Correio da Cidadania

Concessões ou a vida

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O acordo de cessar fogo na guerra civil da Ucrânia foi um passo importante para a paz.

 

Sem dúvida, uma vitória da União Europeia, que defendia soluções diplomáticas para o problema, contra os EUA favoráveis ao uso da força.

 

Neste episódio, ficou claro um raro conflito de posições entre EUA e União Europeia.

 

Enquanto Ângela Merkel e François Hollande iam a Moscou negociar a paz com Putin, para, em seguida, reunirem-se os três com os relutantes Poroschenko, presidente da Ucrânia, e os líderes rebeldes, os EUA  falavam em mandar armas para fortalecer o governo de Kiev na luta que os europeus queriam paralisada.

 

Significativamente, o secretário de Defesa John Perry não participou da decisiva reunião de Minsk, demonstrando sua falta de interesse no objetivo dela.

 

Várias vezes, o presidente Obama vinha insistindo com o clássico e assustador “todas as opções estão na mesa”, ecoando alguns dos membros graduados do seu governo, mais explícitos.

 

Como o vice-presidente Joe Biden, que declarou: “O questionamento da Europa das sanções lideradas pelos EUA contra a Rússia eram irritantes e inadequadas”.

 

E o secretário de Estado Kerr, que - segundo o Bloomberg View, de  9 de fevereiro – confidenciou numa reunião privada que pessoalmente apoia o envio de armas letais à Ucrânia.

 

Mais o recém-nomeado secretário de Defesa, Ashton Carter, que assim se referiu ao envio de armas americanas para o governo Poroschenko: “Estou muito inclinado nesta direção”.

 

Por fim, o general de exército Ben Hodges confirmou que se tratava de um fato consumado: ainda neste mês, um batalhão de forças terrestres, viajaria para a Ucrânia para treinar os soldados locais na luta contra “forças russas e rebeldes”.

 

Já para a ótica dos europeus a conciliação deveria prevalecer.

 

O ministro do Exterior alemão, Steinmeller, criticou a estratégia agressiva da Casa Branca por ser “não apenas arriscada,  mas também contraproducente”.

 

François Hollande tem defendido maior autonomia para o Leste da Ucrânia, tese do agrado de Moscou e dos rebeldes. Recentemente, afirmou que Putin não tem ambições territoriais – somente não quer ter canhões da OTAN na Ucrânia, apontando para a Rússia.

 

Até o ex-presidente Sarkosy, de direita, opôs-se às posições anti-russas de Washington: Nós somos parte de uma comunidade de nações junto com a Rússia. Os interesses dos EUA e da Rússia não são os interesses da Europa e da Rússia”.

 

De fato, são diferentes.

 

À Europa interessa manter boas e lucrativas relações com a Rússia.

 

As exportações europeias para os russos vinham somando 160 bilhões de dólares.

 

Com as sanções, que os EUA obrigaram a União Europeia a engolir visando forçar Moscou a largar os rebeldes, a economia russa ficou em péssima situação, agravada pela enorme queda do preço internacional do petróleo.

 

Mas, os europeus também perderam.

 

A Alemanha, principal parceira comercial da Rússia, teve suas exportações para esse país pesadamente reduzidas: projeta-se para esse ano uma perda de 20% sobre o resultado de 2014, ano em que já tinham diminuído por obra das sanções.

 

Eckard Cordes, presidente do Comitê de relações econômicas euro-russas, informa: “Estimamos que na Alemanha 300 mil pessoas trabalham em exportações para a Rússia. Como elas caíram quase 20%, perderemos 60 mil empregos”. O que representa um buraco de 6 bilhões de euros na economia alemã.

 

A França está tendo de desistir da venda de  dois porta-helicópteros à Rússia, no valor de 1,2 bilhão de euros, muito bem-vindos considerando a situação da economia do país.

 

Os outros países da comunidade também sofrem com a perda de vendas ao mercado russo.

 

Avalia-se que, se a situação europeia é prejudicada pelas sanções, muito pior ficaria com o acirramento da guerra civil, consequência fatal do envio de armas americanas.

 

Os europeus temem que seriam arrastados para uma guerra que transbordaria os limites da Ucrânia, se espalhando pelos países vizinhos.

 

Os americanos parecem não estar nem aí para isso.

 

Acreditam que, graças à sua poderosa ajuda militar, os exércitos leais ao governo de Kiev, hoje perdendo terreno, virariam o jogo. E os russos, intimidados pela exibição de músculos de Tio Sam, deixariam os rebeldes na mão, extinguindo-se a guerra civil. Sem contar que, sentindo a barra, Putin se apressaria em devolver a Criméia a seus donos anteriores.

 

Há sérias dúvidas quanto a esses róseos vaticínios.

 

Veja o que diz Patrick Buchanan, cronista conservador, ex-consultor de Gerald Ford e Ronald Reagan: “Nós não temos capacidade militar para intervir e expulsar o exército russo, a menos que nos preparemos para uma guerra maior e a devastação potencial da Ucrânia”.

 

“Uma guerra maior” é tudo que Obama e o povo americano não admitem de jeito algum…

 

Por sua vez, Michael Kofman, consultor do Pentágono, acha o exército ucraniano tão fraco e mal  treinado que uma injeção de armamentos americanos provavelmente não poderia reverter o panorama favorável aos rebeldes.

 

Se a opção pelas armas prosperar, é bem possível que a reação russa force os EUA a incrementar sua ajuda militar a um nível muito acima do previsto.

 

O que provocará uma contrapartida russa à altura, pois Putin já foi longe demais para voltar atrás. Ainda mais porque a proximidade com a Ucrânia lhe dará grande vantagem numa luta que eventualmente poderia até colocar soldados dos EUA e da Rússia em confronto direto.

 

Não vou nem mencionar as armas que os dois têm estocadas, prontas para o lançamento…

 

O risco de uma conflagração que poderá escapar do controle não está sendo levado em conta pelos políticos americanos.

 

Nem por Obama, que parece tomado  pelo mito do “excepcionalismo americano” quando, recentemente, falou na realidade da “liderança americana” e em “torcer o braço” de “Estados que não fazem o que nós precisamos que eles façam”.

 

Referia-se, é certo, à Rússia de Putin, mas poderia também estar incluindo a União Europeia.

 

De fato, os EUA mostram-se empenhados em obter uma derrota decisiva sobre a Rússia de Putin, seu maior opositor nas lides da política internacional.

 

Moscou tem sido uma pedra no sapato yankee:  ajuda o regime Assad, condenado por Obama; opôs-se ao ataque do Ocidente na guerra da Líbia; favorece os palestinos contra Israel e os vetos de Washington; condenou a invasão do Iraque; defende o Irã (outra bête noire para a Casa Branca); e agora dá mão (muito) forte aos rebeldes ucranianos, contra o regime pró-Ocidente de Kiev.

 

Colocar Putin de joelhos no affair ucraniano valeria bem muitas missas.

 

Mesmo que às custas dos países da União Europeia.

 

Que, desta vez, não parecem dispostos a pagar o preço de sua lealdade a Washington.

 

Durante a Guerra Fria, a Europa aceitou a liderança americana porque era necessária para defender o Velho Mundo dos apetites vorazes da União Soviética.

 

Houve algumas raras exceções meramente episódicas, especialmente partidas da França.

 

Estranho no ninho da política da Casa Branca, o general de Gaulle manteve sua independência, recusando-se até a integrar seu país na OTAN.

 

Mais recentemente, Chirac e Schroeder, respectivamente presidentes da França e da Alemanha, tiveram a coragem de negar-se a embarcar na aventura da invasão do Iraque.

 

E Hollande, embora quase sempre um yes man de Obama, surpreendeu votando a favor da Palestina na ONU, contra a posição do governo americano.

 

Mas esta divergência de agora é coisa mais séria.

 

Afinal, está fora dos planos do império americano ter sua hegemonia contestada justamente pelo seu mais importante seguidor: a União Europeia.

 

Os EUA, é claro, não vão ameaçar os europeus com sanções para os por na linha. Os republicanos ganharam o Congresso mas ainda não mandam no país.

 

Mas terão de fazer concessões, assim como a União Europeia, a Rússia, a

Ucrânia de Kiev e a Ucrânia dos rebeldes.

 

Todos eles terão de fazer concessões.

 

Do contrário, melhor nem pensar.

 

 

Luiz Eça é jornalista.

Website: Olhar o Mundo.

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