Sonhos dentro e fora de campo

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Gabriel Brito
06/01/2010

 

Ao contrário do que ocorreu ao longo dos anos, neste 2010 que amanhece o esporte estará novamente no centro das atenções brasileiras, não apenas pelos eventos que o ano reserva, como também por conta do avanço nos preparativos do país para o desafio de dar conta do recado das duas grandes empreitadas que tem pela frente: Copa do Mundo 2014 e Olimpíada 2016.

 

No entanto, não serão apenas os dois eventos os assuntos da pauta esportiva. O ano concentrará as atenções dos fãs por diversas razões. Além da Copa do Mundo, claro, uma delas é o combate à vergonhosa montanha de casos de doping que assolou o esporte brasileiro em 2009; foram 40, sendo o mais escandaloso o da Equipe Rede de Atletismo, que teve 16 atletas flagrados em exames surpresa.

 

O caso chamou a atenção para a facilidade com que técnicos e atletas têm acesso a substâncias proibidas que aumentam o rendimento do competidor. Recomendadas por dois professores da UNESP (Pedro Balikian e o treinador Jayme Netto), os atletas ingeriram as substâncias, alguns sem saber, indiscriminadamente, sendo que até agora não houve punição aos responsáveis, que foram ‘escondidos’ pela universidade.

 

De toda forma, o caso abriu os olhos de todos acerca da precariedade brasileira no controle do doping, uma vez que o único laboratório internacionalmente reconhecido sofria de uma clara falta de infra-estrutura para o exercício de um trabalho mais eficiente. Como noticiado pelo jornal O Globo em novembro passado, o Ladetec (Laboratório de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico) chegou a ficar 10 meses sem condições de realizar exames sobre EPO, exatamente a substância de maior incidência nos casos.

 

Após correr o risco de ser descredenciado, o ministério do esporte se comprometeu a realizar novos investimentos no laboratório coordenado pela UFRJ. É o mínimo para quem pretende se alavancar a potência olímpica séria, patamar do qual, mais uma vez se atesta, estamos muito distantes. O caso é apenas um bom demonstrativo do descaso com que alguns pontos estruturais do esporte ainda são tratados.

 

O número recorde de atletas flagrados causou enorme constrangimento internacional, e pelo fato de o Ladetec nem sequer possuir uma estrutura do mesmo nível de outros locais podemos imaginar que muitos outros casos acabaram passando incólumes. Em um país que já sofre dificuldades para angariar apoio ao esporte, o desfecho da Equipe Rede acabou sendo menos trágico do que o previsto, pois o Clube Pinheiros firmou parceria com a entidade, que quase encerrou atividades, evitando mais desemprego para atletas.

 

Preparativos dos megaeventos

 

Também em 2010, o país será obrigado a avançar a passos cada vez mais largos no sentido de preparar toda a infra-estrutura exigida para a Copa e os Jogos Olímpicos, o que desde já traz muitas expectativas, já que ‘nunca na história deste país’ tivemos gestões saudáveis e competentes acerca de tais temas, sempre repletos de escancarada corrupção e favorecimentos a grupos mais poderosos dos diversos setores envolvidos.

 

A quatro anos do mundial de futebol, o Brasil precisará inadiavelmente começar as obras em seus estádios, já atrasadas e provavelmente sem a participação do sempre aclamado setor privado. E podemos cravar que vai sobrar para o cofre público mesmo, pois sabemos perfeitamente o quão oportunistas são as aves de rapina do setor privado brasileiro, à espreita de assumir empreendimentos dispendiosos apenas depois de tudo pronto.

 

O fato de diversos governos estaduais já anunciarem que tomarão conta das obras sozinhos, inclusive em centros mais desenvolvidos, como o Rio, já mostra como podemos começar a pôr as barbas de molho. Sem contar a ‘qualidade’ dos líderes dos projetos, sabidamente da pior raça que habita esse país e que sem dúvida alguma não resistiriam a investigações sérias, tanto que se mataram para frear CPIs tanto do COB quanto da CBF.

 

Alguns deputados já trataram de formar uma bancada de fiscalização no parlamento, mas ainda é cedo para dizer se seus trabalhos terão efeito, já que diversos interesses de poderosos grupos econômicos podem perfeitamente suplantar tal intenção. Afinal, estamos no Brasil e sabemos como correm as licitações e compras que envolvem grandes e custosos projetos.

 

Empreiteiras, empresários certamente marcarão presença no processo, como já se verificou claramente no Pan 2007. Porém, é uma grande oportunidade de trazer credibilidade ao país, interna e externamente, caso se faça um trabalho sério e comprometido com o legado à população e que comprove que realmente adquirimos a tal ‘cidadania internacional’ – ou pelo menos cidadania.

 

Emoções à vista

 

Apesar de todas as expectativas que cercam o país nos temas acima, não é de bastidores, obras e escândalos de políticos e dirigentes que vive o esporte. Estamos em ano de Copa do Mundo, que por si só já mobiliza completamente as atenções e de fato paralisa o país, o que para alguns não chega a ser um costume tão saudável. Mas em ano de busca pelo hexa, não adianta pensarmos que dessa vez será diferente.

 

Primeiro mundial a ser realizado na África, a próxima Copa do Mundo porá à prova o trabalho de Dunga à frente da seleção. Apesar dos títulos conquistados em seus três anos de gestão, qualquer um sabe que o que realmente interessa é a Copa. No ciclo anterior, Parreira também venceu tudo, mas a horrorosa participação brasileira na Alemanha jogou tudo na lata do lixo sem a menor piedade do público – muito merecidamente por sinal.

 

No entanto, dessa vez o clima é diferente, sem o insuportável ufanismo e clima de ‘já ganhou’ que dinamitaram nossa última campanha. Dunga agora investe em jogadores sedentos por fazer história com a amarelinha, e que, por não gozarem do mesmo prestigio de estrelas como Ronaldo, Ronaldinho e Roberto Carlos, não se darão ao luxo de entrar em campo com a mesma indolência vista em 2006.

 

É preciso reconhecer que Dunga conseguiu recuperar o compromisso dos jogadores com a equipe, sem casos de estrelismo nos últimos três anos. Agora, a seleção se guia por premissas mais ‘terrenais’, como o famoso ‘grupo unido’, trabalho árduo, esquema tático rígido etc.

 

Porém, desta vez não temos craques tão superiores como em outras épocas. Não há artistas mágicos e em diversas posições outras seleções possuem jogadores melhores, ainda que os nossos sejam ótimos. Tanto é assim que a verdadeira favorita é a Espanha, algo inédito, mas justificado pelo brilhante desempenho da Fúria nos últimos três anos, registrando apenas uma derrota e um título europeu.

 

De resto, várias outras seleções podem beliscar o caneco, pois não há um visível desequilíbrio entre elas. Talvez essa Copa, em território mais neutro que o usual, quebre diversas lógicas tradicionais, como seleções emergentes ganhando espaço e obtendo resultados cada vez mais surpreendentes. Até pelo fato de a globalização ter atingido em cheio o futebol, os atletas, majoritariamente concentrados na Europa, se conhecem mais, de modo que só nosso adversário de estréia, a Coréia do Norte, consegue se manter como incógnita.

 

Além do mais, o fato de hoje em dias várias seleções terem jogadores descendentes de imigrantes ou naturalizados (Brasil enfrentará Portugal e três filhos nossos) muda a correlação de forças entre os países e até mesmo as características historicamente empregadas por cada um deles. Basta ver que a sempre inexpressiva Suíça foi campeã mundial sub-17 este ano e o que menos havia no time eram suíços ‘natos’, digamos assim; já a Alemanha ganhou o Europeu sub-21 com 11 alemães ‘natos’ e 12 provenientes de outras plagas.

 

Essa nova ordem claramente favorece os países ricos, que absorvem estrangeiros que migram em busca de uma vida melhor e que acabam aproveitando o talento esportivo de alguns de seus filhos, já nascidos ou estabelecidos no país. A França campeã em 98 foi emblemática disso. Seu craque de então, Zidane, pra dar o melhor exemplo, é filho de argelinos, mas nasceu em Marselha.

 

Há outros assuntos de relevância, como o esperado centenário do Corinthians, em busca de sua sonhada Libertadores e com Ronaldo e Roberto Carlos no time; novas e cansativas discussões sobre combate à violência; obras faraônicas acompanhadas de mais achaques aos pobres no Rio de Janeiro olímpico; Flamengo se reconstruindo com a primeira mulher a ocupar sua presidência (a vereadora do PSBD e ex-nadadora Patrícia Amorim) e por aí afora.

 

Posto tudo isso, esperamos um ano de alegrias e satisfações esportivas tanto dentro quanto fora das quatro linhas, o que, aí sim, seria um ‘título’ inédito para o Brasil.

 

Gabriel Brito é jornalista.

 

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