Fusão de bancos prenuncia mobilização do capital para ganhar com a crise

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Léo Lince
07/11/2008

 

A notícia explodiu em manchetes nos jornais da semana. O maior banco do Brasil não é mais o Banco do Brasil. Além do maior banco público, que opera como se privado fosse, também foi ultrapassado o até então maior banco privado, o Bradesco. E tudo num passe de mágica. O conluio entre as famílias Setúbal e Moreira Salles foi uma espécie de espoleta sismográfica. Altera a relação de forças no setor bancário e, ao mesmo tempo, prenuncia a reação da casta financeira aos abalos da crise internacional.

 

Apresentado como fusão, o negócio ainda conserva feições incompreensíveis para o mortal comum. Nem compra foi, pois não rolou dinheiro vivo. O acerto se deu em torno da titularidade de papéis e o processo de negociação transcorreu, como é próprio dos banqueiros, encoberto sob o manto da mais completa opacidade. Tudo indica, embora não seja o que se noticia, que os boatos de quebradeira no sistema bancário faziam sentido e tinham pelo menos um endereço certo. Sendo assim, na lógica de entregar os anéis para salvar os dedos, o banco menor foi "fundido" pelo banco maior, conforme a lógica da competitividade em moda.

 

O slogan publicitário da casa dos Moreira Salles, "nem parece banco", além do reconhecimento tácito da má imagem dos banqueiros no senso comum, revelava um certo desconforto da família com o ramo de negócios herdado. Entre os herdeiros diretos, os maiores talentos se dirigiram para a área artística, talvez por influência do mordomo, sobre o qual um deles produziu um documentário maravilhoso. Entre os Setúbal, pelo contrário, prevaleceu o ditame do patriarca da família. Segundo Olavo Setúbal, "financista que espera que os fatos aconteçam para agir, sem dúvida, é financista morto". Uma frase na qual se revela a alma do negócio em pauta: um esforço de antecipação diante dos imperativos da crise mundial.

 

Na mídia grande, sempre associada aos que lhes financiam os projetos, o acontecimento foi saudado como prova da solidez do nosso sistema bancário. O governo, constrangido, bateu palmas. O Banco Central, que é mais regulado do que regula, haverá de chancelar os termos do negócio. Ainda não se sabe, ao certo, o tamanho do abalo provocado pela novidade. No entanto, algumas de suas decorrências práticas estão perfeitamente definidas no protocolo universal das experiências do gênero.

 

O processo de concentração do capital bancário, na certa, vai se acelerar. Novas fusões, compras e incorporações brotarão na linha do horizonte. A oligopolização do setor, que já era forte, vai se acentuar ainda mais. Agências contíguas serão fechadas e haverá demissão de bancários. As tarifas exorbitantes que já são cobradas podem aumentar ainda mais.

 

Antigamente, na longínqua era onde havia concorrência, os bancos ofereciam mimos aos depositantes. Agora, cobram do correntista um leque cada dia mais alentado de tarifas. Quanto mais forte o oligopólio, maior o arbítrio do banqueiro, que só falta cobrar pelo ar que se respira nas agências.

 

Como era previsível, a crise internacional chegou ao Brasil e, não por acaso, se alojou diretamente na economia real. Antecipação de férias coletivas nas indústrias, projetos de demissões voluntárias, demissões na construção civil, queda de safra na agricultura, mas a banca privada continua numa boa. Nada em dinheiro, opera no limpo, no sujo e no mal lavado. Grande financiadora de campanhas eleitorais, ela se movimenta livre de qualquer controle público. O que se alardeia como "orgulho nacional", maior banco do hemisfério sul e um dos maiores do mundo é, na verdade, mais um lance no vértice da pirâmide, onde os banqueiros se preparam para ganhar com a crise.

 

Léo Lince é sociólogo.

 

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