Correio da Cidadania

De volta à estaca zero: (re)abrasileirar a seleção

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Acabou mal para o Brasil a era Dunga. Conforme alertado antes do início da participação brasileira na Copa da África do Sul, se não podíamos levar um bloco carnavalesco para vestir a camisa amarela, tampouco deveria ser permitida a transformação da seleção num quartel pentecostal, sob as batutas de Dunga e Jorginho.

 

Também foi gritante o inédito grau de discordância entre técnico e torcida, que gostaria de riscar pelo menos metade dos convocados da lista escolhida pelo debutante na profissão. Nada como os resultados – pena que só eles – para confirmar o poço de mediocridade em que se afundara o Brasil, incapaz de sequer utilizar todas as substituições possíveis para tentar empatar o jogo com a Holanda, aquele que pôs fim à farsa dunguista - da moral e dos bons costumes acima do futebol jogado.

 

Parece fácil crucificar agora o capitão do tetra. Mas o fato é que Dunga ganhou o ódio de grande parte da torcida durante seus quatros anos de trabalho e acirrou-o definitivamente nos dias em que transcorreu o mundial. O próprio técnico fermentou a situação, comprando brigas e destilando arrogância quando vencia – mesmo quando só à base de contra-ataques e bolas aéreas. Muita gente, inclusive bem informada, aplaudiu o confronto de Dunga contra a Rede Globo, que, se por um lado esteve corretíssimo em cortar privilégios editoriais, por outro, foi vexatório para a própria seleção, com ataques e grosserias a diversos indivíduos – da Globo ou não – durante as famigeradas entrevistas. E estava na cara que essa péssima relação técnico-mídia (não só com a Globo, repita-se) seria potencializada quando todos tivessem de se aturar semanas a fio.

 

Além de exibir o péssimo futebol que temíamos (previsível para quem acompanhou algo além de meros resultados nesses anos todos), sem idéias, alternativas e o talento intrínseco deste país, trancafiou a seleção (com anuência dos atletas) e evitou ao máximo o contato com torcedores e imprensa, de todo o mundo. Dessa forma, além de medíocres, fomos um dos times mais antipáticos da Copa.

 

Deu inveja dos uruguaios, que esbanjaram leveza de espírito e tiveram ótimo trato com funcionários de hotel, torcedores e jornalistas, fechando sua estadia com a assinatura de convênio para intercâmbio esportivo com os sul-africanos, completamente carentes de apoio na área, especialmente nas bases. Creio que devia ser mais ou menos esse o tal espírito de congraçamento tão exaltado na hora de se justificar e festejar tanta atenção a um torneio de futebol.

 

Resumidamente, a era Dunga foi mais um retrocesso do futebol brasileiro sob os auspícios de Ricardo Teixeira, que não perdeu tempo em dissolver toda a comissão técnica após o fracasso. Disse que era tempo de renovação. Errou, pois foi em 2006 que encerrou o ciclo de toda uma geração, ficando evidente que o Brasil precisava de sangue novo em todas as partes. Mas sempre apressado em fugir das responsabilidades e sem projeto, logo correra ao público para desancar a ‘farra’ em terras alemãs, esquecendo apenas que deu todo seu aval. No entanto, já era pra ter sido após aquela Copa a tal época de renovação, quando Teixeira preferiu ressaltar ser hora de ‘compromisso’.

 

A Alemanha surpreendeu o mundo levando um time repleto de garotos recém-profissionalizados e de pouco renome internacional. Foi a sensação do torneio, tendo feito as apresentações mais empolgantes. Desfalcado por algumas lesões de última hora, seu técnico não teve medo de dar chance aos jovens e colheu ótimos resultados e perspectivas. Como se sabe, o Brasil tinha garotos para tranqüilamente dar o mesmo impulso ao time. E não falo só de Neymar e Ganso, as bombásticas revelações que o mais tacanho de todos os selecionadores conseguiu ignorar.

 

Infelizmente é o máximo que podemos esperar de gestão da CBF. Ou seja, nada. Amoral e inepta, nunca tem planos ou uma filosofia a ser posta em prática na seleção, ao contrário, por exemplo, dos espanhóis, que passaram anos formando jogadores e seleções em todas as categorias com um estilo e uma mentalidade de jogo semelhantes. Não é questão de apontar o melhor caminho, apenas de se ter um no horizonte. Com uma confederação que só pensa na festa da Copa de 2014 e em conseguir novos patrocinadores e amistosos milionários em fins de mundo, nunca teremos projeto sério de seleção no que depender de Ricardo Teixeira. Basta ver a inutilidade da CBF na condução do futebol doméstico, aquele nosso de cada dia – o que ainda será tema aqui neste espaço.

 

Apesar de você...

 

Ávida por dar respostas satisfatórias ao público, afinal, sediaremos a próxima Copa e não pode haver outro Maracanazo, a CBF se mexeu por um novo técnico. Vamos pela ordem: Luiz Felipe Scolari, à boca pequena, não tolera Teixeira e jamais colocaria em jogo seu título em 2002 para nova aventura à frente da seleção; Muricy Ramalho, técnico mais vencedor dos últimos anos, disse não, inseguro sobre as garantias de permanência no cargo e, digamos, as noções de ética do Rei Ricardo, que por sinal lhe fizera a proposta ignorando a existência de seu empregador, o Fluminense, presidido por um neodesafeto seu; chegou-se a Mano Menezes, de bons resultados recentes, com aprovação da exigente torcida corintiana e visto como alguém muito melhor no quesito relações públicas.

 

Com bons trabalhos no currículo e um discurso de arejamento, não foi difícil para Mano angariar simpatia da mídia e torcida em sua posse. Logo para o primeiro jogo, fez uma convocação muito mais antenada com o gosto do torcedor. E, diga-se, com a realidade do futebol, isto é, levando um conjunto de jogadores que se destacaram dentro de campo, não pelas obscurantistas razões apresentadas por Dunga quando de sua convocação final; "compromisso", "lealdade", "patriotismo"... essas tristes memórias que carregaremos, pelo nosso bem, por muitas décadas. A vitória por 2-0, com sobras, contra a razoável seleção norte-americana foi uma estréia agradável.

 

Além disso, Mano, gaúcho, de onde saem professores mais adeptos de esquemas táticos austeros e solidários, disciplinadores e apreciadores de boas defesas, não esperou um dia para dizer que quer resgatar a maneira brasileira de se jogar, respeitando nossas características, aproveitando a natureza e o talento do jogador brasileiro. Elementar, não parece?

 

Depois, o novo comandante convocou um grupo de 22 atletas que jogam no exterior para um período de treinos, e nada mais, em Barcelona, no mês que passou. A maior parte da imprensa caiu de pau na idéia, reclamando jogos para testar o time e os novatos. Mas também sempre execrou os amistosos inúteis que faziam o time viajar dezenas de horas e jogar sem qualquer preparação à altura. Como se tratava de um grupo de muitos debutantes, não me pareceu descabida a idéia, já que o período pode ser útil para ‘conversas filosóficas’ e outras anotações pertinentes à comissão técnica, em nossa busca pelo reencanto com a seleção.

 

E graças a Mano Menezes, técnico na acepção da palavra, freqüentador assíduo de estádios e conhecedor do futebol internacional, que o Brasil volta a ter um projeto de seleção – a despeito do supracitado monarca. Além do período de treinos, algo, goste-se ou não, um tanto inovador, anunciou pretender reformular totalmente a gestão de nossas categorias de base, sempre comandadas por desconhecidos e sem conexão alguma com o time adulto, que historicamente pouco aproveita os garotos. Trata-se de contradição inexplicável, que só faz crescer suspeitas que permeiam o mundo do futebol de base e os infinitos interesses, e interesseiros, que o cercam. Para tentar mudar essa tradição, escolheu Ney Franco, técnico do Coritiba, para assumir a seleção sub-20 e também a coordenação de todas as categorias de base.

 

Eu acredito em Mano Menezes. Suas capacidades técnicas são elevadas, tem controle sobre o ambiente de trabalho, mostra-se habilidoso no trato com o público e é, no bom sentido, moderno, isto é, conhece profundamente as mais recentes tendências do futebol, variações táticas e atletas que surgem pelos quatro cantos. Mostrou estar atento a atletas brasileiros de dentro e fora do país, de times grandes e menos expressivos - basta ver os nomes das mais diversas procedências que já convocou até aqui.

 

Além do mais, mostrou consciência de que o patrimônio futebolístico deste país não pode ser ofendido por qualquer imediatismo e medo de jogar de forma mais ousada e virtuosa. Compreendeu que o torcedor da seleção não quer só resultado – isso ele exige do clube. E está disposto a montar uma seleção que encante, como afirmou. Fora isso, já tem talento de sobra à sua disposição muito antes da Copa que sediaremos e pode contar com alguns (bons) nomes que se salvaram da tragédia dunguista, especialmente na defesa, o que é um ótimo suporte para quem entra no time.

 

Fomos brasileiros demais em 2006 e de menos em 2010. Acima de tudo, graças à CBF, é sempre necessário dizer, desinteressada e incompetente em questões ‘intra-campo’. Seus superiores estarão ocupados demais com a ‘organização’ da Copa, as obras, as exigências da límpida federação internacional... Portanto, o que nos espera em 2014 só Mano poderá dizer.

 

Gabriel Brito é jornalista, Correio da Cidadania.

 

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