E as torturas da CIA?

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Luiz Eça
27/11/2014

 

 

O Comitê de Inteligência do Senado promoveu um estudo dos métodos de interrogatório usados pela CIA nos anos seguintes ao atentado contra as torres gêmeas. Havia muitas denúncias de que costumavam ser violentos.

 

A investigação cobriu o acontecido somente durante os dois governos de George W. Bush. A CIA no governo Obama não foi investigada, pois o presidente, logo no início do seu primeiro mandato, proibiu torturar.

 

Depois de cinco anos de trabalho, o relatório finalmente ficou pronto. São 3.600 páginas, das quais foi feito um sumário para publicação com “apenas” 480 páginas.

 

As investigações contaram com o melhor dos esforços da CIA para que não chegassem à parte alguma.

 

Ela chegou a destruir centenas de documentos e vídeos incriminadores, segundo a senadora democrata Dianne Fenstein, presidente do Comitê de Inteligência.

 

A agência tentou até criminalizar os investigadores por terem acessado seus relatórios. Eles tinham esse direito, supervisionar as agências do governo é função expressa dos legisladores.

 

O contrário é que não pode. Pois foi exatamente o que a CIA fez, entrando em computadores da investigação e assim violando o artigo 4º da Constituição dos EUA.

 

Por fim, com endosso do Departamento de Estado, a agência alegou que fatos descritos no relatório eram “classificados”, ou seja, sigilosos por envolverem a segurança nacional. Portanto, não poderiam vir a público.

 

Tanto barulho não era por nada. O relatório mostra que a CIA realmente praticou coisas do arco da velha. E de forma rotineira. Convinha que ficassem ocultas.

 

A senadora Fenstein contou aos jornais que os interrogatórios da CIA apresentavam “brutalidade que contrasta radicalmente com nossos valores como nação”.

 

Para uma fonte do The Telegraph, os métodos usados foram mais selvagens do que jamais se admitiu.

 

Segundo informações obtidas pelo Washington Post (31/3/2014), o relatório do comitê senatorial detalha uso indiscriminado de torturas. Além do waterboarding (técnica que reproduz sensação de afogamento), era comum o suspeito ser mergulhado num tonel cheio de água gelada, com sua cabeça forçada para dentro. Enquanto lutava para respirar, algozes o espancavam, choviam cacetadas e, por fim, tinha a cabeça batida contra a parede.

 

Antes de levar essas ocorrências ao conhecimento do povo estadunidense, os senadores enviaram o relatório resumido para a Casa Branca, já que Obama precisaria fazer a devida censura, cortando o que não pode vir a público, por envolver a segurança nacional.

 

Foi em abril. O presidente passou a bola para a CIA. Estranho porque ninguém melhor do que ele está apto a classificar o que diz respeito à segurança dos EUA.

 

A senadora Feinstein não gostou nada do rumo que as coisas iam tomando. Nem o senador republicano John McCain que comentou: “Ela não confia na CIA. Penso que provavelmente está certa. Eu também não confio”.

 

Trinta generais da reserva foram pelo mesmo caminho, postando no site military.com um texto afirmando existir um conflito de interesses que impediria a CIA de produzir a redação final de um relatório que acusa seus membros de “autorizarem métodos brutais de interrogatório e sistematicamente enganarem a Casa Branca, o Congresso, o Departamento de Justiça e o povo sobre os fatos e as consequências do uso desses métodos”.

 

Seria entregar aos réus a função de fazer o libelo acusatório contra eles próprios. Parece que as apreensões não eram exageradas.

 

O relatório censurado pela CIA que foi entregue ao Comitê de Inteligência deixou todos os seus integrantes indignados.

 

O pessoal da agência tinha passado a borracha no que havia de mais comprometedor contra eles. E o presidente assinara embaixo!

 

Com apoio dos seus colegas, a senadora Fenstein rejeitou essa versão açucarada do que fora um amargo drama e a devolveu a Obama. Ela se ofereceu a discutir com o presidente cada um dos pontos suprimidos. Não sabemos qual foi a resposta.

 

O certo é que Dennis McDonough, chefe do gabinete presidencial, nos meses seguintes, manteve muitas reuniões com os senadores. Entre outras coisas, pediu insistentemente para que não constasse do relatório público críticas demasiado severas contra John Brennan, o diretor da CIA.

McDonough está funcionando, em nome de Obama, como um mediador entre a CIA e o comitê do senado.

 

Essas negociações parecem intermináveis, pois já passaram quase oito meses desde a primeira apresentação do relatório da investigação ao presidente.

 

E a Casa Branca segue em silêncio. Essa demora excessiva não parece fazer muito sentido. Para Robert Grenier, agente da CIA e chefe de contraterrorismo entre 2004 e 2006, os democratas esperavam passar a eleição parlamentar, pois publicar o relatório antes acabaria favorecendo os republicanos.

 

O povo, indignado com as decapitações de norte-americanos pelo ISIS, acharia que o presidente estaria advogando um tratamento suave para os radicais islâmicos, em contraste com o que a CIA de Bush fizera.

 

É de se crer que, pelo contrário, a revelação das torturas de um governo republicano impactaria a população contra o partido de Bush, estimulando votos para os democratas. Mas Obama não usou este recurso, deixou o período eleitoral se encerrar, sem tirar o relatório da gaveta.

 

Porque ele hesita tanto? Mesmo saindo na mídia agora, a revelação das barbaridades da CIA traria dividendos para os EUA.

 

A imagem internacional do país, que anda em baixa, especialmente no Oriente Médio, seria muito melhorada. Afinal, os fatos sinistros apresentados eram de um EUA passado, da era Bush.

 

Os EUA de hoje ficariam enaltecidos pela coragem do presidente em revelar os erros de outrora.

Um carimbo de mudança estaria sendo estampado no governo Obama, provavelmente elevando seu ibope no país e no resto do mundo.

 

Por fim, as “técnicas científicas” da CIA poderiam gerar um repúdio nacional tão forte que seria muito difícil que tão cedo voltassem a ser empregadas.

 

Até agora, considerações desse tipo não parecem ter pesado muito no pensamento presidencial. Do contrário, ele já teria chegado a um acordo com os senadores e permitido a publicação de um relatório no qual a verdade estaria bem clara.

 

É possível que a hesitação de Obama seja temor de desagradar a CIA. Afinal, a agência é um dos pilares da estratégia militar do seu governo.

 

Ele substituiu as guerras convencionais, que matam soldados e custam muitos bilhões, por um tripé formado pelas Forças Especiais, os drones e a CIA.

 

Esses três grupos atacam inimigos fora do território norte-americano, em ações secretas, sem prestar contas ao Congresso ou respeitar os direitos de soberania de outras nações.

 

Baixas, raríssimas vezes acontecem, e os gastos são muitíssimo inferiores ao de guerras como as do Iraque e do Afeganistão.

 

A CIA tem um papel fundamental na estratégia bélica do presidente estadunidense. Além de suas funções normais de contraterrorismo, guerra psicológica, espionagem etc. – seus agentes operam os drones, treinam sírios rebeldes na Jordânia, prendem e interrogam suspeitos.

 

A denúncia pública das atividades da CIA, digamos, censuráveis no período Bush deixaria os agentes muito mal vistos pela sociedade norte-americana.

 

Eles se sentiriam péssimos vendo ações da agência denunciadas em todo território dos EUA pelos jornais, TVs, revistas e emissoras de rádio.

 

Não dá pra afirmar que iriam reagir fazendo corpo mole, mas provavelmente é de se esperar um certo desestímulo, refletido negativamente no seu trabalho.

 

Talvez seja o que Obama não quer que aconteça. Por isso, certos analistas apressados já estão dizendo que o trabalho dos senadores já foi para baixo do tapete.

 

O mais provável é que Obama esteja tentando vencer os senadores pelo cansaço. Quem sabe convencê-los a aceitarem o meio termo. Enquanto isso, ele já mostrou que deseja preservar a CIA de reações duras da opinião pública.

 

Depois de admitir que “fizemos algumas coisas ruins”, ele declarou, em primeiro de agosto deste ano: “É importante que nós não sejamos exageradamente moralistas (too sanctimonious) sobre o trabalho que aqueles rapazes (da CIA) fizeram. Muitos deles trabalharam duro, sob enormes pressões e eram verdadeiros patriotas”.

 

Muito semelhante ao que aconteceu com as equipes de interrogatórios da Gestapo. Já pensaram nas enormes pressões que aqueles rapazes sofreram?

 

 

Luiz Eça é jornalista.

Website: Olhar o Mundo.

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