Ausência de estratégia e socialização de perdas definem políticas anticrise do governo

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Guilherme C. Delgado
16/01/2009

 

Os primeiros dados da economia real, de produção e emprego, relativos aos meses de outubro e novembro de 2008, já começam a aparecer, confirmando forte recuo da produção industrial em novembro, relativamente ao mês anterior. Já os dados de emprego apurados mensalmente, quer pelo IBGE (Pesquisa Mensal de Emprego nas Regiões Metropolitanas), quer pelo sistema RAIS-CAGED do Ministério do Trabalho, indicam estagnação do mercado (crescimento zero). Mas, as projeções para o primeiro trimestre são de fortes demissões na indústria a partir de dezembro (segundo sondagens da FGV).

 

Tudo indica que a partir da divulgação dos dados de produção e emprego do último trimestre do ano – outubro a dezembro- haja mais clareza sobre os efeitos da crise externa, em quais setores, regiões e principalmente com que intensidade sobre o emprego formal, que vinha de um mini-ciclo de crescimento firme há cerca de sete anos.

 

Aparentemente o governo só trabalha políticas anticrise, de maneira curativa. Depois dos fatos do desemprego consumados, provavelmente virão medidas de reativação setoriais, na base de respostas aos setores com maior capacidade de vocalizar demandas.

 

Esse padrão de respostas começou a se desenhar desta forma a partir de outubro.

 

Primeiro foi o setor financeiro, prontamente atendido com medidas de política monetária para reativação do crédito bancário. Depois as montadoras de automóveis, parcialmente atendidas com isenções do IPI e facilidades de crédito; em seguida, as empresas do agronegócio – fortemente ligadas à exportação, cujas apostas comerciais e financeiras sobre o dólar-futuro fracassaram.

 

Agora que começam as evidências da crise também no mercado de trabalho, aparentemente viriam medidas para reativação do investimento público e/ou de estímulo ao consumo nos setores em que se revelarem tais problemas, ou ali onde houver pressão sindical e política mais explícita.

 

Essas medidas, que vêm sendo adotadas desde outubro-novembro, têm uma lógica certa. Atendem a demandas setoriais explícitas, mas aparentemente estariam correndo atrás do prejuízo, sem capacidade efetiva para preveni-lo; e ainda por cima estão enviesadas pelo enfoque do tratamento segmentado, sob a ótica da "socialização de perdas".

 

No plano macroeconômico persiste ainda um forte tom desafinado da política de juros do Banco Central – único do mundo que eleva juros nominais e reais em plena recessão global.

 

Por sua vez, a iniciativa da reforma tributária oficial, ainda que elaborada e enviada ao Congresso em março/abril de 2008, não se adéqua a nenhum tratamento anticíclico, antes pelo contrário, concebido que foi numa conjuntura de forte crescimento da arrecadação tributária. Com o rumo declinante da arrecadação de novembro, aparentemente a reforma tributária deverá passar por uma crítica importante de oportunidade, além de outras tantas que se dirigem ao seu conteúdo.

 

A crise de liquidez externa (fuga de capitais + déficit na conta-corrente) do último trimestre do ano, aparentemente resolveu um problema: o da sobrevalorização cambial - mas custou caro para vários setores que vinham apostando no dólar barato.

 

Por último, o Programa de Aceleração do Crescimento, cuja programação de projetos prioritários antecede a crise de liquidez externa, é visto como uma espécie de tábua de salvação da situação macroeconômica, sendo o investimento público o grande fiel da situação. Aqui coloca-se com muita clareza o problema do financiamento desses projetos, com a saída de parceiros externos. O governo espera contar com recursos do superávit-primário ou da dívida pública, autorizados a operar por meio do "Fundo Soberano". Isto é idéia do Ministério da Fazenda e da Casa Civil, na contramão da linha do Banco Central.

 

Ao final desta nota, o leitor ficará com a impressão de que a crise econômica não é tratada com um plano de conjunto, e menos ainda numa perspectiva preventiva. Isto também é verdade; ou talvez uma meia verdade, porque sob pressão da própria crise seria possível divisar alguma direção estratégica para o seu tratamento. Mas por ora isto ainda não está claro. Ficaria mais claro se metas de emprego, ou de minimização do desemprego, passassem a ser perseguidas pela política econômica.

 

A dureza da crise pode ainda trazer muito mais prejuízo do que já tivemos: fazer recuar todos os ganhos de recuperação econômica alcançados nos últimos anos, se sobre ela não houver discernimento de rumos a seguir, no sentido do interesse geral da sociedade.

 

Guilherme Costa Delgado, economista do IPEA, é doutor em Economia pela UNICAMP e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.

 

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