Correio da Cidadania

A Questão do Desemprego na Conjuntura

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O problema do desemprego não é novo na história econômica dos séculos 19 e 20, para ficar no âmbito da era do capitalismo industrial. Mas quando essa questão se coloca com as características graves, como as que se observam no período atual (2015-2017), aguçam-se, com toda razão, nossas inquietações, angústias e preocupações sobre ‘o que fazer’ para reverter o mal-estar evidente de tal situação.

Contudo, precisamos admitir que não pode haver cura sem conhecimento, diagnóstico ou informação situacional veraz do mal que se pretende curar. Ciências médicas e cura das enfermidades humanas e ciência econômica e cura dos males do desemprego, como veremos, têm suas âncoras originais no Iluminismo, mas também muitas práticas e “racionalidades instrumentais” bastante questionáveis do ponto de vista da razão.

Vou contextualizar, rapidamente, a situação do desemprego no Brasil, na conjuntura atual, sem o que qualquer ação política, no sentido de resolvê-la, ficaria incompreensível.

Até 2014, os indicadores de emprego e desemprego do IBGE, conquanto já revelassem desaceleração econômica em 2013 e 2014, mantinham-se relativamente favoráveis. O emprego formal ainda cresceu no ano de 2014 (segundo a fonte CAGED, ao redor de 400 mil postos), somente começando a cair a partir de dezembro; e em 2013 houve acréscimo líquido na faixa de 1 milhão de postos.

Praticavam-se então políticas “anticíclicas” de baixa eficácia para o crescimento econômico (o PIB cresceu 1% em 2013 e 0,1% em 2014), mas, ainda assim, relativamente eficazes contra o desemprego aberto, pelo menos em termos comparativos, como se verá adiante.

Em janeiro de 2015, o principal indicador de desemprego do IBGE (PNAD- contínua) é de 6,8% de uma População Economicamente Ativa ao redor de 100 milhões de pessoas. Esse indicador sobe para 8,1% em maio do mesmo ano e, desde então, continuamente cresce mês a mês, atingindo 12,7% em janeiro de 2017, com previsão de crescimento até final do ano até 14%.

Números frios dizem pouco dos dramas pessoais. Estamos falando de 12 a 14 milhões de seres humanos ‘desempregados e procurando emprego’, metade dos quais perderam e ainda estão perdendo seus postos de trabalho nesse fatídico triênio 2015-2017.

O período mencionado coincide com gestões econômicas muito parecidas nas suas concepções ideológicas – a do ministro Levy, no segundo governo Dilma, no qual se iniciou a elevação do desemprego, e a do ministro Meirelles, no governo Temer, que acelera o crescimento do desemprego e ainda põe em marcha a desestruturação da “Ordem Social” da Constituição de 1988.

Não cabe nos limites de um artigo curto, que por exigência editorial precisa sê-lo, analisar a causalidade direta da política de ajuste fiscal ortodoxo com a produção do desemprego. Há outros fatores intervenientes na conjuntura, a exemplo do declínio das commodities, da operação Lava Jato e da incerteza geral do ambiente político, em parte de contaminação externa, mas na maior parte autoproduzida, que conjugados geram crise fiscal.



Mas o que é importante destacar é que a resposta política a essa condensação de crises, sob o formato genérico do corte de despesas orçamentárias, exceto financeiras, executadas nos dois governos, agravam sensivelmente o problema do desemprego.

O que se pode constatar no período 2015-2017 é inauguração e aprofundamento de uma terapêutica do chamado “austericídio”, neologismo que ainda não se sabe significar austeridade mais suicídio do sistema ou austeridade mais homicídio dos empregos e dos empregados.

Os autores e executores do ‘austericídio’, contra toda evidência histórica e teórica, acreditam no mercado como espécie de demiurgo da história. Acreditam também, à margem dos seus discursos tecnocráticos, numa espécie de teologia idolátrica-sacrificial, no contexto da qual o sacrifício dos mais frágeis na vida social e econômica seria o castigo necessário, que ao fim de certo período reanimaria o espírito animal dos empresários. E como prêmio dessa expectativa, emergiria como fênix das cinzas um animal empreendedor a tomar decisões privadas de investimento, com que se ergueria a economia combalida.

Essa crença “teológica”, mistura da velha teologia da retribuição do Templo Judaico com algum tempero da mitologia grega, nada tem a ver com a “Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda” de J.M. Keynes, que desde os anos 30 é leitura indispensável às políticas de enfrentamento do desemprego cíclico.

Também não dá nos limites deste artigo para analisar uma estratégia de política de emprego, em moldes keynesianos, adaptável à situação atual. Mas o que não se pode fazer, a essa altura da história, é abandonar a tese geral do autor da “Teoria Geral”, que continua válida, qual seja – sem política estatal para combater o desemprego ou gerar o pleno emprego, os mercados não o fazem ou mesmo aprofundam o problema na crise.

Daí para contextualizar uma tal orientação política, precisaríamos resgatar e atualizar as instituições do Estado do Bem Estar capazes de promover demanda efetiva e empregos anticíclicos, e jamais pensar no oposto, como realiza o governo Temer – destruir a “Ordem Social” da Constituição de 1988. Isto é uma aposta na barbárie, que precisa ser contida.

Guilherme Costa Delgado

Doutor em economia pela UNICAMP e consultor da Comissão Brasileira de Justiça e Paz.

Guilherme Costa Delgado
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