O cuidado com as águas de março

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Fernando Silva
26/02/2016

 

 

 

 

 

O mês de março pode ser aquecido por manifestações a favor de um ilegítimo (até agora) impeachment de um lado, e em defesa do indefensável governo Dilma, de outro.

 

Um jogo de sombras que encobre a profundidade dos problemas e crises que assolam o país sem que nenhum dos lados tenha qualquer saída progressista a oferecer de um ponto de vista da maioria da população, cada vez mais acuada pelo desemprego, inflação, arrocho, colapso dos serviços públicos, repressão policial.

 

Como todos sabem, a temperatura voltou a subir quando surgiram as denúncias contra Lula em relação ao Tríplex no Guarujá e um sítio em Atibaia. Mas estranhamente, quando as investigações da Lava Jato sobre as ligações de Lula com empreiteiras e a empresa agropecuária na aquisição do Tríplex encontraram pelo caminho as mesmas empresas envolvidas na construção ilegal de uma mansão dos donos da Rede Globo, o foco mudou um pouco.

 

Surgiu, então, uma nova fase das investigações da Lava Jato, que mira diretamente no governo Dilma, tentando ligar empreiteiras e o marqueteiro responsável pelas campanhas da presidenta, João Santana, com financiamentos ilegais de campanha e as propinas do Petrolão.

 

Nessas mesmas semanas, as denúncias feitas pela jornalista Miriam Dutra contra o ex-presidente FHC, de remessa ilegal de recursos através de uma empresa laranja, foram parar no pé de página da grande mídia. Manipulações desta grande mídia corporativa não são também nenhuma novidade na história política recente do país, mas os “timings” da Operação Lava Jato levantam questionamentos sobre suas prioridades. Mas de toda forma essa nova fase de denúncias deve voltar a aquecer as manifestações da direita reacionária, em 13 de março.

 

Isto irá gerar a reação dos setores governistas, que não vão poupar esforços para transformar a marcha de 31 de março contra a Reforma da Previdência em um ato de defesa do governo. Armadilha na qual os setores e movimentos sociais independentes e combativos da esquerda socialista não devem cair.

 

Por mais que seja ilegítimo um processo de impeachment sem provas, conduzido e animado por gente como Eduardo Cunha e Aécio Neves, o fato é que a política econômica do governo está destruindo empregos, renda e salários, aumentando a pobreza e atacando a já precária rede de proteção social do Estado brasileiro. E não há programa de 10 minutos do PT na TV com direito a pronunciamento de Lula que consiga convencer os trabalhadores e trabalhadoras do contrário.

 

A popularidade do governo Dilma não está no chão por causa dos panelaços nos bairros de classe média e da burguesia, e nem apenas pelas denúncias de corrupção. As amplas camadas da classe trabalhadora estão rompidas com o governo porque o chão da sociedade está ruindo sob a política econômica em vigor e a larga escala de ataques aos direitos.

 

Exemplos das últimas duas semanas não faltam: é o governo Dilma que anuncia corte de mais de R$ 23 bilhões no Orçamento; é o governo Dilma que prepara uma reforma fiscal cogitando acabar com o reajuste real no salário mínimo, foi o governo Dilma que apoiou a aprovação no Senado do projeto do tucano José Serra para aumentar a entrada das multinacionais na exploração do pré-sal, aumentando aqui a lógica do mercado e potencializando ainda mais futuros desastres socioambientais.

 

Não são poucas as medidas da série dos legados de direitos – e agora soberania – destruídos que o governo Dilma pretende deixar.

 

Dessa forma, será preciso construir uma alternativa que surja das lutas sociais reais de defesa dos direitos de todos os setores atacados, tanto pela direita reacionária e seus governos na esfera estadual como pelo ajuste neoliberal do governo Dilma.

 

As águas de março que fecham o verão irão trazer caminhos perigosos para uma esquerda combativa e independente, e não bastará denunciar as tramóias do PSDB, dos Eduardos Cunhas e das estranhas prioridades da Lava Jato. Tão importante quanto isso será evitar, a todo custo, os caminhos que possam aparentar, aos olhos da classe trabalhadora, não existir alternativa para além de defender este governo indefensável.

 

Notas:

 

Governo de esquerda? Na mesma semana que o marqueteiro João Santana foi preso, a Câmara dos Deputados aprovou a lei antiterrorismo, enviada pelo governo. A lei abre as portas para criminalizar lutas e movimentos sociais como “terrorismo” ou “atos terroristas”! É assim que o governo do PT responde aos “golpistas” da direita...

 

Sem remédios. Não bastasse o massacre das epidemias da Dengue, Zika e Chikungunya, agora surge a denúncia de que nos hospitais de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Paraná e Goiás estão faltando medicamentos para o tratamento de doenças graves ou crônicas como hepatite, câncer, Aids, diabetes. É um colapso sem fim na saúde pública. Em tempo: o Ministério da Saúde declarou que essa situação nada tem a ver com a crise, nem cortes nos gastos. Então tá...

 

 

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Fernando Silva é jornalista e membro do Diretório Nacional do PSOL.

 

 

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