O “Fator Previdenciário”, a idade mínima e os outros fatores

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Guilherme C. Delgado
15/10/2008

 

Na semana de 8 de outubro do corrente, o "Correio da Cidadania" publicou o artigo "Contra o fator previdenciário", de autoria do advogado e colunista deste jornal Henrique Júdice. No texto do referido artigo, o autor comenta um trabalho por mim coordenado e publicado pelo IPEA em fevereiro de 2006 ("Avaliação de Resultados da Lei do Fator Previdenciário, 1999-2004" – TEXTO PARA DICUSSÃO N. 1161. Brasília - IPEA –Fevereiro de 2006), onde defendo a tese da idade mínima para aposentadoria, em substituição à regra atual da "Lei do Fator". Henrique Júdice discorda frontalmente desta tese, chegando a me instar explicitamente a descartá-la, sob pena de perda de prestígio biográfico. Idêntica admoestação é feita ao senador Paulo Paim, que liderou iniciativa legislativa (Proposta de Emenda Constitucional) que estabelece uma dada idade mínima, substitutiva à regra atualmente vigente (Lei do Fator).

 

A tese defendida pelo artigo de Júdice implicaria no retorno puro e simples à aposentadoria por tempo de contribuição – 35 anos para os homens e 30 para as mulheres. Isto retornaria à situação anterior a 1999, que possibilitaria aposentadorias a partir dos 46 anos para as mulheres e 51 para os homens. A partir das restrições impostas pela lei, estabelece-se uma fórmula algébrica, com fito explícito de expurgar financeiramente o valor das aposentadorias consideradas precoces, expurgo este que é anualmente elevado em função de uma média nacional de "expectativas de sobrevida" das pessoas em cada idade.

 

Tenho acordo no geral à crítica da Lei do Fator e desacordo para com a tese substitutiva do colega articulista. Em tal situação, o melhor caminho para esclarecer a opinião pública das razões de cada um é a justificação por meio da razão comunicativa. Esta, segundo o seu idealizador teórico (Habermas), é a forma dialógica de confrontar pretensões de verdade distintas de vários interlocutores, sem apelar para outra forma de coerção que não seja a do argumento.

 

Já defendi no passado a tese da aposentadoria por tempo de serviço pura e simples. Mas pesquisando o tema previdenciário e encarando os desafios e perspectivas da política social brasileira neste século, concluí que esse instituto precisaria ser alterado caso optássemos por universalizar o seguro social no Brasil. Há também os que optaram por mudar a regra anterior apenas por motivos fiscais, sem qualquer pretensão universalista.

 

Alguns outros fatores importantes co-determinam as regras previdenciárias no tempo histórico, sendo destacáveis dois grandes grupos de variáveis – relativas às tendências demográficas de longo prazo (exemplo: a relação de dependência "População em Idade Inativa / População em Idade Ativa) em primeiro lugar; e outras ligadas à própria relação do mercado de trabalho com a Previdência Social (exemplo: a relação segurados / População Economicamente Ativa).

 

Esses dois indicadores chaves estão se alterando no Brasil – no primeiro caso por meio de várias mudanças simultâneas (maior longevidade, queda nas taxas de natalidade etc.). Levará de três a quadro décadas para exibir o padrão europeu atual de envelhecimento da população. Isto tem conseqüências para os sistemas previdenciários, ao mesmo tempo distintas e similares, naquilo que diz respeito à acumulação de benefícios e respectivas despesas à Previdência Social

 

Mas a segunda mudança mais significativa, que na verdade deveria ser uma estratégia da política previdenciária, é a universalização do seguro social, cujo indicador aqui empiricamente sintetizado é a relação das Pessoas Seguradas / População Economicamente Ativa.

 

As evidências empíricas disponíveis mostram um inusitado movimento de filiação previdenciária desde 2001, levando em média dois milhões de novos segurados ao sistema (INSS) ano após ano. Porém, há ainda uma quantidade enorme de pessoas que buscam o sistema, mas não conseguem realizar todas as contribuições regulares (12 ao ano), e que atualmente representam metade dos 50 milhões de contribuintes do INSS –(dezembro de 1977).

 

Mesmo tendo havido todo esse processo recente de filiação, há um remanescente de exclusão ainda apreciável. A começar por esses "meio-segurados", a que nos referimos anteriormente (em 2007, 12,5 milhões de pessoas, segundo o Anuário Estatístico da Previdência, fizeram até seis contribuições anuais e outras 12,9 milhões fizeram de 7 a 11 contribuições). Afora esses semi-incluídos, temos os não segurados definitivos – número que gira entre um terço e 40% da População Economicamente Ativa (A PEA atual está em torno de 100 milhões de brasileiros).

 

Observe-se que as condições do segurado regular e dos tempos de carência requeridos são pré-requisitos essenciais ao acesso a benefícios. E quando aumenta a massa de segurados, com defasagens respectivas para diferentes benefícios com distintas carências (exemplos: aposentadorias, pensões e auxílios), elevam-se os estoques de benefícios em manutenção.

 

A combinação da relação demográfica de dependência (Inativos / Ativos) em crescimento com a elevação da inclusão previdenciária convergem no médio prazo para uma elevação forte dos estoques de benefícios em manutenção no sistema. Isto é previsível e deveria orientar uma reforma no sistema de financiamento, de sorte a dotar a Previdência de recursos, que se tornariam mais prementes em 10 a 15 anos adiante, mantido o ritmo atual de crescimento da filiação. Esta folga fiscal relativa (10 a 15 anos) pressupõe continuidade do ciclo de filiação, que por sua vez depende do crescimento econômico contínuo. Qualquer mudança de cenário traz problemas fiscais imediatos para o sistema.

 

Concluindo este já longo artigo, há um evidente "trade-off" entre ampliar benefícios aos atuais beneficiários da Previdência Social (há várias propostas neste sentido, todas de forte apelo popular) e o atendimento dos direitos dos novos segurados, dos "meio-segurados" e dos totalmente excluídos, que precisariam ingressar no sistema. Esta é uma linha de reforma do sistema que apóio, mirando o futuro e adaptando as regras previdenciárias à totalidade do mundo do trabalho e às condições demográficas que irão mudando do presente ao futuro (idade mínima em 2030 de 65 anos para homem e 60 para mulher).

 

Guilherme Costa Delgado, economista do IPEA, é doutor em Economia pela UNICAMP e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.

 

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