Correio da Cidadania

Minha segunda despedida de Lula

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Às 7 da manhã da sexta, 6 de abril, despertei Lula que dormira em um quarto improvisado, sobre um colchão estendido no chão, na sede do sindicato dos metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo. Fui me despedir do amigo, já que eu tinha voo marcado para 10h.
      
Recordamos que há 38 anos, também em abril, eu dormia na casa dele quando os policiais do DOPS foram prendê-lo por liderar a greve metalúrgica contra a ditadura militar.
      
Em tempos de intolerância, guardo sempre a lição que o ódio é um veneno que você toma esperando que o outro morra... Por formação e princípio cristão, não confundo amizades com divergência de ideias. Em minha família há pessoas de diferentes ideologias e atividades profissionais, inclusive generais e  banqueiros.

Na Lava Jato, visito também Otávio Melo Azevedo, ex-presidente da Andrade Gutierrez, meu vizinho na adolescência em Belo Horizonte, e José Carlos Bumlai, que participou ativamente do Fome Zero quando, no início do governo Lula, coordenei com Oded Grajew a mobilização social.
      
Apesar de minhas críticas aos governos do PT (muito antes de se descobrir o mensalão), contidas nos livros “A mosca azul – reflexão sobre o poder” e “Calendário do poder”, ambos editados pela Rocco, nunca se quebrou a amizade de quarenta anos entre mim e Lula.
      
Dos valores evangélicos aprendi que pessoas não são discrimináveis, ainda que não se esteja de acordo com suas ideias e atos. Em especial quando se encontram em dificuldades. Esta foi a atitude de Jesus com a mulher adúltera e o rico Zaqueu, a Madalena “possuída por sete demônios” e o centurião romano ocupante da Palestina, entre outros.
       
Lula demonstrava serenidade. Perguntou-me pela família e por amigos comuns, inclusive Ricardo Kotscho, a quem fez questão de acordar para um papo telefônico.
      
Disse-me que não iria se apresentar em Curitiba. A polícia que viesse buscá-lo. Considera prepotente a ordem de prisão emitida pelo juiz Sérgio Moro quando ainda não se haviam esgotadas as medidas processuais adotadas pela defesa.
      
Recordou que ao ser preso, em 1980, sentiu mais inquietação do que agora. Não tinha ideia para onde os policiais da repressão o conduziam. Havia muita cerração na Via Anchieta, no trajeto entre sua casa em São Bernardo do Campo e a carceragem do DEOPS, em São Paulo.
      
Ficou aliviado quando escutou, no rádio da viatura, a notícia de sua prisão, divulgada por Dom Paulo Evaristo Arns, cardeal-arcebispo de São Paulo, e Dom Cláudio Hummes, bispo de Santo André, a quem eu telefonara tão logo os policiais o levaram.
      
Nesta sexta-feira, como em 1980, oramos juntos. E lembramos que, no dia seguinte, seria aniversário de Marisa, sua companheira por 43 anos.
 

Frei Betto é escritor, autor de “Um homem chamado Jesus” (Rocco), entre outros livros.

Frei Betto

Assessor de movimentos sociais. Autor de 53 livros, editados no Brasil e no exterior, ganhou por duas vezes o prêmio Jabuti (1982, com "Batismo de Sangue", e 2005, com "Típicos Tipos")

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