A praça é do povo...
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- Frei Betto
- 26/10/2011
Há algo de novo, e não de podre, no reino da Dinamarca! Verdade que provocado pelo cheiro de podridão. Como suportar o odor fétido de uma Câmara dos Deputados que absolve uma deputada flagrada e filmada recebendo bolada de dinheiro escuso?
A 12 de outubro, manifestantes foram às ruas do Brasil, e de 1.242 cidades dos EUA, emitir protestos cívicos. Aqui, 30 mil pessoas, a maioria em Brasília, exigiram o fim do voto secreto no Congresso Nacional; o direito de o Conselho Nacional de Justiça investigar e punir juízes corruptos; a vigência da Ficha Limpa nas eleições de 2012 e o fim da corrupção na administração pública.
A novidade é que tanto aqui como nos EUA as mobilizações foram convocadas por redes sociais. Uma ação espontânea, sem partidos e líderes carismáticos, e que, no mínimo, mereceria o apoio da UNE, da CUT e dos partidos ditos progressistas.
Nos EUA, cresce o movimento Ocupem Wall Street. Ali se situa o centro financeiro estadunidense, protegido pela exuberante estátua do touro que bem simboliza a ganância e a prepotência do capital financeiro.
Semana passada, mais de 1.000 manifestantes foram presos nos EUA, desmascarando a propalada liberdade de expressão da democracia capitalista. Liberdade, sim, de especulação feita por aqueles que Roosevelt qualificou de “monarquia econômica”.
A elite usamericana entrou em pânico, embora as manifestações sejam bem mais pacíficas e ordeiras que as do Tea Party (extrema-direita) em 2009. O deputado republicano Eric Cantor chamou os manifestantes de “gangues”. Mitt Rommey, pré-candidato republicano em 2012, acusou-os de provocar uma “luta de classes”...
O fato é que o poder público, aqui, e o poder econômico, lá, estão prensados contra a parede. E agora o movimento se expande pelos países da Europa diretamente afetados pela crise financeira e mais interessados em salvar bancos que empregos.
A avareza dos magnatas ianques é tamanha que acusam Obama de “socialista” pelo simples fato de ele apoiar a regra Volcker, que proíbe bancos, beneficiados com ajuda governamental, de praticarem especulação.
Bush aprovou (e Obama ainda não revogou) a redução de US$ 5 bilhões no montante de impostos pagos pela minoria que ganha mais de US$ 250 mil por ano (cerca de R$ 420 mil). “Taxem os ricos!”, diziam os protestos do Ocupem Wall Street.
Desde janeiro de 2008, o setor financeiro de Nova York fechou 22 mil postos de trabalho. E mais 10 mil estão previstos. O banco Goldman Sachs despediu 1.000 funcionários e o Bank of America 30 mil.
São consideradas “muito ricas” nos EUA apenas 3,1 milhões de pessoas, o que equivale a 1% da população. E todo o sistema de governo mais protege essa minoria do que os outros 99%. No Brasil, os muito ricos são 3 milhões.
O Brasil está sob ameaça da crise financeira. Nossas exportações, em especial soja e minério de ferro, dependem muito da China. Por sua vez, 41,5% das exportações chinesas são consumidas pelos EUA e a União Européia. Se estes dois blocos reduzirem suas importações, o sinal vermelho acende na China. Ela cresceu 10,3% ano passado e, este ano, não deve ir além de 8,7%, caindo para 8,2% em 2012. O que pode afetar as exportações brasileiras e trazer de volta, junto com o dragão da inflação, o desemprego.
Todas essas manifestações de rua são positivas, porém insuficientes. Não basta protestar. É preciso propor – uma nova ordem econômica, um novo projeto político, um outro mundo possível...
Outro risco implícito às atuais manifestações é confundir apartidarismo com repúdio a partidos. Estes são imprescindíveis para manter ou transformar o atual estado de coisas. E, ano que vem, teremos eleições municipais. Com o Ficha Limpa vigente, saberemos em quem não votar. Mas é preciso ter clareza em quem votar, livre das promessas vãs e da demagogia televisiva.
É hora de iniciar o debate de valores e critérios para a escolha de vereadores e prefeitos. Caso contrário, tudo ficará como dantes no quartel de Abrantes.
Frei Betto é escritor, autor de “Calendário do Poder” (Rocco), entre outros livros.
Página e Twitter do autor: http://www.freibetto.org/ - twitter:@freibetto.
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Comentários
Os interesses individuais são sempre maiores que os coletivos, porque escolhemos um sistema representativo. Que centraliza decisões em indivíduos.
Devemos lutar por uma democracia! Uma democracia real e participativa, que não sustenta bandeiras, nem imagens, nem partidos. Uma democracia que tenha a cara do povo! Só assim as coisas nesse mundo mudarão.
As manifestações (não a mencionada no texto do dia 12 de outubro e sim a do dia 15 e a em wall street) são sim propositivas peço para que se informem antes de reproduzir falsas informações.
http://15osp.org/
Cê deve estar é brincando.
A união das esquerdas é irrelevante, em função do grande trabalho que temos de enfrentar com as populações que, estas sim, estão ao largo do processo.
Prá mim, a esquerda que se una...bem deixa prá lá!
Em primeiro lugar,quero cumprimentar ao Frei Beto,pelos inúmeros bons artigos publicados nessa revista e ao contrario de algumas pessoas,concordo que,algumas manifestaçõe e protestos são necessários,é um bom começo para acordar o povo mas,ainda são poucos os que se manifestam.
A nossa esquerda é pequena mas,se unirmos as nossas forças com outros partidos,seremos uma oposição mais forte.
Quando o MST flexionou para a adesão ao Lulla, ninguém reclamou. Quando calou-se após receber uma ninharia para acalmar seus "rebeldes" em Brasília, mas sem nenhum avanço (muito ao contrário) na Reforma agrária, ninguém reclamou com o "companheiro" Stédile. Aliás, eu reclamei, mesmo sendo chamado de quinta coluna, pois meu companheiro ele não é, por excesso de adesismo e baixa formulação da realidade.
Assim, sobra nesta dita esquerda brasileira é excesso de "perfil doutrinário" (a meu ver, Frei Beto é catedrático nisso).
Mas, que moral tem em achar "insuficiente" o que se passa nas ruas, quem doutrinou o apoio a isso que se tornou a experiência do PT no governo federal (antevista por mim, desde minhas críticas aos governos estaduais, que presenciei em todos os Estados onde estiveram fracassadamente e agora em alianças inimagináveis?
Assim, esta dita esquerda que se manque, e vá para dentro dos movimentos "compartilhar o pão da revolta", sem defesas corporativas da classe de políticos que se sentem aliados (não em meu nome, por favor!.
A consciência crítica se faz nas ruas, e não em doutrinações para poucos "iluminados".
A ausência da "esquerda" neste movimento anti corrupção é um erro enorme, um recibo de culpa e terá consequências graves, pelo afastamento maior ainda (acho que ainda bem) de pessoas que podem avançar nas suas formulações. Eu pelo menos (apesar de tudo) acredito na humanidade, o Frei Beto parece que não, pois acho que quer tê-la a seus pés.
Não basta dizer que todo o gasto do Legislativo Brasileiro representa apenas, isso mesmo, 0,39% do orçamento da União, com todas as mordomias. O que conta, e a maioria das pessoas estão certas, é que estes cargos (bem remunerados), é que são a chave para os caixa dois, os lobbistas e lobbados para Leis Anti Povo e para a sedução de medíocres e covardes para dar maior importância à Luta no parlamento do que nas ruas.
Assim, esta esquerdinha arrogante e doutrinária que veja em si a falta de capacidade de, a partir de sentimentos genuínos contra a desonestidade (não dos promotores, mas dos participantes), fazerem evoluir a questão. Mas sem Doutrinas professorais, por favor!
A esquerda desaprendeu a fazer uma feijoada de um feijãozinho, e nem sabe mais multiplicar o pão da sabedoria.
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