O castelo do Edmar e o convescote do Lula

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Léo Lince
12/02/2009

 

O chamado Encontro Nacional dos Prefeitos, realizado esta semana em Brasília sob o patrocínio do Palácio do Planalto, foi um espanto. Como no caso do castelo medieval do ex-quase corregedor da Câmara dos Deputados, é outro episódio que fornece uma real noção do absurdo a que chegamos na política brasileira. Aliás, o convescote em pauta bem que poderia ser realizado no Castelo Monalisa. Mais conforto para os convidados, adequação perfeita entre forma e conteúdo, além de congregar várias pontas de um mesmo padrão de política.

 

Os prefeitos, do Oiapoque ao Chuí e da Ponta do Calcanhar aos fundões do Acre, afluíram em massa. Pudera. Convite do poder central, desde os tempos das capitanias hereditárias, é ordem. Alguns jornais calcularam em 5 mil o número de titulares do executivo municipal presentes ao encontro. Como somos 5.563 municípios, a grande maioria compareceu. E mais: trouxeram as primeiras-damas, igualmente convidadas para uma tertúlia edificante com a primeira-dama federal que, pelo que consta nos jornais, durou 25 segundos. Algumas declararam ter trazido na bagagem, além de presentes para a anfitriã, vestidos longos para o caso de algum baile na "ilha fiscal". Voltaram frustradas, assim como os maridos, que ouviram longos discursos e ganharam brindes das estatais, além de sacolas recheadas de propaganda oficial.

 

O custo do evento, declarado pelo governo federal, foi de R$ 241 mil. Deve ser o que foi gasto na decoração da boca de cena do espetáculo. O preço do gigantesco aparato que acompanha o presidente em atos do gênero, a luxuosa presença da nata do ministério com seu séqüito de assessores, sem falar no deslocamento, hospedagem e "boca livre" para a multidão vinda dos mais recônditos rincões da pátria, sem dúvida, implicam em custos, não calculados e talvez incalculáveis, que vão muito além da quantia declarada. Uma sangria para nada. Não houvesse outros interesses, as medidas anunciadas no evento poderiam chegar aos destinatários por um simples toque no teclado dos computadores ou, na pior das hipóteses, pelas malhas do velho Correio Aéreo Nacional.

 

A fala do trono, como de praxe, foi o ponto alto do encontro. O presidente Lula, com sua prosa peculiar (falou em limonada feita com gota de suor), repetiu o tom e o conteúdo dos discursos que estão se tornando habituais nos palanques regionais de lançamento do PAC. A primeira preocupação, agora como naquelas ocasiões, é contestar os maledicentes que o acusam de estar fazendo campanha eleitoral. Acompanhado dos próceres da velha política que compõem sua base de apoio, levantando o braço de sua (por enquanto e recém plastificada) candidata, exaltando a bonomia de seu governo, ele sapateia nos palanques sem pensar em eleição. Faz lembrar a obra daquele célebre artista plástico que, com as técnicas do ultra-realismo, desenhou um magnífico cachimbo e colocou como legenda: "isto não é um cachimbo". Os dois artistas estão certos. Assim como a obra é um retrato do cachimbo, o discurso do Lula é um retrato do estado atual da política brasileira.

 

Outro ponto da fala presidencial que tem se repetido nos palanques regionais é aquele que começa com o elogio ao povo (não é marionete, vaca de presépio) e conclui com um ataque aos formadores de opinião. Diz o presidente: "acabou o tempo em que alguém achava que podia interferir numa eleição porque achava que era formador de opinião pública. Se fosse assim, muitos de vocês não estariam eleitos". Na lógica do pragmatismo tacanho que nos governa, não cabe reparo ao raciocínio do presidente. Quando a política emana na sociedade e o poder se disputa a partir de causas, projetos e idéias, os formadores de opinião crescem de importância. Quando a política emana de máquinas eleitorais acoitadas em aparatos de governos e articuladas pelos "pontos fortes" do poder privado, muito mais importantes do que os formadores de opinião são os financiadores de campanha.

 

No "pacote de bondades" assinado no encontro, uma das medidas cobra particular atenção, principalmente dos aposentados. Aquela que abre espaços para a continuidade do calote dos prefeitos contra o caixa da Previdência. São mais 240 meses de vigência para o buraco de R$ 14 bilhões. Outro ponto de contato com o dono do castelo: ele também não recolhia ao INSS o que descontava na folha de pagamento de seus funcionários. O crime é o mesmo e traz em si o imenso potencial corrosivo do mau exemplo que vem de cima. Para o caso dos prefeitos caloteiros se agrega agora um agravante novo: a chancela presidencial. Um absurdo, mas faz sentido. Afinal, a ideologia dominante rechaça a universalização dos direitos, um estorvo para o ganho imediato, pecuniário ou eleitoral dos donos do poder e dos políticos que lhes prestam serviço. São pontos de um conjunto maior para o qual confluem o castelo do Edmar e o convescote do Lula.

 

Léo Lince é sociólogo.

 

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