2010: a difícil luta pelo resgate das idéias socialistas

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Fernando Silva
22/12/2010

 

O ano foi polarizado pela sucessão presidencial. Por uma eleição onde os projetos das principais candidaturas estavam devidamente enquadrados dentro de uma ordem hegemonizada pelo capital financeiro e por um modelo de política econômica que perdura no país há aproximadamente duas décadas.

 

A vitória da candidata do PT, Dilma Rousseff, diante da tentativa relativamente atabalhoada do bloco PSDB/DEM de voltar ao governo federal e do surgimento da alternativa light, de centro, de Marina Silva do PV, não aponta para qualquer mudança ou ruptura com o modelo vigente.

 

Para aqueles setores da esquerda e dos movimentos que tenham dúvidas, ou mesmo que esclarecidos se apeguem à tese do mal menor, basta ver a crise da segurança pública no Rio de Janeiro, a operação brutal das forças de repressão do estado, avalizada por Lula e Dilma e realizada pelo aliado de primeira hora, o governador Sergio Cabral.

 

Com o mote simpático para o povo de "acabar" com o crime organizado, tal operação avança na criminalização da pobreza, vai na direção de uma verdadeira "limpeza" étnica e de classe. Por trás desta ocupação monumental está um estratégico processo de "disciplinar" os morros, disciplinar o negócio das drogas que paulatinamente passará para outros bandos, mais conectados com o aparelho de Estado, como é o caso notório das Milícias e, por fim, para preparar o terreno para os grandes negócios que virão com a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas em 2016.

 

Há outros fatos já evidentes a respeito da natureza do governo Dilma. Só para ficar em alguns, as anunciadas políticas de ajustes e cortes nos gastos, o congelamento dos salários dos trabalhadores do setor público, a reforma tributária que embute ataques aos direitos trabalhistas, a composição da área econômica do governo e o fato de que estamos diante de um governo PT-PMDB, mais dependente de coalizões à direita, mais fisiológico.

 

Porém, fechemos esse parêntese e voltemos à retrospectiva. Devemos levar em conta que, para dificultar ainda mais a politização e esclarecimento das idéias e dos debates centrais para o futuro do país, boa parte da eleição foi também pautada pelo obscurantismo e conservadorismo inéditos nos temas morais e comportamentais.

 

É certo que o peso dessa pauta foi estimulado pela oposição direitista tucano-democrata, especialmente no segundo turno, e pelo crescimento dos setores fundamentalistas-reacionários, tanto da igreja católica como das igrejas evangélicas/neopentecostais.

 

Mas também é um fato que a candidatura petista não esteve à altura de responder tal ofensiva, sequer para defender de forma coerente teses elementares do Iluminismo. Isto por duas razões: primeiro por um lamentável pragmatismo eleitoral; e em segundo, porque estamos diante do estarrecedor fato de que a quase totalidade das forças tradicionais de esquerda abdicaram de fazer a disputa ideológica na sociedade. Para não perder muito tempo em falar da candidatura Marina Silva neste terreno, já que ela defende parte, ou, no mínimo, flerta com as posições reacionárias.

 

Neste cenário, é digno de ser resgatado com orgulho e dignidade que o diferencial estrutural destas eleições (e não os mais do mesmo dentro do modelo) foi a candidatura do PSOL representada por Plínio Arruda Sampaio.

 

Coube ao PSOL, como maior representação da esquerda socialista e com condições de ocupar os poucos espaços permitidos e furar o cerco da grande mídia, colocar o dedo na ferida, afirmando que o problema central do país é a desigualdade social, que se cristaliza no país, pois, mesmo em período de crescimento econômico, a concentração de renda e capitais é o verdadeiro ponto de chegada dessa política econômica.

 

Parece espantoso constatar algumas questões sobre os temas debatidos nas eleições. Por exemplo, a dívida pública consome em juros e amortizações 35% do Orçamento da União ao ano. Esta é a raiz estrutural do colapso da saúde pública, da crise do saneamento básico e de tantas outras mazelas.

 

Pois bem, este tema só existiu nas eleições porque foi pautado pela candidatura do PSOL, quando Plínio em diversas ocasiões - entrevistas e debates na TV - defendeu a proposta elementar de auditoria da dívida pública, reivindicação histórica dos movimentos sociais e progressistas do país, mas devidamente engavetada pelo governo Lula.

 

Assim como coube à candidatura do PSOL pautar a defesa do plebiscito da Propriedade da Terra, a defesa dos direitos das mulheres, negros e negras, e homossexuais; a denúncia da criminalização da pobreza; a defesa da reforma tributária progressiva e da taxação das grandes fortunas; a redução da jornada de trabalho (pauta deletada do programa da candidatura Dilma); e a bandeira da democratização dos meios de comunicação, do controle social da mídia (outra pauta excluída do "corajoso" programa da candidatura Dilma).

 

Remando contra a maré: o lado de cá desunido

 

A campanha de Plínio e do PSOL foi corajosa, se levarmos ainda em conta que não havia unidade na esquerda socialista e nos movimentos sociais combativos para enfrentar os blocos dominantes.

 

Do ponto de vista dos movimentos de massas e sociais organizados, sob o governo Lula, é inegável que foi enorme fator de desarticulação da classe trabalhadora e de massa crítica para a vertebração de um outro projeto de Brasil o amplo processo de cooptação e acomodação da esmagadora maioria das direções dos movimentos sociais, sindicais e populares, incluindo aqui o enquadramento da direção do MST em favor do governismo nas eleições de 2010. Isso consolidou uma conjuntura de fragmentação e isolamento dos setores combativos, e mesmo das lutas e greves. Greves que não deixaram de ocorrer durante o governo Lula, como o recente movimento paredista em nível nacional dos bancários, em plena campanha eleitoral, mas que se inseriu em uma dinâmica de isolamento e desconexão das greves e ações de movimento, com muito baixa capacidade de expansão ou mesmo de ações de solidariedade de classe.

 

O cenário foi ainda mais complexo se observarmos que não houve uma frente de esquerda socialista eleitoral, que, embora não modificasse qualitativamente o potencial eleitoral, teria importante simbologia política a respeito da capacidade de a esquerda alternativa conseguir unir-se diante desta conjuntura adversa. E bem no meio do ano presenciamos, no início de junho, o fracasso do CONCLAT, cujo objetivo era a tentativa de formação de uma central sindical e popular unitária, combativa e independente. Registramos - e lamentamos bastante - que para o desfecho dos dois episódios citados neste parágrafo contribuiu decisivamente o sectarismo e a intolerância do PSTU.

 

E por fim (porque não poderá ser conduta de um partido socialista sério omitir ou colocar para debaixo do tapete seus problemas), foi apenas com o início da campanha eleitoral, com o papel aglutinador da candidatura Plínio, que o PSOL deu seus primeiros passos para buscar superar sua grave crise política.

 

Mesmo assim, durante a campanha, o partido teve que conviver com contradições regionais e nacionais, com destaque para o lamentável papel cumprido pela ex-presidente do partido, Heloísa Helena, que optou por ignorar as campanhas do PSOL e ajudou a confundir o povo sobre se a candidata do partido era Marina Silva. Obviamente, com isso, parte do capital eleitoral acumulado pela campanha de 2006 acabou sendo transferida para a candidatura do PV, por conta de uma atitude desleal e rancorosa para com o próprio partido, seus militantes e seus candidatos.

 

Um balanço para o futuro

 

Vivemos, portanto, um ano de 2010 onde a disputa política foi controlada pelo poder econômico e a grande mídia, onde Lula e o PT conseguiram a extraordinária proeza de eleger o sucessor, ainda que com uma inclinação mais à direita e sem que nenhum capitalista consciente (e quase todos o são) possa fazer qualquer queixa substancial aos governos de Lula e do PT, salvo, claro, para exigir um pouco mais ou barganhar novos negócios e medidas, o que é da natureza do capital, ainda mais sabendo que o PT cede.

 

Por todas essas razões expostas, consideramos e resgatamos como bastante positivo o rol cumprido pelo PSOL e pela campanha de Plínio Arruda Sampaio. Apresentamos um projeto de futuro, de autênticas mudanças mesmo em cenário adverso, um projeto coerente de programa, de temas centrais para combater a desigualdade social provocada pelo capitalismo e, portanto, de resgate das idéias igualitárias e socialistas.

 

Afirmamos com orgulho a idéia de partido, nosso candidato a presidente era de um partido, a esmagadora maioria dos nossos candidatos e figuras públicas falava por um partido e não escondemos isso, ao contrário dos principais candidatos. O PT, porque tem que esconder suas alianças com Collor, Sarney etc. Marina porque não tinha como explicar de que modo seria uma alternativa, se está em um partido que sustenta governos tucanos e democratas nos âmbitos municipal e estadual, além do próprio PT no âmbito federal.

 

Fora isso, ainda que com modesta representação no Congresso Nacional, o PSOL mostrou que é possível eleger parlamentares sem rebaixamentos programáticos. E com um perfil que poderá credenciar o partido como um porta-voz e estimulador das demandas sociais e populares, autênticas, como a reforma agrária, aquelas não resolvidas pelos governos tucanos e petistas, mas que as contradições inerentes da grave e longa crise da economia capitalista, que continuará rondando o Brasil, irão colocar no horizonte de médio prazo.

 

Será quando as condições para a disputa de um projeto autêntico de mudanças estruturais para o Brasil estarão melhores. Para isso devemos nos preparar, acumulando posições e coerência desde já. Esse foi o sentido principal da presença do PSOL nas eleições de 2010.

 

E a audiência conquistada pela candidatura Plínio junto à juventude é a mais animadora certeza de que há futuro para o resgate das idéias e do projeto socialista.

 

Fernando Silva é jornalista, membro da Executiva Nacional do PSOL e do Conselho Editorial da Revista Debate Socialista.

 

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