A vida não ouvida

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Gabriel Perissé
11/03/2008

 

Ex-refém das Farc, Luis Eladio Pérez passou seis anos e sete meses longe do seu mundo. Muitas vezes incomunicável, falava com as árvores: "Eu estava sozinho havia dois anos; falava com as árvores"!

 

Não é loucura, é sanidade. As árvores falam.

 

O que falam, o que dizem as árvores? Conversam as árvores sobre temas seculares: as raízes da paciência, os frutos do sofrimento, as folhas do passado. Talvez até mesmo sobre a questão das células-tronco, sobre o início da vida, a semente, a mensagem da vida não ouvida...

 

Quando começa a vida?

 

Todos se sentem capacitados para responder: cientistas e bispos, advogados e jornalistas. E há quem peça plebiscito, como se a discussão dependesse da leitura de um artigo da Veja ou da Superintessante! Questão sujeita à profundíssima pesquisa jornalística, à embasada opinião popular, liberdade absoluta, democracia de alto nível... Milhões de pessoas que nunca ouviram as árvores.

 

Não sou autoridade em coisa alguma, somente um leitor atento. Não pertenço a nenhum Tribunal — sou apenas um sobrevivente. Aprendi sozinho que ter nascido é um milagre. Ter vivido até agora, outro milagre. As árvores sabem disso. Não há escolas que nos ensinem a ouvir árvores e embriões.

 

Diferentes posições científicas põem em xeque a minha ignorância. Segundo a teoria genética, a vida começa no primeiro momento. Afirma a teoria embriológica que a vida começa na 3ª semana de gestação, quando o embrião adquire individualidade. A tese neurológica diz que a vida começa com a atividade cerebral (8ª semana de gestação).

 

Para a visão ecológica, quando o feto pode viver fora do útero (6° mês de gestação). Para a visão fisiológica, o indivíduo está vivo quando nasce e pode respirar por conta própria.

 

E lá está o Supremo Tribunal Federal encarregado de decidir quando começa a vida. Pobre Tribunal. O artigo 5º da Lei de Biossegurança menciona as pesquisas com células-tronco de embriões. Se definirem que a vida humana não começa na fecundação, mas na nidação, quando o embrião se aconchega no útero materno lá pelo 40° dia, essas pesquisas serão autorizadas. Contudo, outra questão virá à tona.

 

A discussão sobre o aborto. Pois estará estabelecido pelo Tribunal que abortar é eliminar uma vida. As possibilidades de aborto hoje previstas em lei serão questionadas. Se a vida humana não começa na fecundação, quando uma árvore começa a viver?

 

Gabriel Perissé é Doutor em Educação pela USP e escritor

 

Website: http://www.perisse.com.br/

 

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