Vão seqüestrar o meu trema!

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Gabriel Perissé
20/04/2007

 

Quando o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 entrar em vigor, talvez muitos brasileiros mal percebam as alterações. Eu, no entanto, já estou pregustando as amargas mudanças, por menores que sejam.

 

Está previsto, por exemplo, que o trema desapareça. O trema, que já não era visto nas páginas da Folha de São Paulo e da Revista IstoÉ, sumirá do nosso idioma para todo o sempre. Vou sentir muita falta. Jamais me acostumarei (tremo só em pensar) a sequestros sem trema, consequências sem trema, sanguíneo sem trema.

 

Os professores de língua portuguesa que se irritavam quando liam a Folha e IstoÉ, ou punham com caneta vermelha os tremas esquecidos nas redações de seus alunos, terão agora que, humildemente, reconhecer a verdade. Não se tratava de esquecimento, no caso dos alunos, ou de arrogância, no caso daquele jornal e daquela revista. Era pura premonição!

 

Outra mudança: paroxítonas terminadas em “o” duplo perderão o acento circunflexo. “Abençôo” será “abençoo”, “enjôo” será um despojado “enjoo” e os “vôos”, que já estavam com problemas há meses nos aeroportos brasileiros, terão mais uma perda: o “chapeuzinho”. Os “voos” sem circunflexo me deixam perplexo.

 

O acento agudo nos ditongos abertos “ei” e “oi” de palavras paroxítonas também será suprimido. “Assembléia”, “idéia”, “epopéia” vão ser “assembleia”, “ideia” e “epopeia”. Que cefaléia! “Jibóia” e “tramóia” serão inofensivas “jiboia” e “tramoia”.

 

Se eu pudesse propor alguma mudança relativa à acentuação, mandaria adotar a simplicidade do inglês — não há acentos, ninguém perde tempo com isso. Aliás, a rigor, os acentos já deixaram de existir para milhares de pessoas, sobretudo quando escrevem na internet. Nada de til, acento agudo, acento grave, estão todos tranqüilos, ou melhor, tranquilos. Para esses escritores revolucionários, o acordo informal já foi feito, blz!

 

Aceitarei de bom grado tudo, menos a queda do trema. Os “linguistas” sem trema me fazem pensar que a língua será “linga”. Os “bilingues” e “trilingues” estarão mais próximos do estilingue. Comer “linguiça” vai ser um enguiço! Uma nota de “cinquenta reais”, eu não “aguentarei”! E o “pinguim”, coitado. E a “eloquência” empobrecida...

 

Bem sei que isso é idiossincrasia. Nada que o tempo não possa curar. Na pior das hipóteses, os amantes do trema não viverão para sempre. Daqui a duzentos anos, todos vão achar estranho que houvesse gente usando esses dois pontinhos em cima da letra “u”.

 

 

Gabriel Perissé é doutor em Educação pela USP e escritor.

Web Site: www.perisse.com.br

 

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