Um país mais polarizado será o tom em 2015

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Fernando Silva
19/12/2014

 

 

 

Quando 2014 começou, dois grandes eventos estavam na agenda do país: a Copa do Mundo e as eleições de outubro. Mas estes eventos estavam no marco de uma nova conjuntura aberta com as jornadas de junho de 2013, que evidenciaram, já na ocasião, um país polarizado e dividido, descrente das instituições tradicionais e com a positiva consciência de que o caminho da ocupação das ruas é a via mais prática para fazer valer seus protestos e reivindicações.

 

O ano de 2014, que agora se encerra, com seus grandes eventos, resolveu ou atenuou as profundas contradições e demandas colocadas de forma explosiva, embora pouco organizada, em 2013? Nem de longe. Pelo contrário, o país está mais polarizado e dividido.

 

E mesmo a preponderância da disputa institucional no segundo semestre e a nova vitória de Dilma serviriam para ilustrar esta condição, ainda que de forma bastante distorcida e contraditória. Pois a polarização da disputa institucional entre as grandes candidaturas do sistema não deu conta de expressar as profundezas das desigualdades sociais, embora ódios de classe na sociedade tenham aparecido e a retórica eleitoral petista tenha utilizado o recurso do discurso de esquerda e de classe para mobilizar a militância e forças progressistas, diante da ameaça eleitoral tucana.

 

Bastou o início da montagem do governo e (em direção ao mercado financeiro e do ajuste) e as primeiras medidas após as eleições para ver que estávamos diante de um novo estelionato. O pós-polarização eleitoral é o choque de realidade, revelando muito mais semelhanças do que diferenças entre petistas e tucanos.

 

Registre-se que, no quesito estelionato eleitoral, o PT não caminha sozinho. Os tucanos em São Paulo esconderam a gravidade da crise hídrica e a profunda incompetência do modelo privatista na gestão da água até as urnas se fecharem.

 

Modelo esgotado

 

O grande problema de fundo que está na raiz da instabilidade social do Brasil é o esgotamento do modelo aplicado no país: um tipo de desenvolvimentismo liberal, amparado em grandes projetos em parceria do Estado e grandes empresas privadas, e numa política de expansão do crédito. Modelo que, em um país regido por altas taxas de juros, termina em endividamento amplo na sociedade e retrocesso no mercado interno.

 

Em resumo: não há como apostar num desenvolvimentismo (mesmo neste modelo predador e privatista) sob a dependência do mercado financeiro que, por exemplo, engessa o orçamento da União pela via do pagamento de juros e amortizações da dívida pública.

 

O novo mega-escândalo na relação entre Petrobrás e empreiteiras é didático para mostrar os meandros deste modelo de “desenvolvimento” e como as “parcerias” pública-privadas funcionam. E já não é nenhuma surpresa que esteja o PT mais uma vez envolvido como recente grande player no sistema e na forma de funcionamento histórica dos “negócios” do capitalismo brasileiro.

 

Foi mais do que o 7 a 1

Se é certo que o grande vexame no mês da Copa do Mundo ocorreu dentro de campo, com o fracasso humilhante da seleção nacional, o contexto da Copa foi muito mais amplo e revelador também das contradições e esgotamento do modelo: inúmeras obras até hoje inacabadas, promessas não cumpridas de avanços na mobilidade urbana mesmo nas cidades-sedes, estádios com montanhas de dinheiro público para donos privados (vários deles sem muita utilidade após a Copa).

 

Enquanto isso, assistimos no primeiro semestre a inúmeras lutas sociais, como greves e ocupações. Se é certo que a derrota da greve dos metroviários de SP às vésperas da Copa e o imenso aparato repressivo inibiram grandes manifestações durante a Copa, o ano se encerra com a volta dos sem-teto às ruas e manifestações contra a falta d´água dando sinais daquilo que pode estar por vir nos próximos dois anos, já anunciados pelo governo como período de longo ajuste.

 

Por país mais polarizado ou dividido entenda-se também um momento em que a direita cresceu, seja na forma do renascimento da alternativa tucana, seja na forma de inúmeros preconceitos e ódios antipopulares, seja na composição de um Congresso Nacional mais reacionário. Este é sem dúvida um dos resultados desta conjuntura.

 

Mas isto passa longe de uma onda golpista, em que pese a agitação um tanto estéril de setores petistas, na medida em que, exceção de setores muito minoritários e até caricaturais, os grandes partidos e lideranças da direita tradicional, as forças armadas e os grandes grupos capitalistas prezam a manutenção e a estabilidade do regime democrático.

 

Inegavelmente, a contribuição dos seguidos governos do PT não foi menor para permitir esse fortalecimento da direita, em primeiro lugar porque convive e agrega grande parte da direita brasileira na sua própria base de sustentação e no seu próprio governo. Afinal, é consensual a apreciação que o Congresso é mais conservador. O incrível é que o governo do PT não perdeu maioria e não perdeu porque grande parte da bancada da bala, do agronegócio, da bancada homofóbica e, especialmente, da bancada das empreiteiras apoia o governo federal. Simples assim.

 

Não bastasse, aos olhos de milhões de jovens e trabalhadores e trabalhadoras, o PT no poder é um descalabro, é parte do sistema. E o novo grande escândalo, antes mesmo do início do novo governo Dilma, dá uma contribuição inestimável ao fortalecimento de alternativas de direita.

 

Registre-se que, no terreno eleitoral, onde prevaleceu a ausência de debates de projeto, coube ao PSOL representar um voto coerente com as demandas da juventude, das opressões, em questões como a mobilidade urbana. Ainda que de forma minoritária, não se explica o expressivo crescimento da votação do PSOL sem as jornadas de junho.

 

O terceiro turno das ruas e das reivindicações populares

 

O título deste artigo ilustra a principal conclusão desta análise. Esta base se desdobra na apreciação de que as eleições não resolveram as demandas e gargalos que foram expressos nas ruas em junho de 2013.

 

O novo escândalo Petrobrás-empreiteiras fragiliza bastante o governo, às voltas também com uma economia estagnada e com a perspectiva de recorrer aos remédios neoliberais na política econômica. Nada pode ter sido mais claro da condição do novo governo do que a declaração da presidenta em evento do PT: “o ajuste é necessário para a governabilidade”.

 

Ou seja, saiu das urnas um governo ainda mais refém do mercado financeiro, das alianças com um parlamento mais conservador e do forte condômino do governo, que é o PMDB.

 

De outro lado, um Congresso que tem 50% dos seus parlamentares eleitos financiados pelas empreiteiras não é exatamente um esteio de legitimidade nessa era de crise das representações. Nem mesmo a oposição tucana, renascida nas urnas, mas também parte do condomínio do modelo, exercendo governos truculentos e avessos às demandas populares, como é o caso de São Paulo.

 

Termina assim o ano de 2014, com perspectivas de ajustes e ataques aos direitos em 2015.

 

Da parte dos movimentos sociais, dos setores progressistas independentes e da esquerda socialista, não se pode dar trégua. Dar passos na direção de uma frente ampla, como uma pauta de defesa dos direitos, das reformas populares, que inclua uma reforma política que abra as portas para a ideia da democracia direta e participação popular, é o caminho para resgatar os melhores anseios das jornadas de junho e, quem sabe, voltar a ocupar as ruas em 2015 para impedir os ajustes dos governos petistas e tucanos.

 

Este será o verdadeiro terceiro turno que o país precisa.

 

Fernando Silva é jornalista e secretário-geral do PSOL.

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