu ministério meios poderosos para promover o nacionalismo radical e o racismo na educação dos jovens israelenses.

 

Finalmente, Uri Ariel, uma força por trás das construções em assentamentos no governo anterior, está cotado para ser ministro da Agricultura.

 

Terá ocasião de aumentar a ajuda aos fazendeiros israelenses na Cisjordânia. Não se espera que ele atenda aos pedidos de fazendeiros palestinos.

 

Nos conflitos entre proprietários de terras palestinas e assentamentos judeus já se sabe de que lado ele ficará.

 

Ainda haverá um vice-ministro da Defesa do “Lar Judeu”, posto que lhe dará ampla influência nas questões militares, com viés possivelmente próximo às ideias catastróficas de Ayelet Shaked.

 

Na verdade, não custará muito a Netanyahu colocar essas pessoas no seu ministério. Ele sempre se revelou inimigo dos palestinos e suas pretensões de uma independência negociada.

 

Na campanha eleitoral, foi incisivo: ”enquanto eu for primeiro-ministro, não haverá Estado palestino”.

 

Alguns parlamentares da sua imensa bancada no Congresso norte-americano apressaram-se a subestimar essa declaração. Seriam apenas promessas de campanha, coisas que, como se sabe, não são pra valer...

 

O próprio Netanyahu, embora discretamente, autorizou uma tão cínica interpretação. Tinha de fazer isso.

 

Afinal, a “solução dos dois Estados” é base do Acordo de Oslo, em 1993, assinado por Israel e palestinos. E vem sendo defendida pelos EUA e pela União Europeia como a “salvação da lavoura”, na crise da Palestina.

 

Afirmando que o acordo de paz pela solução dos dois Estados só viria com a negociação entre as partes, os EUA pressionaram para que a solicitação de independência unilateral da Palestina fosse derrubada no Conselho de Segurança.

 

Tendo Netanyahu detonado a proposta de independência, a “solução dos dois Estados” iria para o espaço.

 

Obama teria desta vez, de apoiar o pedido palestino. Ele procurou dobrar Netanyahu, tanto em declarações oficiais, quanto de membros do governo, estes sob anonimato, ameaçando com uma virada de 180 graus na política norte-americana no Oriente Médio.

 

Embora ninguém duvide, pelo comportamento anterior dos israelenses – inviabilizando em várias ocasiões as negociações de paz – que eles sejam contrários à “solução dos dois Estados”. É provável que Netanyahu dará o dito por não dito.

 

Irá certamente convencer Bennett da uma retirada tática, aliada a adiamentos de ações concretas, para se ganhar tempo: até a eleição de um presidente republicano ou mesmo da aliada Hillary Clinton.

 

Resta saber se Obama vai cair nessa armadilha, talvez pressionado por um Congresso amplamente hostil. Ou se exigirá que o premier israelense adote medidas rápidas e definitivas em prol da independência palestina.

 

Ou em caso de recusa, dê passos decisivos para os EUA mudarem sua política no Oriente Médio por uma política de respeito ao direito de autodeterminação dos povos, prometida na sua primeira campanha presidencial, em 2008.

 

As pesquisas mostram que a maioria dos estadunidenses já pensa assim. Resta a Obama mudar também, quando mais não seja por respeito à sua biografia.

 

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Luiz Eça é jornalista e colunista do Correio da Cidadania.

Website: Olhar o Mundo.

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