Correio da Cidadania

Canto para a amada

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Há um bom tempo eu já devia ter feito o meu canto para a amada.

 

Pois foi ela quem me contou e me conta tantas incontáveis histórias.

 

No canto para a amada eu me verei de novo no início do mundo.

 

Ao cantar, a amada me encanta outra vez.

 

Cada canto que ela canta é uma carta que me encaminha para os quatro cantos da vida.

 

E eu canto para a amada um canto dos cânticos retirado.

 

Canto que eu só quero longo e curto, vento e estrada, ida e retorno, mar e rio, avião e navio.

 

Canto que eu só quero vivo.

 

Cantigas e cantatas, cantarolas e cantarilhos, tudo é canto para a amada.

 

A amada é um cantar amado, amavio.

 

Ouvi o canto cantar — e eu sei onde.

 

Onde é a amada eu sei o que é, e é cantar.

 

Um canto de amor se canta sem cansar.

 

Canta, amada, para eu poder recantar nesse recanto.

 

Estava lá o canto, cantando em voz baixa, em voz firme, em voz breve, em voz clara.

 

Todos os que amam sabem cantar.

 

Mesmo que desafinem, mesmo que morram, sabem cantar o seu canto enquanto a amada observa.

 

O canto não pode ficar jogado num canto qualquer, acanhado.

 

Meu canto para a amada tinha hora de chegar, e chegou.

 

Não se canta impunemente, e o meu canto sabe muito bem.

 

O meu canto não é canto de canário, que canário não sei imitar.

 

O meu canto é canto cantado sem fundo musical.

 

É um canto de palavras apenas, de sentimentos, de lembranças, de andanças, de quantas e quantas palavras, de tantas e tantas palavras.

 

Canto para a amada esse canto sem pauta, sem orquestra, sem aparato.

 

Meu canto é tudo o que eu tenho e é um canto assim, que conta com a amada, que não sabe fazer contas, não sabe calcular.

 

Sempre cantei, mesmo calado. Sempre fiz meu canto ecoar, mas era preciso fazer esse canto sair de suas cautelas.

 

Um canto precisa ter algo de incauto, de insano, ainda que seja um canto calmo e constante, sem sobressaltos, um canto para se cantar a vida inteira.

 

Amada, meu canto não é nada, ou quase nada. É canto de papel. Um canto que eu preciso cantar no começo da noite.

Um canto que só você sabe ouvir.

 

Gabriel Perissé é doutor em Educação pela USP e escritor.

Website: http://www.perisse.com.br/

 

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Comentários   

0 #1 Daisy Faria 30-07-2009 16:06
Gabriel,
Você disse TUDO que eu gostaria de ter dito. Faço minhas as suas palavras para cantar também para o meu amado. Só ele saberá ouvir...onde estiver...
Abs,
Daisy
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