A 1000 dias da Copa, desregulação de gastos públicos e escárnio geral são fatos consumados

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Gabriel Brito, da Redação
17/09/2011

 

 

A mil dias de iniciar a Copa do Mundo, os trabalhos de preparação e organização do mundial seguem a toada prescrita por este Correio desde a eleição do Brasil como sede do evento, ou seja, uma balbúrdia de atrasos, custos que crescem inexplicavelmente e inescapáveis leis flexibilizadoras.

 

Dessa forma, segue impossível fazer qualquer cálculo fidedigno acerca do preço final do torneio. Nos últimos dias, a ABdib (Associação Brasileira das Indústrias de Base) divulgou o seu ‘palpite’: 112 bilhões, ou 84 bilhões considerando apenas as principais necessidades estruturais. Até porque o governo finalmente conseguiu aprovar o Regime Diferenciado de Contratações, algo imaginado por muitos, com as previsíveis alegações de atrasos nas obras e processos licitatórios, que precisam ser acelerados em nome da honra do país, que segundo Dilma Rousseff fará “a melhor Copa da história”.

 

No entanto, seria bom a presidenta começar a olhar para o Ministério dos Esportes da mesma maneira que tem se dedicado a outros, tumultuados por infindáveis escândalos e demissões, de preferência evitando posteriores indicações fisiológicas para a continuidade dos trabalhos na respectiva pasta.

 

Nesta semana, o ministro Orlando Silva Jr deu importante pista acerca dos embustes que sofreremos com a Copa, vendidos ao público sob os famosos discursos de “legado” a ser deixado pelo evento, indefinidamente desfrutável pela população local.

 

Em encontro realizado nesta quarta, 14, em Brasília, com representantes de estados e municípios envolvidos, o ex-presidente da UNE e membro do PC do B ressaltou que diante dos atrasos (cada vez mais irreversíveis), as “obras de mobilidade urbana não estão entre os pilares essenciais da Copa”. Estes seriam representados pelos estádios e aeroportos, já no devido caminho das privatizações.

 

Dessa forma, nossa classe política, que nada faz pelo decadente e bagunçadíssimo futebol nacional, mas entra de cabeça em projetos bilionários a ele relacionados, começa a escancarar as vísceras de um “sonho” desde o princípio nefasto às contas do país, que sequer carecia de qualquer clarividência para se antever como corrupto ao extremo.

 

Vale lembrar que logo após a escolha do Brasil, não houve quem deixasse de afirmar que todos, ou quase, os custos do mundial seriam bancados pela iniciativa privada, que em tempos de prosperidade econômica nacional “nunca dantes vista” afluiria com a mesma naturalidade dos rios que deságuam no Amazonas.

 

Claro que nada disso provou-se verdadeiro, até pelas conhecidas características das parcerias público-privadas que assaltam rotineiramente os erários de todos os entes nacionais, em todo e qualquer setor, seja ele estratégico, seja secundário. O próprio caos permanente nos Ministérios de Dilma deixa claro que tal lógica se encontra cada vez mais cristalizada em nossa política. Pra não falar da Operação Castelo de Areia, da Polícia Federal, que as empreiteiras conseguiram sustar, as mesmas associadas à Copa verde e amarela.

 

Remoções

 

Fundamental na questão do legado urbanístico, o ministro das Cidades, Mario Negromonte, manifesta preocupação com o atual estado de coisas, e começa a receber cada vez mais pressões para que o governo trabalhe por outra lei flexibilizadora, que facilite o caminho para as desapropriações.

 

E aqui temos aquele que promete ser um dos maiores focos de tensão dos preparativos. Tal como já observado por urbanistas como Raquel Rolnik e diversos movimentos sociais, as desapropriações em áreas pobres serão uma tônica neste boom de negócios gerado pelos megaeventos. Só no Rio de Janeiro, já são previstas remoções de famílias em 120 áreas diferentes.

 

No entanto, elas devem se multiplicar. Cidades como São Paulo, Fortaleza e Recife já começam a ser agitadas por movimentos de resistência (os Comitês Populares da Copa) ao caráter truculento das negociações com as famílias cujas residências viraram alvo dos projetos, sejam de mobilidade, aeroportos ou estádios.

 

Estádios

 

Por sua vez, a construção dos estádios já se encontra sob diversos problemas. Mesmo tratando-se dos mais caros já construídos, com bilhões de reais da sociedade nas mãos do velho cartel de construtoras que praticamente governa o país, não tem sido possível evitar as greves dos operários. No momento, os do Maracanã e do Mineirão estão de braços cruzados pela segunda vez, sendo o segundo caso desde quinta, 15; o mesmo já ocorreu em Fortaleza, além de ameaças em Cuiabá e Salvador.

 

Tal como anunciado na construção do estádio paulista (que para tornar-se aceitável ao público, diante da existência do Morumbi, foi vinculado ao Corinthians, único grande da cidade sem casa particular à altura), o novo expediente dos empreiteiros, com todo apoio do governo federal, é empregar presidiários nas obras da maioria dos estádios.

 

Assim, monta-se (e prega-se) mais uma perfeita peça publicitária a respeito do mundial. Obras, legado, empregos e ainda como brinde ressocialização de marginais, demonstrando como uma Copa do Mundo pode propiciar grandes mudanças numa sociedade. Pena que se trata apenas de trabalho semi-escravo e potencialização de lucros, como se verifica nas queixas emitidas pelos operários do ex-maior do mundo e do Mineirão, que passam por pontos básicos, como qualidade da alimentação e alojamento.

 

Avança o descontrole

 

Já a FIFA, mundialmente desmoralizada pelos escândalos denunciados em avalanche pela mídia inglesa, e posteriormente mundial, segue fazendo seu jogo sujo de bastidores, reiterando exigências etéreas que apenas encarecem as obras. Apesar de proibir em seu estatuto a interferência estatal no futebol dos países, aceita de braços abertos que os Estados banquem suas festanças, tal como se viu no sorteio das Eliminatórias, realizado na Marina da Glória, em evento que custou 30 milhões de reais, divididos entre Sergio Cabral e Eduardo Paes, que repassaram imediatamente tal verba para a Geoeventos (empresa de marketing esportivo das Organizações Globo) promover o evento. Uma perfeita ilustração do que e de quem será esta Copa do Mundo.

 

Por fim, o grande responsável de tudo, o governo, faz jogo duplo. No discurso, fala que fiscalizará todos os custos e que as flexibilizações nas contratações de obras não significarão portas abertas à corrupção, apenas agilização dos procedimentos necessários, haja vista que os órgãos reguladores e contábeis continuarão tendo acesso aos números.

 

No entanto, tal publicidade dos gastos ainda não está realmente esclarecida, assim como a capacidade de atuação do Ministério Público e do Tribunal de Contas da União. Além disso, os portais do governo, e também outros, que prometiam acompanhar os gastos e garantir a transparência exigida estão francamente desatualizados.

 

Ainda assim, algumas autorizações e liberações de verbas e medidas são contidas por tais órgãos controladores, o que faz o governo e seus aliados (políticos e empresariais) intensificarem o jogo de bastidores por mais e mais flexibilizações por meio de leis.

 

Enquanto isso, na prática menos da metade dos projetos estão em fase de execução e os prazos continuam se comprimindo. O governo não dá sinais de que colocará todos na linha e organizará, de fato, alguma coisa. Assim, veremos um crescente terrorismo dos “gringos” e empreendedores da Copa, apoiados no discurso de que temos de evitar o vexame. A partir disso, é melhor não pensar no que pode acontecer para que se acelerem os projetos e se entregue tudo, ao menos o necessário àquele sagrado mês, a tempo.

 

 

Gabriel Brito é jornalista.

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