O nó górdio da corrupção sistêmica

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Leo Lince
23/09/2011

  

Está mais do que provado, até as pedras da rua sabem. No cortejo interminável dos escândalos, basta puxar o fio da meada nos casos mais emblemáticos. Pasta rosa do ACM, PC Farias do Collor, privataria tucana “no limite da irresponsabilidade”, mesa da Lunos do Sarney, arca do Delúbio lulopetista, bezerro de ouro Arruda/Roriz, em todos, e tantos outros, o caroço do novelo será sempre o mesmo. O formato atual de financiamento privado de campanha eleitoral é fator incontrolável de corrupção.

 

A cada nova eleição, a metástase se alastra. Os vitoriosos para a chefia dos executivos (presidente, governadores, prefeitos) serão sempre os que mais gastarem nas campanhas. Em segundo lugar, estarão os segundos também em gastos. Uma exceção ou outra, aqui ou acolá, confirma a regra geral. O peso do poder econômico no resultado eleitoral se tornou ostensivo e despudorado. 

 

Nos legislativos, a mesma história. Reduziu-se o espaço dos candidatos de opinião, sejam eles de esquerda, centro ou direita. Usassem macacões como pilotos de corrida, os parlamentares ostentariam na roupa as logomarcas dos patrocinadores: planos de saúde, educação privada, armas, tabaco, transgênicos, agronegócio, uma lista sem fim. Ao invés de valores ideológicos e programas partidários, o ordenamento da representação se faz pelo interesse puro das grandes corporações, como no ideário fascista de Mussolini.  

 

As campanhas eleitorais no Brasil estão entre as mais caras do mundo. Além de caras, se organizam de tal forma que torna impossível a fiscalização efetiva. São pouquíssimos os países que permitem ao candidato arrecadar e gastar fundos de campanha, tarefa que deveria ser de responsabilidade exclusiva das organizações partidárias.

 

A ferocidade da competição entre milhares de candidaturas individuais cria um quadro caótico. A justiça eleitoral só acompanha e mal fiscaliza os gastos declarados pelos próprios candidatos. Os “recursos não contabilizados”, mistério profundo, só se revelam, em parte, na explosão dos “malfeitos”. Se a “malfeitoria” for bem feita, ninguém se ocupará em destrinchá-la.

 

Outra particularidade brasileira: o peso desmedido das fontes empresariais no financiamento de campanha. A contribuição cidadã, de pessoas físicas, é diminuta. Além de pouco expressiva, quase residual, ela perde legitimidade ao fornecer terreno aos laranjais. Exemplo? Luma de Oliveira foi a maior doadora individual da campanha petista de 2002. Na mesma época, ela desfilava no carnaval ostentando coleira onde se lia as iniciais do marido, Eike Batista. Maravilhosa, mas laranja.  

 

Na realidade, um seleto grupo de magnatas do poder econômico monopoliza o financiamento de campanha eleitoral no Brasil. Grandes banqueiros, empreiteiras gigantescas, estofadinhos do agronegócio, mega-exportadores, os novos barões da privatização tucana e das fusões lulistas, além, é claro, da miríade de fornecedores diretos de bens e serviços para o setor público.

 

Não existe almoço grátis, dizem os práticos dos negócios. Logo, quem investe nas máquinas eleitorais dos partidos da ordem busca retorno certo. Obras superfaturadas, licenças ambientais criminosas, subsídios suspeitos, sonegação, elisão fiscal, vista grossa para armações cavilosas. Ao fim do circuito, a conta do financiamento privado é paga em dobro pelo que vaza ou deixa de entrar nos cofres públicos. Um rombo de tamanho incalculável. A mão ligeira do mercado, como se sabe, é invisível.

  

Para quebrar tal ciclo vicioso a única saída é o financiamento público das campanhas. Para garantir a viabilidade dos candidatos e independência dos eleitos ante o poder econômico, além de salvaguardar o princípio da igualdade na disputa, o financiamento público precisa ser exclusivo. Para funcionar de maneira justa, é necessário que se estabeleça um teto de gastos para cada cargo em disputa. Com fiscalização rigorosa e pesadas punições para os infratores. 

 

O formato atual perpetua o “status quo”, estreita os vínculos entre o conservadorismo político e as grandes corporações que dominam a economia. Ao mesmo tempo, cria obstáculos intransponíveis para que novos valores e interesses sociais conquistem espaços nas instituições representativas. Hoje, no Brasil, governar é intermediar negócios. E o artigo primeiro da Constituição, em deslocamento trágico, pode ser lido de outra maneira: “todo poder emana dos financiadores de campanha e em seu nome será exercido”. Tal qual existe entre nós, o financiamento privado de campanha é o nó górdio da corrupção sistêmica.   

 

Leo Lince é sociólogo.

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