Crise mundial já reforçou o conservadorismo e o estrangulamento social

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Fernando Silva
07/02/2008

 

O ano de 2008 vai se desenhando como um ano de incertezas diante do agravamento da crise financeira e econômica global, desencadeada em agosto passado com a crise dos créditos hipotecários norte-americanos.

 

Os indícios de que já estamos no início de uma crise são cada vez mais evidentes. Grandes bancos em escala internacional registram megaprejuízos (afinal, a banca européia e asiática também participou da farra que agora se revela um mico). O consumo das famílias norte-americanas, verdadeiro aspirador da produção mundial, se retrai. A inadimplência nas prestações da casa própria se estende agora aos cartões de crédito e ao crediário de automóveis. Houve um aumento expressivo (mais de 0,5%) no pedido de seguro-desemprego nos Estados Unidos no último trimestre do ano passado.

 

Em tempos de capitalismo intensamente globalizado, não apenas no mundo dos bancos, bolsas e investimentos financeiros, mas também na cadeia produtiva (há 63 mil empresas transnacionais na China, 93% das quais dos Estados Unidos, Europa e Japão)* e do fluxo intenso do comércio mundial (os Estados Unidos são hoje o principal mercado das exportações chinesas), a consolidação de uma recessão na principal economia do planeta, se confirmada, vai configurar uma crise econômica mundial.

 

Nas atuais circunstâncias do capitalismo, não há espaço para "descolamento" de nenhuma parcela do mundo em relação a uma crise recessiva na principal economia do planeta.


Endurecimento na política econômica

 

Independentemente do tamanho e gravidade da crise nos EUA, impossível de se prever hoje, já se vêem algumas conseqüências imediatas e possíveis no cenário brasileiro.

 

No Brasil, já estamos diante de um endurecimento na política econômica dos governos federal, estaduais e prefeituras, especialmente sobre o setor público.

 

O governo Lula já anunciara um corte de R$ 20 bilhões nos gastos sociais após o fim da CPMF. Agora que a turbulência mundial já afeta diretamente previsões da economia (estimativa de queda de 25% no saldo da balança comercial para este ano, previsão de déficit nas contas externas e revisão para baixo do crescimento do PIB em 2008), não haverá espaço para qualquer flexibilidade ou mudança nos parâmetros da política econômica. Pelo contrário, o governo Lula continuará privilegiando centavo a centavo a remuneração do capital financeiro, ainda que às custas de desnecessários sofrimentos para o povo, como para os milhões de brasileiros que dependem da saúde pública, que deverá estar em estado ainda mais lastimável este ano.

 

O governo tucano de José Serra está na vanguarda nesse quesito colocando 18 empresas estatais (CESP, SABESP, Metrô, Banco Nossa Caixa etc.) e sete rodovias do estado de São Paulo em processo aberto de privatização.

 

Infelizmente, Serra não está sozinho nesta onda privatista, afinal o governo Lula no segundo mandato retomou o processo de privatização no país com os Leilões de petróleo e gás, rodovias, hidroelétrica do Rio Madeira, exploração de florestas.

 

E de quebra o governo federal insiste no PAC (a ser feito com as famigeradas PPPs), colocando o BNDES na linha de frente de empréstimos e investimentos, para sinalizar ao capital privado que eles podem vir sem medo para abocanhar a infra-estrutura do país.

 

Esses tiros podem sair pela culatra, pois, em tempos de crise e incertezas mundiais, o capital vai atrás da reposição rápida das suas perdas e de portos mais seguros, tendendo a se afastar de investimentos pesados e de longo prazo (como os requeridos pelo setor de infra-estrutura), especialmente no mundo dos países periféricos.

 

A dificuldade do governo federal em fazer deslanchar a construção de hidroelétricas com investimentos privados (um dos buracos atuais do PAC) é um exemplo, que pode resultar em um maior estrangulamento na produção de energia e no risco de uma nova crise energética no país.

 

Por fim, o Banco Central já volta a cogitar novos aumentos de juros, diante dos sinais de turbulência na economia doméstica. Medida que pode ser fatal para, a médio prazo, fazer a crise chegar para valer na economia real. Uma expansão movida a mecanismos com amplo crédito e empréstimos consignados, como ocorreu no Brasil nos últimos anos, poderá, com essa ortodoxia neoliberal do BC, conhecer a sua desaceleração a la Estados Unidos.

 

Desafios em 2008

 

Não devemos perder de vista que a crise econômica já começou. Outra coisa é a sua duração e gravidade. Historicamente, não estamos diante de nenhuma novidade: em crises na economia capitalista, a conta costuma ser destinada fundamentalmente aos trabalhadores.

 

Tanto que nem bem a crise começou e algumas pancadas já estão confirmadíssimas, como a que afeta os acordos salariais e reajustes dos trabalhadores do setor público.

 

Diante desse quadro, colocam-se em 2008 três desafios para os socialistas e os movimentos sociais combativos da classe trabalhadora:

 

- Recolocar em debate a construção de um projeto de ruptura com a política econômica, construindo em termos práticos um programa do ponto de vista dos trabalhadores, em oposição e em alternativa às "soluções" da classe dominante e dos governos.

 

- Construir uma agenda de iniciativas para unir as demandas e lutas reais dos movimentos populares, sindicatos, na defesa dos direitos dos trabalhadores do setor público, no rechaço às privatizações, aos cortes nos gastos sociais.

 

- No processo eleitoral do segundo semestre, será importante retomar a formação de uma frente de esquerda, a ser ampliada nos movimentos sociais, para, mesmo no terreno das eleições municipais, apresentar uma visão coerente de projeto alternativo de ruptura para o país, sem concessões ao grande capital. Um projeto que seja ponto de apoio para representar as demandas reais dos pobres nas cidades, que não vão faltar, pois no âmbito dos municípios também se fará sentir o tacão do endurecimento da política econômica.

 

*Fonte: Trade unions launch Beijing Consensus", People´s Daily Online

 

Fernando Silva é jornalista, membro do Diretório Nacional do PSOL e do conselho editorial da revista Debate Socialista.

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