Correio da Cidadania

Mara Kotscho (1953-2023), a Deus!

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A perda de Mara Kotscho, acometida de tumor no cérebro, dói em mim. Muito. Ricardo, as filhas, Mariana e Carolina, e inúmeros amigos e amigas sabem que era uma de minhas melhores e mais próximas amigas. Já no hospital, disse à família que a recíproca era verdadeira.

Nos conhecemos em 1978, em São Paulo, em plena greve dos metalúrgicos do ABC. Ela e Ricardo, recém-chegados da Alemanha, onde ele trabalhou como correspondente do “Jornal do Brasil”, e eu, de Vitória, onde morei cinco anos em uma favela após deixar a prisão.

Foi naquele almoço que Mara e Ricardo expressaram a preocupação de encontrar um espaço de nutrição espiritual. As paróquias lhes pareciam muito impessoais. Assim, nasceu o Grupo de Oração que, no decorrer de décadas, se multiplicou por São Paulo, Rio e Minas. São incontáveis os retiros espirituais que partilhamos.

Mara e eu éramos confidentes. Abríamos a alma um para o outro. E me enriquecia a nossa diversidade religiosa. Embora cristã, ela se tornou adepta convicta do mestre indiano Yogananda, que li graças às indicações dela. E com muito proveito. Minha ligação maior sempre foi com o Evangelho, que ela dizia ter dificuldade de entender. Esse estímulo me levou a escrever inúmeros textos sobre a leitura e a compreensão da Bíblia, como “Jesus militante” (Vozes, 2022).

Mara era muito criativa. Formada em Sociologia pela USP, fundou o DataFolha, um dos principais institutos de pesquisas do Brasil. Assessorou campanhas políticas, sempre pautada pela competência e a excessiva responsabilidade em sua atividade profissional.

Discreta, pouco falava de si. Dedicava-se à família como se todos dela dependessem, e com um afinco quase exagerado, sem dar sinais de conhecer o cansaço ou se deixar vencer por limitações. Se tivesse que escolher um único vocábulo para defini-la seria cuidadora. Cuidava com esmero do marido, das filhas, dos netos, da casa, e de quem a solicitasse. Com muita dedicação, cuidou da mãe que viveu além dos 90 anos.

Impressionava-me sua habilidade em exercer atividades intelectuais e manuais. Em casa, era capaz de fazer consertos hidráulicos e elétricos. Opinou e participou de quase toda a obra do sítio familiar em Porangaba (SP).

Mara tinha fala suave e gestos comedidos. Gostava de uma boa conversa e raramente deixava de tomar refrigerante para saborear uma caipirinha. Jamais dispensava chocolates, sempre à mão.

Sentirei saudades dessa minha irmã que, ao lado do Ricardo, acolheu em sua casa meus pais em visita a São Paulo, e filha de amigos, como Lula. E Mara e Ricardo foram anjos da guarda quando cuidei de meu irmão caçula transtornado por problemas psíquicos.

A Deus, querida Mara. Afinal, você saiu do casulo e virou borboleta!

Frei Betto

Assessor de movimentos sociais. Autor de 53 livros, editados no Brasil e no exterior, ganhou por duas vezes o prêmio Jabuti (1982, com "Batismo de Sangue", e 2005, com "Típicos Tipos")

Frei Betto
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