‘Reprimarização’ da economia permanece como maior aposta para ‘saída’ da crise

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Guilherme C. Delgado
16/06/2009

 

Os dados das contas de comércio e finanças externas estão cada vez mais explícitos sobre a característica dominante do ajuste externo do comércio externo brasileiro, antes e durante a crise financeira global. É a saída a qualquer custo pela exportação de "commodities", a aparente solução para o déficit estrutural e crescente da "Conta Serviços" nas nossas transações com mercadorias e serviços (Conta de Transações Correntes).

 

Há nesse processo, que vem sendo estruturado com características de estratégia estatal e privada, e se implementando tecnicamente desde 2000, (após a crise cambial do real de 1999), uma aposta no passado. Por meio desta, resolvem-se as crises cambiais conjunturais super-incentivando as exportações dos produtos básicos (de baixa agregação de valor industrial). Por esta via, ganha terreno o crescimento horizontal da fronteira agrícola e mineral, "pari-passu" ao encolhimento da exportação manufatureira.

 

Essa estratégia, é bem verdade, não se compraz com crescimento razoável ou forte da economia (acima de 5% do PIB), visto que em tais conjunturas aumentam mais que proporcionalmente as importações de mercadorias e também o "déficit" de serviços (lucros, dividendos, juros etc.) remetidos ao exterior, provocando "alto" déficit na "Conta Corrente" – a exemplo do ocorrido em 2008, quando esta foi negativa em 28,3 bilhões de dólares.

 

Mas tanto em 2008 quanto nos primeiros meses de 2009, sobressai o peso dos produtos básicos nas exportações, que já respondem por mais de 2/3 das exportações totais (74% em 2008), enquanto que seu patamar no início da década oscilava entre ¼ e 1/3 do valor total da pauta.

 

Observe-se que, à estratégia de reprimarização do comércio exterior, corresponde no mesmo período (2º Governo FHC e 1º e 2º Governo Lula) uma abertura profunda da Conta Capital do Balanço de Pagamentos e uma paralela elevação do estoque de capital estrangeiro na economia brasileira. Isto por sua vez se traduziu numa duplicação (em meia dúzia de anos) do custo corrente do serviço desse estoque de capital, custo este expresso pelo déficit da conta "serviços" – que vai de algo em torno de 25,0 bilhões de dólares durante o período 1999/2003, para mais de 50,0 bilhões no biênio 2007/2008.

 

Traduzindo-se essa análise das contas externas, para sua correspondente em termos de economia política, muita coisa fica mais clara na conjuntura. A abertura à livre entrada e saída de capitais, sob proteção e benefício das taxas de juros e do tratamento fiscal ultra-favorecido, não melhora nossa competitividade externa, antes pelo contrário. Quem amplia o esforço exportador, equilibra "Conta Corrente e permite uma aparente tranqüilidade nas contas externas impõe também uma virtual ditadura da expansão horizontal das "commodities".

 

É daí que se alimenta a fúria legislativa ora em curso em favor de "ruralistas", "agro-negocistas", grileiros e adversários do direito ambiental (MP 458, Revisão do Código Florestal etc.), diga-se de passagem, em aliança com a grande agroindústria e indiretamente com o setor financeiro. Mas isto tudo tem um custo social e ambiental gigantesco, felizmente cada dia mais calculável, debitando ao Brasil passivos ambientais altamente nocivos aos brasileiros e insustentáveis à escala planetária.

 

Esse jogo de interesses ocorre na mais completa cumplicidade política – porque oposição e governo no geral estão de acordo com essa estratégia de subdesenvolvimento e dependência externa, com as exceções de praxe que confirmam a regra.

 

Guilherme Costa Delgado é doutor em Economia pela UNICAMP e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.

 

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